27/06/2014 - 20:00
A turma de engenharia civil de 1982 da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), de São Paulo, ficou desfalcada de um colega no quarto ano. Para desespero de sua mãe, o paulistano Nércio Fernandes, então com 22 anos, resolveu, em 1985, abandonar os estudos para investir em um negócio baseado na nascente indústria da microinformática no Brasil. Na ocasião, ele vendeu seu carro Monza verde por 470 mil cruzeiros (o equivalente a R$ 80 mil atualmente) e usou o dinheiro para alugar uma sala na Lapa, bairro da zona oeste de São Paulo.
Com aquela quantia, fundou a Linx, especializada em software de gestão para o varejo. “Não ter concluído a faculdade é uma das coisas que eu mais me arrependo”, afirma Fernandes, hoje com 51 anos. O edifício-sede da Faap, de estilo art déco, pode ter perdido um estudante brilhante, mas o mundo empresarial ganhou um empresário promissor que construiu em quase três décadas uma empresa que está se tornando um fenômeno do varejo brasileiro. Os números da Linx, pelo menos até agora, são impressionantes. A empresa abriu o capital em fevereiro do ano passado, quando captou R$ 528 milhões.
Desde então, suas ações valorizaram-se mais de 90%. No mesmo período o Ibovespa, principal índice da bolsa paulista, caiu 7,9%. O valor de mercado de R$ 2,4 bilhões é superior ao de algumas companhias mais conhecidas e mais badaladas, como Magazine Luiza (R$ 1,6 bilhão), Eletropaulo (R$ 2 bilhões), a operadora de turismo CVC (R$ 1,8 bilhão) e o frigorífico Minerva (R$ 1,6 bilhão). Em 2013, a companhia faturou R$ 295,5 milhões, uma alta de 27,9% em relação ao ano anterior. O lucro, por sua vez, saltou 260%, para R$ 62,4 milhões.
Não bastasse isso, a Linx detém 32% do mercado de software para varejo, de acordo com a consultoria americana de tecnologia IDC. Essa participação é maior do que a soma do segundo, terceiro, quarto e quinto competidores reunidos. São atributos que chamaram a atenção do fundo soberano de Cingapura (GIC), que gerencia mais de US$ 100 bilhões em ativos financeiros ao redor do mundo. O GIC, que detém participações em empresas brasileiras como BTG e Netshoes, comprou uma fatia de 5% de seu capital, em março deste ano.
Em junho, foi a vez de a Cielo, empresa de meio de pagamento, anunciar uma joint venture com a Linx. O objetivo é atacar de forma conjunta os pequenos comerciantes que ainda fazem anotações no bloquinho e vão começar o processo de informatização de suas lojas. “Acreditamos na criação de um mercado novo, inexplorado por qualquer participante do nosso setor”, diz Rômulo Dias, presidente da Cielo. A nova empresa precisará ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O objetivo é operar a partir de 2015.
A despeito de seus quase 30 anos de história, o impulso da Linx aconteceu em dois momentos. O primeiro, em meados da década de 1990, derivou da expansão dos shoppings centers no País. Com a estabilidade econômica conquistada a partir do Plano Real, em 1994, os centros comerciais se massificaram, o que exigiu novas estruturas para as marcas de roupa. “O segmento de vestuário também passou a vender”, diz Fernandes. “A Hering, por exemplo, não tinha lojas nessa época.” Com um software preparado para atender da produção à venda, a Linx deslanchou.
Atualmente, os dez maiores varejistas de roupa e calçados e sete das dez maiores lojas de departamento do Brasil usam o sistema de gestão da empresa. São nomes como a própria Hering, Arezzo e Lojas Americanas. No total, são 25,7 mil clientes no varejo. A grande virada da Linx, no entanto, começou em 2010, quando o BNDESPar, braço de investimento do BNDES, adquiriu uma fatia de cerca de 20%. Um ano depois, foi a vez de o fundo americano General Atlantic, que detém um portfólio de empresas avaliadas em US$ 12 bilhões, pagar R$ 129,2 milhões por 20% – o fundo se afastou da Linx em junho deste ano, depois de haver multiplicado por três seu investimento.
