Desde o rompimento formal do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com o governo federal, em meados do mês passado, os empresários priorizaram na sua rotina a leitura do noticiário político. Não há almoço, reunião ou evento corporativo que não tenha a troca de farpas entre Executivo e Legislativo como tema principal. Era crescente a sensação de que o ajuste fiscal estava ruindo num cenário de total desarticulação política. Nos últimos dias, no entanto, o céu desanuviou-se em Brasília. Sem apoio popular e com uma base parlamentar em frangalhos, a presidente Dilma Rousseff deu uma tacada certeira e, ao mesmo tempo, arriscada: buscou a reaproximação com o controverso presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), que, sentindo-se ameaçado pela Operação Lava Jato, vinha boicotando os projetos do Planalto. Nessa tarefa, Dilma contou com a habilidade do ex-presidente Lula e do seu vice, Michel Temer. Porém, o desfecho inusitado se daria mesmo na esfera econômica. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, recebeu do próprio presidente do Senado um novo plano econômico, com 43 propostas, batizado de “Agenda Brasil”.

Político experiente, Renan já foi ministro da Justiça, no governo FHC, e presidente do Senado, no governo Lula. Na semana passada, reassumiu o protagonismo em Brasília com uma proposta modesta de 27 temas para destravar a economia do País. Desses, apenas oito eram inéditos. Os demais estavam em tramitação ou em discussão no Legislativo. Na quarta-feira 12, o alagoano revisou e ampliou o seu pacote. Ele retirou, por exemplo, a controversa sugestão de utilizar as faixas de renda do Imposto de Renda para fazer cobranças pelo atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). No novo texto, consta a regulamentação para os usuários de planos de saúde que utilizam o SUS (leia quadro na pág. 22). “Todos em Brasília sabem que as propostas originais foram articuladas pelos lobistas, principalmente os dos planos de saúde”, diz David Fleischer, cientista político da UNB e da Universidade de Washington. Renan recebeu os ministros Levy e Nelson Barbosa, do Planejamento, posou sorridente para foto ao lado deles, mas não goza de total confiança no governo. Todos temem o seu comportamento rebelde, como o visto em pronunciamento na TV Senado, em meados de julho. “O ajuste (fiscal) é insuficiente e tacanho”, disse ele, há menos de um mês. Antes, ele devolvera a Medida Provisória da desoneração da folha de pagamento.  Agora, alertam os críticos, Renan não joga a favor dos interesses do País, mas dos seus próprios. Em Brasília, comenta-se que ele foi o responsável pela articulação dos 15 dias a mais de prazo que o Tribunal de Contas da União (TCU) concedeu à presidente Dilma para explicar as pedaladas nas contas públicas de 2014. Renan tem, em suas mãos, o poder de controlar a agenda do Congresso para aprovar ou rejeitar a análise do TCU, que poderia provocar a abertura de um processo de impeachment da presidente. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, na noite da quinta-feira 13, confirmou que as contas presidenciais devem ser julgadas pelas duas Casas em conjunto. “O presidente do Senado é peça importante na aprovação de contas do TCU e o Renan marcou a sua posição”, afirma Fleischer.

Para Levy, que no Ministério da Fazenda aprendeu na marra a fazer articulações políticas, o acordo com Renan chegou em boa hora. A economia continua recheada de indicadores negativos – as vendas do comércio caíram, em junho, pelo quinto mês consecutivo, segundo o IBGE, enquanto a indústria paulista demitiu 30,5 mil trabalhadores em julho, conforme pesquisa da Fiesp. “A opção não é ficar sentado comendo batatas fritas e lamentando que vamos perder o grau de investimento”, disse Levy, no começo da semana. Foi quase uma premonição. Na terça-feira 11, o rebaixamento da nota soberana do Brasil pela Moody’s teve curiosamente um efeito mais positivo do que negativo no mercado financeiro. Isso porque a agência de classificação de risco manteve o selo de bom pagador para o País e trocou a perspectiva de negativa para estável, afastando o risco da perda do grau de investimento ainda em 2015.

