26/11/2021 - 10:00
Sigmund Freud (1856-1939), o pai da psicanálise, descreveu um comportamento de negação da realidade a que denominou “síndrome do avestruz”. A analogia é com a maior ave existente que, na mitologia, esconde a cabeça na terra quando tem de encarar uma adversidade. É um comportamento muito popular entre os políticos brasileiros, especialmente o presidente Jair Bolsonaro. Suas reações às adversidades seriam exemplos didáticos da psicanálise freudiana. A gasolina está cara? Venda-se a Petrobras. A inflação subiu? Culpa do monstrengo petrolífero pertencente à União. Os caminhoneiros vão parar? A causa são os acionistas da petroleira. Essas respostas automáticas não chegam perto de compreender o passado, analisar o presente e mapear o futuro do petróleo no mundo, nem garantem clareza para o destino da maior estatal brasileira. Para tentar entender isso será preciso analisar também a situação da commodity neste momento.
A melhor comparação é com uma queda de braço. Se os dois desafiantes são vigorosos e bem-preparados haverá muita incerteza até que se defina um vencedor. Atualmente, as cotações do petróleo têm oscilado pela disputa entre o poderoso cartel reunido na Organização dos Países Exportadores de Petróleo mais a Rússia, denominado Opep+, e os maiores consumidores – Estados Unidos, China e Europa. Na ponta do lápis, as cotações estão em níveis superiores à pandemia, devido a aumentos inesperados da demanda e à redução deliberada da oferta pelos produtores.
OFERTA E DEMANDA Voltemos a março de 2020, início da pandemia. As medidas de restrição derrubaram os preços do petróleo. E os países-membros da Opep+ concordaram em reduzir a produção de petróleo dos quase 100 milhões de barris por dia (bpd) para cerca de 89 milhões. Porém, quando a economia global começou a se normalizar, os preços do petróleo subiram muito. E a organização, que responde por 40% da produção mundial, prolongou essa situação.
Em abril deste ano, a Opep+ elevou a produção em 2,1 milhões de barris. Em julho, quando o corte ainda era de 5,8 milhões de barris frente aos níveis anteriores à pandemia, os países-membros se comprometeram a elevar a produção em 400 mil barris por dia a cada mês, começando em agosto deste ano e indo até abril de 2022, dependendo das condições de mercado. Essa decisão vem sendo cumprida e foi ratificada na reunião mais recente, no início de novembro.
Os preços permanecem em alta devido às especificidades do produto. Petróleo é demorado para produzir. Podem ser até dez anos entre a suspeita de uma jazida e o trabalho de um frentista em um posto de gasolina. Por isso, a manutenção dos investimentos é tão importante para a estabilidade da oferta. Houve uma interrupção dos investimentos no início da década passada, em especial nos recém-chegados ao clube das nações petrolíferas, como os países do Norte da África. Por isso, essas nações vêm tendo dificuldade em ampliar sua produção, o que aumenta a força da Opep+ e, teoricamente, abriria oportunidades para a Petrobras.
O governo tentou aproveitar e, como geralmente ocorre, começou indo na direção errada. A recente viagem de Bolsonaro para cortejar monarcas e presidentes do Golfo Pérsico foi uma tentativa clara de se aproximar do “último bolsão de dinheiro do século passado”. A feliz definição é de Alan Gemberling, professor de relações internacionais da UCLA, em Los Angeles, e especialista em energia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a verbalizar que a busca por petrodólares foi um dos objetivos da viagem a países como Emirados Árabes e Catar, e que o governo estudava formas de “lidar com a Petrobras”. Leia-se livrar-se dela sem pensar muito e, com sorte, vendendo caro. Outro entusiasta das privatizações é o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas. Segundo ele, os programas de concessões do governo têm sido bem-sucedidos. “Foram realizados 121 leilões desde 2019, com R$ 610 bilhões contratados em energia, rodovias, aeroportos. O atual governo considerou infraestrutura como um tema de Estado”, disse.
Porém, os encontros das Mil e Uma Noites não são o melhor caminho. Segundo Gemberling, a exploração do petróleo nessas regiões usa tecnologias muito diferentes das empregadas no Brasil, pois o petróleo extraído é mais denso que o da América Latina. “Se o processo de extração é diferente, importa menos o ‘core’ da empresa que pode comprar”, disse. Na avaliação do especialista, empresas de tecnologia espacial, como as do Elon Musk, teriam mais capacidade de desenvolver a extração do pré-sal do que gigantes do Oriente Médio. Vale lembrar que em janeiro deste ano, a Tesla e SpaceX, do Elon Musk, ultrapassaram a maior petroleira dos EUA, ExxonMobil, em valor de mercado.