Com dinheiro em caixa, a companhia saiu às compras. Desde 2008, foram 17 aquisições, sendo 13 delas depois que o BNDESPar virou acionista. Na leitura do BNDES, que ainda mantém 10% da Linx, era necessário abrir novas frentes de trabalho para que a empresa pudesse fortalecer sua musculatura e aumentar de tamanho. Em dezembro de 2009, por exemplo, foram três aquisições na mesma semana – duas no mesmo dia. “Isso aconteceu por causa do BNDES, que para investir exigiu que comprássemos outras três empresas”, diz Fernandes.
“Foi uma situação curiosa, pois para comprar precisávamos dos recursos do banco.” A transação mais recente foi da Rezende Sistemas, especializada em soluções de posto de gasolina, em maio deste ano, por R$ 49,9 milhões. “Todas foram muito bem-sucedidas, sempre dialogamos muito”, afirma Alberto Menache, CEO da Linx , que começou como estagiário da empresa em 1991, quando tinha 17 anos. Detalhe curioso: Fernandes, apesar de ser o maior acionista individual, com uma fatia de 11,6%, atualmente acumula o posto de presidente do conselho de administração com o de vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento, deixando a parte administrativa aos cuidados de Menache, dono de 9,8%.
Em todos os negócios, a operação da desenvolvedora adquirida é integrada à Linx e algumas das marcas são preservadas como nomes de produtos. Uma dessas transições aconteceu com a Mundo Verde, varejista especializada em produtos de bem-estar, que era atendida pela Microvix, de Joinville (SC), incorporada em 2012. “Antes, quando ocorria algum problema, eu ligava para o dono”, afirma Mafaldo Junior, diretor financeiro da Mundo Verde. “Hoje não tem mais isso, mas em compensação contamos com uma estrutura mais robusta.” O mercado vê com bons olhos esse processo de consolidação.
Para o banco de investimento Credit Suisse, as aquisições trazem economia de escala para a Linx, o que deve proporcionar margens maiores nos próximos balanços. Mas nem tudo é céu de brigadeiro. “A fraqueza do varejo, se prolongada, pode desacelerar o crescimento da Linx”, disse o banco num relatório recente. Pesquisa mensal de vendas no varejo do IBGE, de abril deste ano, mostra uma queda de 0,4% ante o mês anterior. Trata-se da segunda queda consecutiva depois da estagnação do setor, em fevereiro. O mercado de software para varejo é estimado em R$ 750 milhões pela consultoria IDC.
Mas seu potencial é dez vezes superior. “Essa é uma área muito fragmentada com muitas empresas atuando”, afirma Luciano Ramos, analista da IDC. “O mercado está bastante agitado, com compras e parcerias, e deve permanecer assim por um bom tempo.” A Linx não é a única empresa do setor com dinheiro para ir às compras. Suas duas principais concorrentes, a paulista Totvs, fundada pelo empresário Laércio Cosentino, e a curitibana Bematech, presidida por Cléber Morais, também estão agressivas, buscando ganhar uma fatia no disputado mercado.
A Totvs, por exemplo, comprou oito concorrentes menores nos últimos três anos, sendo metade vinculada ao varejo. A Totvs mira no atendimento ágil para tentar desbancar a Linx. “Municia-mos as lojas para fazerem um bom atendimento na hora em que o cliente tem o impulso para comprar”, afirma André Veiga, diretor para o segmento de varejo da Totvs. A Bematech, por sua vez, já fez 12 aquisições desde 1990 (a mais recente Unum, de São Paulo, por R$ 40 milhões) e formou parcerias com o comparador de preços Buscapé e a credenciadora de cartões de crédito americana Elavon.
Neste ano, a nova aliada é a fabricante de smartphones Samsung. “Teremos um polo de desenvolvimento para o varejo, focando primeiro o segmento de hotelaria”, diz Morais. Com R$ 240 milhões de caixa líquido no primeiro trimestre de 2014, a Linx parece demonstrar que tem bala na agulha. No entanto, para não perder o ritmo, ela terá de continuar, mais do que nunca, fazendo jus ao seu nome. Linx foi inspirado em “lynx”, que em português significa lince, um felino conhecido não só pela sua visão apurada como também por sua velocidade.