Pouco mais de uma semana depois de assumir a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Juarez Quadros fez sua primeira aparição pública, na Futurecom, principal evento do setor, que aconteceu na semana passada, em São Paulo. Em uma sala diminuta, ele recebia os executivos de operadoras e de fornecedores, num típico beija-mão. Nas vezes que percorria os corredores do evento, era parado a todo o momento, para ser cumprimentado pelos presentes. Quadros, que substitui a João Rezende, tem mandato até novembro de 2018. Ele é um dirigente histórico do setor, tendo atuado na Telebras, holding estatal que comandava o setor de telefonia. Foi também ministro das Comunicações, em 2002, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Nos anos 1990, participou ativamente do projeto que quebrou o monopólio do Estado no setor de telecomunicações. Agora, à frente da Anatel, Quadros tem de enfrentar temas espinhosos. Caberá a ele discutir a revisão do atual modelo de telecomunicações, acompanhar a bilionária recuperação judicial da Oi e regulamentar aplicativos, como o WhatsApp. “Os aplicativos não pagam impostos, não remuneram os detentores de conteúdos e não respeitam a Justiça”, disse Quadros. “Por outro, o consumidor está satisfeito com eles.” Quadros falou à DINHEIRO:

DINHEIRO – Na década de 1990, o senhor participou da formulação do modelo de telecomunicações, que levou a venda da holding estatal Telebras e criou o modelo de competição privada no mercado brasileiro. Depois de tanto tempo, esse modelo está esgotado?
JUAREZ QUADROS – 
O modelo estabelecido foi mediante a um cenário, o dos anos 1990. Esse cenário está muito diferente diante da celeridade da inovação tecnológica. Há necessidade de uma revisão, pois as circunstâncias hoje são novas. E elas estão mudando rapidamente. No passado, a questão mais importante era a voz. Naquela época, não havia nem indicadores de banda larga. E, hoje, a principal demanda é por banda larga fixa, porque a telefonia fixa está universalizada, e o celular, popularizado. Os serviços de tevê por assinatura estão reduzindo o número de acessos, não só no Brasil, mas também no mundo, por conta dos serviços de streaming de vídeos.

DINHEIRO – O senhor defende a revisão desse modelo?
QUADROS –
 Sim. Há um projeto de lei, do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), que permitirá a alteração do regime de outorga. Com isso, a Anatel poderá modificar o regime de concessão para o de autorização. O regime de autorização não tem obrigações a serem cumpridas, como no caso da concessão. Mas é claro que a agência precisa estabelecer novas obrigações às empresas de telefonia. Isso tudo é um cenário novo. Mas há outras questões. Precisamos também analisar a cultura digital em que as operadoras atuais deixaram passar a primeira onda e perderam espaço para as empresas de internet. Os aplicativos estão ocupando espaço rapidamente no Brasil e no mundo. Essa é uma inovação muito acelerada e precisa ser dada a devida atenção. Para os usuários, está sendo muito bom, pois ele passa a ter acessos de voz, dados e imagens.

DINHEIRO – O presidente da Telefônica Vivo, Amos Genish, é a principal voz sobre este tema do lado das operadoras. Ele critica o WhatsApp e pede que os mesmos serviços tenham as mesmas regras. A Anatel pretende regulamentar esses aplicativos? 
QUADROS – 
Os aplicativos estão fazendo que os governos não tenham tributação. E como diminui os outros serviços das operadoras, o governo está perdendo tributos. Eles não pagam impostos, não remuneram os detentores de conteúdos e não respeitam a Justiça. Por outro, o consumidor está satisfeito com eles. Essa é uma grande dificuldade mundial quando se debate esse assunto. Não tenho uma opinião sobre o tema. Estou vendo benchmarkings e analisando o que está ocorrendo no mundo todo. Quero saber como os reguladores estão tratando o tema. A questão é não tão simples.

DINHEIRO – O senhor acha justo que as empresas de telefonia invistam bilhões de reais em infraestrutura de rede e não sejam remuneradas pelas empresas que usam suas redes para ganhar dinheiro, como Netflix, WhatsApp e Spotify? 
QUADROS –
 As empresas reclamam mundialmente porque elas continuam investindo em infraestrutura. Elas dizem que não querem servir apenas de dutos ou canos para esses novos serviços digitais trafegarem. E elas têm razão. As próprias empresas de telefonia, em alguns lugares do mundo, estão indo para o mercado e começaram a oferecer serviços digitais para os seus consumidores.

DINHEIRO – As operadoras brasileiras já estão oferecendo esses serviços digitais aos seus clientes. Mas elas não ficaram para trás nessa área?
QUADROS –
 Entendo que as empresas de telecomunicações perderam a primeira onda. Mas agora elas estão entendendo o problema. Elas confiaram demais na condição dominante de mercado. Agora, resta às teles implantar esses serviços digitais ou, como é comum, associar ou comprar as companhias que detêm essas soluções.