NOVAS ENERGIAS Ainda que a mudança de comportamento do capital com relação ao petróleo não seja nova nem determine o fim do óleo nas economias mundiais, os donos das petroleiras (privadas ou estatais) já estão pensando em como sobreviver em um futuro onde o óleo será menos prevalente. Em um evento no final de 2020, o secretário-geral da Opep, Mohammed Sanusi Barkindo, levantou a bandeira da revisão. “Precisamos pensar além do imediatismo do preço do barril. Se há uma nova revolução industrial em curso, o petróleo precisa fazer parte dela”, disse.
Bolsonaro, sempre em busca de uma resposta absurdamente simples (e completamente errada) só vê o preço do combustível nas bombas, sem avaliar o potencial do pré-sal. “[A Petrobras] é uma empresa que eu não tenho domínio. Tem seu aparelhamento, busca o lucro”, disse o presidente em evento no Palácio do Planalto. “Tivemos um problema sério no passado, além da corrupção, a paridade com o preço internacional, buscamos resolver essa questão”, afirmou, sem explicar o que provavelmente não entendeu. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, precisou sair correndo para garantir que, seguindo a Lei das Estatais, de 2016, não haverá intervenções do governo nos preços neste momento.
As bandeiras da sustentabilidade vêm estimulando os países desenvolvidos a desativar suas usinas termoelétricas movidas a petróleo, gás e carvão e a trocá-las por energia mais limpa, eólica ou solar. E apesar de o carro elétrico ainda ser um luxo acessível a poucos, os investimentos crescentes em tecnologia devem mudar isso. Seu carro atual provavelmente não é elétrico e o próximo também não deve ser. Porém, essa situação deve mudar daqui a um ou dois carros.
Enquanto isso, a estatal vai tocando a vida. Na sexta-feira (19) ela arrematou por 25 anos uma área no Porto de Santos, em São Paulo (leia mais ao lado). O espaço já é operado pela petroleira para receber e armazenar combustíveis. Para a Petrobras, a despesa significa “o encerramento de um capítulo muito complexo” na logística. “Há quatro refinarias conectadas a esse terminal e agora temos 25 anos de estabilidade jurídica para continuar atendendo nossos clientes.” Segundo o diretor-presidente da SPA (Santos Port Authority), Fernando Biral, a nova concessão vai resolver gargalos no sistema de movimentação de combustíveis do porto. “O processo resolveu problemas que temos há mais de uma década”, disse. Petróleo é um negócio complicado e onde os resultados demoram a aparecer. Colocar a Petrobras em uma trajetória que lhe permita sobreviver no mundo novo exige pensamento estratégico. Algo difícil para avestruzes.
INVESTIMENTOS DE US$ 68 BILHÕES
Enquanto Jair Bolsonaro segue comparando a Petrobras a um elefante branco, a estatal mostra disposição para investir. A estatal divulgou seu plano de negócios plurianual na quarta-feira (24) e anunciou que irá investir US$ 68 bilhões entre 2022 e 2026, alta de 23,6% em relação ao valor projetado em 2020. O anúncio ocorreu poucos dias após a petrolífera arrematar uma área do Porto de Santos considerada estratégica para a Petrobras, que já usava o local para escoar sua produção. O lance inicial era de apenas R$ 1,00, mas o preço final foi de R$ 558,2 milhões.
Esse reforço no Porto de Santos vem em um momento em que a empresa prevê que 84% dos recursos a serem investidos até 2026, um total de US$ 57 bilhões, serão alocados na exploração e produção de petróleo e gás natural. Dessa cifra, 67% vai para o pré-sal. “Essa alocação está aderente ao foco estratégico da companhia, concentrando cada vez mais os seus recursos em ativos em águas profundas e ultraprofundas”, disse o presidente da Petrobras, o general Joaquim Silva e Luna. Segundo o mandante da estatal, o diferencial competitivo nessa categoria de exploração é grande, “produzindo óleo de melhor qualidade e com menores emissões de gases de efeito estufa”.
A Petrobras também informou a intenção de desinvestir de US$ 15 bilhões a US$ 25 bilhões nesse período, “o que contribuirá para melhorar a eficiência operacional”, segundo o relatório. A estimativa de Luna é que algumas refinarias serão vendidas. A métrica de dívida bruta presente no último plano estratégico foi excluída, devido ao objetivo de reduzi-la para US$ 60 bilhões ter sido atingido antecipadamente no último trimestre. “No entanto, visando manter os incentivos para uma boa gestão da alavancagem, será considerada como gatilho da métrica […] a manutenção da dívida bruta abaixo de US$ 65 bilhões”, informava o relatório.
No que diz respeito à produção, a petroleira prevê bater 2,1 milhões de barris de óleo equivalente por dia em média, com variação de 4% para mais ou para menos. Um pouco abaixo da previsão de 2,3 milhões do último plano de investimento. Luna ressaltou, no entanto, que o plano é ir elevando essa cifra gradativamente, pois a meta de produção total para 2022, incluindo petróleo e gás natural, é de 2,7 milhões de barris de óleo equivalente por dia.