A informação já circulava havia um bom tempo nos bastidores, mas a própria presidenta Dilma Rousseff tratou de torná-la oficial na segunda-feira 8: o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deixará o cargo no dia 31 de dezembro, seja qual for o resultado das próximas eleições. O desejo de Mantega de trocar Brasília por São Paulo, onde reside sua família, era conhecido pelo menos desde março, quando ele completou oito anos no cargo e tornou-se o mais longevo ministro da Fazenda da história do Brasil.

Nesses oito anos e meio, a economia passou por altos e baixos, com indicadores que mostram uma realidade complexa e por vezes contraditória, com o melhor indicador de emprego da história. Mantega comandou com muito sucesso a resposta do Brasil à crise que começou no fim de 2008 nos Estados Unidos e levou diversos países à recessão nos anos seguintes. Com o incentivo ao consumo e a maior oferta do crédito nos bancos públicos, o País teve uma pequena retração em 2009, seguida de um crescimento “chinês” de 7,5% no ano seguinte. Consolidou-se um país de classe média, com mais de 30 milhões de novos consumidores.

Em 2014, no entanto, apareceram os sinais mais fortes de esgotamento dessa política econômica. A economia teve recessão técnica no primeiro semestre e deve fechar o ano com uma expansão de, no máximo, 0,5%, de acordo com as previsões do mercado financeiro. O baixo crescimento foi um dos motivos alegados pela agência de rating Moody’s para rebaixar de estável para negativa a perspectiva da nota da dívida soberana do País, na terça-feira 9 (leia artigo aqui). Se tivesse deixado o governo ao fim do mandato do ex-presidente Lula, em 2010, Mantega seria somente aclamado pelos bons resultados.

“Fomos o último país a entrar e o primeiro país a sair da crise”, costuma dizer o ministro, com razão. Nos últimos anos, porém, com a interferência direta da presidenta Dilma na condução da economia, o governo adotou como permanentes medidas emergenciais, como incentivos industriais e subsídios tributários para setores específicos. Mas o momento era outro e o País precisava avançar para um modelo de incentivo à competitividade geral das empresas, com carga tributária menor e melhor infraestrutura. O anúncio prematuro da saída de Mantega deve dificultar seu trabalho nos meses que lhe restam no cargo.

No mercado, ele vinha sendo chamado na semana passada de “ex-ministro em exercício”. “É surpreendente um anúncio desses com tanta antecedência, especialmente sem ter ninguém para colocar no lugar”, diz o economista Alexandre Schwartsman, que na semana passada foi objeto de um abaixo-assinado de colegas condenando uma ação judicial movida contra ele pelo Banco Central (BC), após dar entrevistas e escrever artigos criticando a política monetária. Entre os erros e os acertos da política econômica nos últimos anos, a melhora no mercado de trabalho é o indicador mais positivo.

“A massa salarial cresceu e mantivemos um mercado consumidor forte”, disse Mantega na semana passada, em entrevista ao jornal O Globo. “Tem alguma coisa mais importante num país do que gerar emprego e reduzir desemprego?” Quando assumiu o posto, em 2006, a taxa de desocupação era de 9,9%. Agora, caiu para a metade. Isso, durante a maior crise da história do capitalismo, que não terminou e até hoje ceifa empregos nos países desenvolvidos. “Ele teve uma atuação muito boa em 2008, 2009 e 2010”, diz Bráulio Borges, economista-chefe da consultoria LCA.

Os erros, diz ele, foram cometidos a partir de 2012. “O governo passou a agir de maneira desesperada, tomando medidas sem avaliação de custo/benefício e com contabilidade criativa nas contas públicas”, afirma. Foi também na gestão de Mantega que o Brasil obteve, pela primeira vez, o selo de grau de investimento pelas três principais agências de rating, entrando no grupo de países considerados seguros para investir. O problema é que a lua de mel com os mercados acabou.

O governo manteve a inflação controlada no teto da política de metas de inflação (6,5% ao ano) e obteve economia de recursos para pagar juros (superávit primário), mas a forma como fez isso gerou desconfiança. Diante da incapacidade ou relutância do BC de usar a munição da política monetária para atingir o centro da meta de inflação (4,5%) nos últimos anos, sob a gestão de Alexandre Tombini, a Fazenda tomou algumas medidas polêmicas: represou reajustes dos preços de combustíveis, reduziu as tarifas de energia para segurar a inflação e fechou as contas à base de recursos não recorrentes, como os do Refis.

Além disso, as políticas de intervenção do BC no mercado de câmbio valorizaram artificialmente o real, prejudicando a competitividade da indústria, as exportações e as contas externas. Passado o calor eleitoral, Mantega poderá deixar o governo com a sensação de dever cumprido. Apesar das críticas, o fato é que a situação ainda é favorável ao País: os investimentos estrangeiros diretos continuam entrando, num ritmo superior a US$ 60 bilhões ao ano, o que demonstra confiança. “Trabalharei arduamente como sempre tenho trabalhado, participando de todas as questões econômicas até o fim do governo”, diz o ministro.