Foi o economista nova-iorquino Milton Friedman quem popularizou a expressão, ao escrever um livro intitulado “Não Existe Almoço Grátis”, quase quatro décadas atrás. Embora não partilhe da ideologia de Friedman, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, levou ao pé da letra a máxima do papa do liberalismo americano no almoço que promoveu na quarta-feira 12, com representantes das maiores empresas brasileiras com negócios no Exterior. “Vamos servir um almoço, mas cada um vai pagar 40 reais”, disse, em tom de brincadeira. “A conta já está bem alta”, devolveram os convidados, o que se tornou a piada do dia. 

 

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Bom humor: manifestante da Força Sindical, que fez churrasco de sardinhas

em frente ao Ministério da Fazenda 

 

Eles não se referiam ao preço que teriam de pagar pelo prato de carne ou salmão, arroz e legumes, acompanhado de água mineral. Falavam do resultado da conversa ao redor da longa mesa no sexto andar da sede do Ministério, em Brasília. A apresentação da conta foi vista como uma descortesia de Mantega com seus convidados. Pode ser, mas o ministro apenas cumpriu a lei, que não permite o uso de verbas públicas para essas ocasiões. Ao chamar os empresários em Brasília, o chefe da equipe econômica queria mostrar que o governo está aberto ao diálogo. 

 

E, mais uma vez, reafirmar seu compromisso com a disciplina fiscal, bem no momento em que o País recebe a visita da diretora para ratings soberanos da América Latina da Standard & Poor’s, Lisa Schineller. Depois de três dias de reuniões com economistas do setor privado, em São Paulo, na quinta-feira 13, Schineller encontrou-se em Brasília com Mantega e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Na véspera, enquanto do lado de fora do ministério a Força Sindical assava sardinhas, oferecia abacaxis e gritava palavras de ordem contra a política econômica (Tombini foi chamado de Jurão e Mantega, de Pibinho), do lado de dentro o clima do almoço era de cordialidade. 

 

E Mantega ouviu a opinião de todos os 18 convidados. O grupo era composto por pesos pesados da economia, como Marcelo Odebrecht, Jorge Gerdau, Joesley Batista, João Castro Neves, Murilo Ferreira e Rubens Ometto, entre outros (veja quadro ao final da reportagem). Os sorrisos e o clima ameno das conversas não foram suficientes para alinhar os interesses. Ficou claro, ao final do encontro, que governo e empresas ainda estão em lados opostos em relação ao principal assunto da reunião: a medida provisória 627, que criou o programa de refinanciamento de dívidas, o Refis, e consolida a tributação sobre o lucro de empresas coligadas e controladas no Exterior. 

 

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Diálogo aberto: (Da esq. para a dir.) Castro Neves, Ometto, Gerdau, Ferreira, Godoy, Marson,

Fernandes Martins e Machado. À direita de Mantega, o secretário-executivo Paulo Cafarelli

e o secretário da Receita Carlos Alberto Barreto

 

A MP, enviada pelo Executivo no ano passado, tem como relator o deputado rebelde Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara e agora também no comando do blocão, grupo de deputados de partidos aliados que decidiu votar de forma independente dos interesses do Palácio do Planalto. Entre os empresários, sentaram-se à mesa com Mantega dois grupos: os que estão em processo de expansão no Exterior e os exportadores de commodities. Para o segundo grupo, representado pela Vale e pela Votorantim, a MP deve ser aprovada como está. 

 

Multada pela Receita Federal por uma divergência sobre o preço de venda de seus produtos para tradings no Exterior, no ano passado, a Vale desistiu de uma ação na Justiça e aderiu ao Refis, com um pagamento inicial de R$ 5,9 bilhões que ajudou o governo a atingir o superávit primário. Como já fez o acordo para acertar a pendência, o presidente da mineradora defende a aprovação da MP. “Ela está muito boa, foi uma solução adequada para acabar com as ações judiciais”, afirmou Murilo Ferreira. Não era, no entanto, a opinião da maioria. Para empresas como Ambev, BRF, Odebrecht e Marcopolo, com obras e produção em outros países, a MP 627 é extremamente prejudicial aos negócios. 

 

Ela consolida uma situação que já existe hoje, mas é questionada na Justiça pela maior parte das empresas: a tributação, no Brasil, do lucro obtido com as operações no Exterior mesmo quando ele é reinvestido no país da subsidiária. “É uma bitributação, porque já pagamos o imposto onde o lucro foi gerado”, diz José Antonio Martins, vice-presidente de assuntos institucionais da Marco­polo, fabricante de ônibus, que tem uma fábrica no México. Mantega prometeu mudanças, mas não para agora. Ele pediu o apoio dos empresários para aprovar o texto que está em tramitação no Congresso. “Não temos como fazer outra MP a essa altura”, afirmou o ministro. 

 

“As pequenas e médias empresas estão numa situação delicadíssima”

                                                                                      José Velloso,  presidente da Abimaq

 

Ele criou um grupo que terá representantes do governo e do setor privado e vai, num prazo entre 60 e 90 dias, apresentar um novo projeto, e pode mexer na bitributação. Além da Marcopolo, outras companhias com forte atuação no Exterior expressaram sua preocupação. O diretor-executivo global de assuntos corporativos da BRF, Marcos Jank, contou que a empresa está construindo em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, uma fábrica de processamento de frango que será a maior do Oriente Médio, com carne exportada do Brasil. “Esse investimento seria inviabilizado se esse regime tributário for aprovado”, disse ao ministro. Na saída, mostrou sua decepção. 

 

“Acho que havia mais expectativa de mudanças, mas pelo menos estamos fazendo o diálogo.” Jorge Gerdau, que também tem investimentos em outros países, defendeu uma anistia sobre multas aplicadas antes da MP. “Teria de apagar o passado”, afirmou na reunião. O advogado Fábio Alexandre Lunardini, da Peixoto e Cury Advogados, confirma a disposição das empresas de rever seus projetos se a bitributação continuar em vigor. “É algo que será ponderado pelas empresas em seus futuros investimentos”, afirma. Reclamações feitas e anotadas, a parte dedicada à conjuntura teve um tom mais otimista. Os empresários reclamaram dos temas de sempre: deficiências na infraestrutura, risco de racionamento ou aumento do preço da energia e de redução do rating do Brasil nas agências de classificação de risco. 

 

Mantega falou das dificuldades inerentes a um ano eleitoral, mas prometeu segurar os gastos. “Reforçamos o compromisso de entregar um superávit primário de 1,9%”, afirmou o ministro. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, comentou os bons resultados neste início de ano. “Nossa sondagem mostra que todos os setores estão confiantes que este será um ano melhor do que 2013”, disse ao ministro. Nem toda a indústria, porém, está tão otimista. “As pequenas e médias empresas estão numa situação delicadíssima”, diz José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), que não foi convidado e reclama de falta de atenção do governo com o setor.

 

Para o economista Carlos Kawall, do Banco Safra, os contatos com Mantega melhoram a leitura que o mercado faz do governo. “É preciso intensificar as conversas quando a economia passa por uma situação mais difícil”, afirma. Uma dessas dificuldades é o custo maior da energia, com a escassez de chuvas e o uso das termelétricas. Na quinta-feira 13, Mantega informou que o governo vai socorrer as distribuidoras, com um aporte de R$ 4 bilhões. “Vamos dividir o ônus entre o Tesouro, os consumidores e o próprio setor”, afirmou. Nos próximos dias, ele fará um encontro com banqueiros. Mas, para evitar uma nova sardinhada, não será divulgado com antecedência.

 

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