DINHEIRO – Outro assunto polêmico é a questão da franquia de dados. Faz sentido as operadoras de telefonia estabelecerem uma franquia de dados nos planos de banda larga fixa para seus consumidores? 
QUADROS –
 Não tenho ainda uma posição sobre esse assunto. Aliás, esse é um problema parecido com os aplicativos e com os serviços digitais. Essa discussão está acontecendo em nível global, exceto nos Estados Unidos. Lá, as operadoras cobram por uma franquia, mas os planos são capazes de atender a demanda de uma família. Na Europa, dá para citar a Alemanha, que suspendeu essas limitações por decisão judicial. No Brasil, a Anatel tomou a decisão de suspensão para benefício do usuário. Estou pedindo para que empresários me tragam modelos do setor.

DINHEIRO – Como o senhor vai tratar essa questão?
QUADROS –
 Estou avaliando e analisando. Não tenho prazo para tomar essa decisão, mas ela será tomada em benefício do consumidor.

DINHEIRO – Os serviços de telefonia fixa e móvel se universalizaram e se popularizaram. Mas, ao mesmo tempo, as empresas de telefonia lideram as reclamações dos consumidores. Por que não há qualidade nos serviços de telefonia?
QUADROS – 
A qualidade tem de ser medida pelo conceito de qualidade percebida pelos consumidores. Hoje, os indicadores de qualidade gerenciados pelo Anatel não estão enquadrados neste princípio. É necessário rever os indicadores.

DINHEIRO –Como será esse novo modelo? 
QUADROS –
 Já me encontrei com as operadoras e o trabalho está em andamento. Vamos ter de acelerar a implantação desse conceito. Mas não basta acelerar só na Anatel. As operadoras precisam acompanhar esses novos critérios.

DINHEIRO – A Anatel está preparada para fazer uma intervenção na Oi, que está em um bilionário processo de recuperação judicial?
QUADROS – 
Se necessário, sim. Mas espero que não seja necessário. O ideal é que haja uma solução de mercado na questão da Oi. No processo, há um administrador, de acordo com a lei, e o que a Anatel fez foi manifestar o valor da dívida com a agência. Até então, o que estava no processo era o valor declarado pela Oi, em torno de R$ 11 bilhões. A agência agora declarou que a Oi deve R$ 20,2 bilhões, com a ressalva que não estão calculados os juros.

DINHEIRO – Essa dívida da Oi com a Anatel não é impagável?
QUADROS – 
Em função da complexidade, foi constituído um grupo de trabalho interministerial e coube à Anatel coordená-lo. Isso é necessário porque o gestor público não tem autorização legal para negociar dívidas da União. E isso dificulta o processo. Os credores privados têm toda a liberdade para defender seus direitos, incluindo uma negociação de deságio dos valores devidos. Ao administrador público, isso não é permitido.

DINHEIRO – Quer dizer que a Anatel não pode reduzir o valor das multas? 
QUADROS –
 Exceto para aquelas dívidas que poderiam ser negociados por Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), como foi feito recentemente com a Oi. Mas o Tribunal de Contas suspendeu esse TAC e o remeteu ao processo de recuperação judicial.

DINHEIRO – O senhor é favorável ao pleito das operadoras de trocar multas por novos investimentos? 
QUADROS –
 Sim, desde que a empresa tenha capacidade econômica de assumir a responsabilidade. Do contrário, o problema só vai aumentar. No caso de descumprimento da obrigação assumida, o valor da multa é triplicado, em função das penalidades previstas no TAC.

DINHEIRO – As operadoras reclamam que a Anatel multa demais. Mas as empresas de telefonia também pagam pouco, pois recorrem e os processos vão se estendendo. Essas multas não são uma ficção, em que Anatel finge que cobra e as operadoras, que pagam? Enquanto isso, a qualidade dos serviços não melhora. 
QUADROS – 
Primeiro, a qualidade do serviço tem de melhorar. Segundo, se operadora não tem capacidade de honrar o TAC, é uma grande diferença a mais para pagar. Não estamos diminuindo, nem perdoando as dívidas. Apenas trocando por um benefício para o próprio consumidor. Como? Sobre a forma de investimentos na melhoria da qualidade, da velocidade e do acesso a áreas não cobertas.

DINHEIRO – Por que a Oi chegou a essa situação?
QUADROS –
 Não sei. Não posso fazer nenhum juízo de valor, até porque é uma situação muito complexa.

DINHEIRO – Há atualmente quatro grandes grupos no setor de telefonia brasileiro. A espanhola Telefônica Vivo; a mexicana América Móvil, dona da Claro, NET e Embratel; a italiana Telecom Italia; e a Oi, que tem vários investidores brasileiros e portugueses. O senhor acredita que temos muito ou pouco competidores no setor de telefonia?
QUADROS –
 Entendo que há um número suficiente para permitir a competição. A necessidade para uma boa competição é de três a cinco operadoras. O Brasil, neste momento, está dentro desse contexto. O fato de a Oi estar nessa dificuldade deve-se a um erro estratégico. Não foi nenhuma ilegalidade. Não se feriu nenhuma lei, em 2008, ao se alterar o plano geral de outorgas e permitir que o mesmo grupo econômico explorasse duas regiões, abrindo caminho para a união da Telemar com a Brasil Telecom (que deu origem à Oi). O que ocorreu ali? As duas empresas estavam com problemas econômicos. Só aumentamos o valor da dívida ao permitir a união. Depois, surgiram esqueletos que aumentaram ainda mais o valor da dívida. O sonho da supertele nacional foi afetado e ela virou uma luso-brasileira. Agora, está com essa dívida bilionária (R$ 65 bilhões).