Para o franchising, a retomada pós-pandemia é especial. Historicamente, o setor tende a se fortalecer depois das crises. Aumento de desemprego e necessidade de complementar a renda fazem com que mais pessoas busquem no empreendedorismo uma forma de se manter financeiramente. De acordo com Tom Moreira Leite, presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), esse aumento já ocorre — e o setor vê seus números de faturamento crescer. Mas ainda há desafios a serem ultrapassados. Um deles é a necessidade urgente de digitalização. Outro, a falta de crédito para quem quer empreender. CEO do Grupo Trigo, que engloba franqueadoras como China in Box, Gendai e Spoleto, o executivo estárá à frente da ABF pelos próximos dois anos e pretende estreitar a relação do setor com o poder público e, ao mesmo tempo, fortalecer a caminhada digital dos players.

DINHEIRO – Qual será o foco à frente da ABF?
TOM MOREIRA LEITE – Eu já havia atuado nos últimos quatro anos como vice-presidente da entidade. Tivemos agendas importantes, que continuaremos, e outras que serão foco da nossa gestão. Agendas como advocacy, de relações institucionais e de um diálogo constante da entidade com representantes do poder público. Além de um trabalho de construir novas parcerias com o sistema financeiro, provendo fontes de financiamento, não só para franqueadores, mas também para o crescimento de empresários franqueados. Na maior parte das vezes são de micro ou pequenos negócios.

Algum outro ponto terá destaque?
O processo de digitalização das marcas e das companhias associadas à ABF. Temos a intenção de continuar a aproximar o ambiente de franchising com o de startups, para prover soluções que sejam acessíveis aos associados, independentemente do porte da empresa. O que quero deixar como legado é a digitalização acessível.

A pandemia prejudicou o varejo de forma geral e o setor de franquias. Como foi esse processo até a recuperação de 2022?
Os franqueadores tiveram um papel fundamental, e muito antes de qualquer ação governamental, de apoio ao micro e pequeno empresário. Foram os primeiros a se mobilizar nesse sentido. Também é preciso lembrar que alguns segmentos tiveram de abraçar o digital como único meio de transacionar. A conexão criada entre franqueadores e franqueados acelerou novos canais, então foi preciso estruturar os processos internos para operar através desses novos canais.

“Vemos as franquias retomando mais rápido que a própria atividade macroeconômica. É um porto seguro para quem perdeu seu posto de trabalho” (Crédito:Istock)

A recuperação no faturamento ocorreu?
No acumulado de 12 meses entre 2021 e novembro de 2022, falamos de uma indústria que fatura R$ 204 bilhões [em 2019 bateu nos R$ 186,7 bilhões, caiu para R$ 167,2 bilhões em 2020 e foi para R$ 185,1 bilhões em 2021].

As novas operações são de pessoas entrantes no universo de franquias ou de franqueados que abrem novas unidades?
Temos as duas situações. A gente tem franqueados que crescem e vão se tornar operadores multiunidade, o que é cada vez mais comum no Brasil. E você tem o comportamento do franchising de crescimento em período de pós-crise. Isso aconteceu entre 2008 e 2009, no momento da crise americana das hipotecas; a partir de 2014 no Brasil, com a desaceleração do PIB nacional; e agora de novo no pós-pandemia. Vemos o franchising retomando mais rápido que a própria atividade macroeconômica. E existe essa característica no pós-crise, de ser um porto seguro para quem perdeu seu posto de trabalho e deseja recuperar a renda. Ou aqueles que querem uma fonte de renda experimental. Então a gente vê, sim, novos entrantes com esse perfil.

A franquia é dada como uma solução milagrosa de empreendedorismo, e isso pode gerar a entrada de pessoas que às vezes não estão preparadas para esse mundo dos negócios. Como você enxerga isso?
Eu não vejo, pelo menos nas marcas da ABF, agirem com essa dinâmica. O que temos verdadeiramente é um modelo de negócio comprovado, em que você consegue ter uma visão bastante clara de como é o desempenho daquela rede e daquele negócio. É claro que, como acontece a qualquer negócio, há riscos relacionados ao ato de empreender. Mas não existe milagre. Existe todo um trabalho da própria entidade no sentido de certificar as franqueadoras com o selo de excelência, e todo um arcabouço de oferta de franquias onde todas as informações da marca são compartilhadas. Não enxergo o franchising como sendo solução milagrosa.

