Quando se fala em mão de obra nas empresas instaladas na China, a imagem mais comum que vem à mente são jornadas de trabalho de 16 horas, ao longo de seis ou sete dias por semana, em troca de um salário miserável, inferior ao que é pago em países como Suriname ou Ilhas Maldivas. Afinal, foi ancorada em grande parte no baixo custo do trabalho que a China conseguiu um grau de competitividade brutal para seus produtos. Mas os tempos podem estar mudando. Na semana passada, a Foxconn – uma das maiores fabricantes mundiais de produtos eletrônicos para Apple, Microsoft e HP, entre outras – anunciou um aumento de até 25% para seus funcionários, elevando o salário médio para US$ 400 por mês. 

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Fábrica de eletrônicos em Shenzhen: segundo analistas, funcionários chineses com qualificação

mais alta já optam por trabalhar fora do país devido às condições extenuantes de trabalho.

 

O reajuste sinaliza uma mudança significativa do modelo chinês. Em primeiro lugar, pelo próprio tamanho da empresa. Com 1,2 milhão de empregados, a Foxconn – ironicamente originária da rival Taiwan – se tornou uma das maiores empresas instaladas na China, sendo sua principal exportadora. Trata-se de uma corporação que sintetiza o modo chinês de produção. De um lado, uma escala de produção gigantesca – monta cerca de 40% dos smartphones e computadores com tecnologia touchscreen vendidos no mundo. De outro, mão de obra barata: a empresa é acusada de manter péssimas condições de trabalho e pressionar excessivamente os funcionários por resultados, o que já gerou suicídios entre a equipe. 

 

Funcionários chegaram até a ameaçar um suicídio coletivo contra os maus-tratos. “A Foxconn precisa atender à demanda mundial”, diz Evaldo Alves, professor de economia da FGV Management São Paulo. “Isso gera uma pressão elevadíssima por resultados.” O reajuste é também um reflexo das próprias mudanças ocorridas na economia chinesa nos últimos anos. “Há indícios de escassez de mão de obra qualificada, o que gera pressão salarial para empregos que exigem instrução”, afirma Luis Suzigan, economista da consultoria LCA. O resultado são aumentos significativos. Segundo o Banco Mundial, em dez anos o salário médio de um chinês passou de 36% para 48% do seu equivalente americano, e pode chegar perto dos 70% até o fim de década. 

 

Para 2012, a consultoria britânica ECA International prevê aumento médio de 8,5% nos salários – mais do que no Brasil, por exemplo, onde o reajuste deve ficar em 7,4%. “A elevação dos salários na China não será explosiva, mas ela é um fato”, afirma Alves. Para as empresas estrangeiras que operam na China – inclusive brasileiras como Embraer, WEG e Embraco – o aumento no preço da mão de obra não é a única preocupação. Outra fonte de custos é a nova legislação aprovada pelo governo, que obriga funcionários estrangeiros a contribuir para a previdência chinesa. Além da tendência natural de elevação dos salários, também pesou no reajuste a pressão da Apple, que tem na Foxconn sua principal fabricante de iPhones e iPads. 

 

A empresa americana está patinando no mercado chinês de smartphones. Hoje, a companhia americana ocupa apenas uma distante quinta posição, detendo 8% de um mercado que deve atingir um bilhão de unidades neste ano, liderado pela japonesa Samsung e a finlandesa Nokia (veja o quadro abaixo). “A última coisa que a Apple precisa é associar sua imagem a uma empresa cujos funcionários ameaçam se suicidar”, diz um especialista que optou pelo anonimato. Oficialmente, a Apple já criou uma comissão para inspecionar as condições de trabalho nas fábricas da Foxconn. Não bastassem as dificuldades no mercado, a Apple também enfrenta outras dores de cabeça na China. 

 

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Está em plena batalha judicial com a empresa local Proview pelo direito do uso da marca iPad. A chinesa conseguiu em dezembro uma decisão favorável do tribunal de Shenzhen, onde está localizada sua sede, proibindo a venda dos tablets da Apple na cidade. A gigante americana recorreu, mas na semana passada a Proview levou o caso à corte de Xangai, onde a Apple mantém três de suas cinco lojas oficiais no país. Enquanto o imbróglio se arrasta, analistas já veem uma janela de oportunidades para que empresas como a Samsung e a Lenovo aumentem suas vendas de tablets na China, reduzindo a vantagem da Apple. A decisão relacionada a Shenzhen deve sair nos próximos dias, mas a disputa por Xangai poderá se arrastar por meses, impondo à Apple uma versão oriental do Custo Brasil.   

 

 

Apple é a doce surpresa dos investidores

 

Problemas na China à parte, a Apple consolidou-se como uma máquina de fazer dinheiro para seus acionistas. Um estudo da revista The Economist mostrou que seus papéis são os que mais se valorizaram ao longo da última década entre as 200 maiores empresas do mundo. Há dez anos, uma ação valia US$ 12; na  semana passada superou os US$ 500. Isso significa que quem investiu US$ 100 em fevereiro de 2002 teria hoje multiplicado o valor para US$ 3.919. O segundo lugar é do banco russo Sberbak,  que fez os mesmos US$ 100 renderem  US$ 3.722. Os emergentes dominam a lista: entre as dez empresas líderes, sete são de países em desenvolvimento, inclusive do Brasil: a Vale e o Banco do Brasil ocupam respectivamente o quinto e o oitavo postos. Já a pior aplicação foi nos tradicionais Allied Irish Banks e AIG. Quem investiu US$ 100 na gigante dos seguros, por exemplo, só teria R$ 2,2 em mãos hoje.