Nesses últimos anos, a gente tem um processo de digitalização muito forte no varejo. Como estão as franquias?
Temos nesse novo ciclo pós-pandemia a dificuldade de construir as estratégias das marcas a partir de um olhar mais aprofundado sobre o cliente. O que vejo no franchising são as empresas cada vez mais preocupadas e investindo em suas competências internas, não só de capturar esses dados transacionais, mas de aprender a partir deles. Então, se por um lado você tem soluções de prateleiras sendo ofertadas para o franchising, por outro lado você tem as marcas investindo em competências relacionadas à capacidade analítica.

Do lado do franqueado, eles estão preparados para esse modelo mais digital e integrado?
Não tenho dúvida. Primeiro porque todo o processo de digitalização é puxado pelo próprio cliente. Outro elemento é que você tem franqueados nativos digitais que buscam marcas que tenham esse componente mais desenvolvido.

O que a ABF espera do novo governo e como ele pode influenciar o desenvolvimento do setor de franquias?
Nossa expectativa é que haja uma tomada de decisão que propicie, com o tempo, uma diminuição dos juros, porque nos patamares que se encontram tornam mais cara a capacidade de financiar novos negócios. É um empecilho. Há ainda uma preocupação, embora ela tenha diminuído nos últimos meses, com os efeitos inflacionários. Espero que o governo tenha um entendimento claro do impacto socioeconômico do franchising. Somos uma indústria muito intensiva de mão de obra, com 1,6 milhão de brasileiros empregados nas franquias. A capacidade do franchising de gerar emprego, aliado a um entendimento de que a gente é capaz de atrair e formar as pessoas, é uma expectativa que tenho sobre o governo atual.

Existem políticas específicas para o setor?
A ABF tem dialogado com governos municipais sobre a diminuição da carga de ISS para que o ponto de equilíbrio do franqueador seja mais baixo e fomente ainda mais o franchising.

“Nossa expectativa com o novo governo é que haja uma tomada de decisão que propicie, com o tempo, uma diminuição dos juros” (Crédito:Fátima Meira)

A região Sudeste concentra mais da metade das franquias. Tirando a questão populacional, o que justifica a diferença?
Começamos a ver crescimento do franchising fora do eixo Rio-São Paulo. Do ponto de vista porcentual, a cidade que mais cresceu com franquias foi Manaus (AM), seguida de Cuiabá (MT) e depois Belo Horizonte (MG), no Sudeste. Mas ainda entre as Top 10 estão São José do Rio Preto (SP), Santo André (SP) e Jundiaí (SP). A região Sudeste continua como centro, mas claramente temos crescimentos fora do Rio-São Paulo e fora das capitais. A gente vai conseguir, ao longo dos próximos anos, aumentar o protagonismo relativo das outras regiões.

Qual é o espaço de desenvolvimento do setor no médio prazo?
A operação em rede no Brasil, em termos relativos, é menor que no mercado norte-americano, onde a participação das redes é superior a de empresários independentes. Mas não só isso. Fiz uma análise breve recentemente comparando os dois mercados. De 2014 até 2022, o PIB do Brasil caiu, em termos acumulados, 1,26% e o americano cresceu 19% no período. Quando olhei o crescimento nominal do franchising, ele foi de quase 57% no Brasil, contra 37% do americano. Então você vê que o franchising nacional cresce de forma consistente. Existe espaço enorme para mais.

E quais serão os desafios nesse caminho?
Acho importante a gente criar mecanismo de fomento ao primeiro emprego e à inserção no mercado de trabalho de pessoas com idade mais avançada. O emprego é variável importante, porque ter renda e capacidade de consumo é importante para qualquer negócio. Outro ponto é o manejo das variáveis macroeconômicas, políticas fiscal e monetária, que também fomentam o empreendedorismo.

E pelo lado do empreendedor?
Olhar para dentro. Muitas vezes temos oportunidades de melhorar o nosso próprio negócio com processos internos, implementação de tecnologia que transforme a experiência do cliente e que permita trabalhar de modo mais eficiente, olhando de maneira verdadeira como estou atendendo o cliente final.