Apesar do acordo político entre Dilma e Renan, o receio dos investidores nacionais e estrangeiros tem crescido. A Bovespa retornou ao menor patamar desde fevereiro e o dólar, que oscilou em torno de R$ 3,50 na semana passada, foi também pressionado pela desvalorização do yuan, a moeda chinesa (veja reportagem à página 59). “O mercado financeiro e os investidores, em geral, estão muito pessimistas com a instabilidade política do Brasil”, diz Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano Corretora, de São Paulo. “Tanto a Moody’s como a S&P deram seis meses para o País respirar.” A Fitch, a terceira agência de classificação de risco, ainda não divulgou sua avaliação sobre a nota soberana do Brasil. “Eu reduziria os ministérios e faria uma articulação com a oposição para deter o aumento suicida de gastos”, afirma o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega (leia reportagem com economistas na pág. 24).

MANIFESTAÇÕES  Com o objetivo de se antecipar aos protestos previstos para o domingo 16, a presidente Dilma turbinou a sua agenda, na semana passada, com compromissos políticos e sociais. Na segunda-feira 10, entregou casas populares no Maranhão. No dia seguinte, recebeu atletas e cartolas para celebrar a sanção da nova Lei de Responsabilidade Fiscal do Futebol. Foi ainda a anfitriã de um jantar em homenagem ao Dia do Advogado e, na quarta-feira 12, em meio a um latente clima pró-impeachment, esteve no estádio Mané Garrincha, em Brasília, com chapéu de palha na cabeça, na 5ª edição da Marcha das Margaridas, em busca de apoio dos trabalhadores rurais. “Somos contra qualquer golpe”, afirmou Alberto Broch, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, na ocasião. Horas antes, no Palácio do Itamaraty, Dilma havia dito que “o Estado nacional só será respeitado no mundo na medida em que, em nosso território, se exerce e se respeita plenamente a soberania popular”. E concluiu: “Essa soberania significa submissão à vontade geral, expressa nas urnas.”

Na quinta-feira 13, a presidente recepcionou representantes de Movimentos Sociais Brasileiros e, em seguida, teve mais uma reunião com senadores – foram, ao menos, três encontros em cinco dias com grupos de parlamentares. No mesmo dia, em plena avenida Paulista, no coração financeiro da cidade de São Paulo, empresários e trabalhadores clamavam pela salvação da indústria nacional. Os integrantes da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) e os sindicalistas da União Geral dos Trabalhadores, da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil e da Força Sindical, que organizaram o protesto, calcularam cinco mil pessoas presentes, mais que o dobro da contagem da Polícia Militar, que estimou a passeata em dois mil participantes. 

Sem contar com a participação de nenhum representante de peso do empresariado, o ato da Abimaq tentava chamar a atenção da presidente Dilma para a criação de um ambiente econômico favorável ao desenvolvimento da indústria. “A crise econômica que o País está passando foi fabricada pela classe política brasileira”, diz Carlos Pastoriza, presidente da Abimaq. “E não só pelo Executivo: o Legislativo também tem parte de culpa.” Para o metalúrgico Manuel Pereira de Santana, que há 14 anos trabalha na indústria de máquinas, a crise no setor nunca esteve tão presente. “Vi muitos amigos serem demitidos”, diz ele. “Nunca tinha vivenciado um período tão conturbado.” No domingo 16, certamente o número de manifestantes será muito maior, em todo o País. No entanto, o real impacto da pressão popular só poderá ser mensurado no Congresso Nacional, a partir de segunda-feira. Será o primeiro grande teste de solidez da aliança entre Dilma e Renan.

Colaborou Paula Bezerra

“Os acordos têm de ser para o bem do País”
Em entrevista à DINHEIRO, Marco Stefanini, presidente global da Stefanini, fala sobre o impacto da instabilidade política na economia

É positiva a reaproximação de Renan Calheiros com o governo?
Tudo o que trouxer melhorias para o País é positivo. Mas o que precisamos são discussões em cima de ideias e não de pessoas. 

As medidas paradas no Congresso devem voltar à pauta? 
Vou defender o seguinte: os acordos têm de ser para o bem e melhoria do País e não apenas para o aumento de impostos.

O que incentivaria a volta dos investimentos? 
Os líderes precisam colocar medidas para melhorar o desenvolvimento do País, como cortar custos e diminuir a máquina pública. O ajuste é necessário, mas precisa ser aperfeiçoado, porque ainda não está bem equilibrado. Precisamos trazer a confiança dos investidores de volta. É exatamente isso que precisa ser resgatado.

O sr. teme que o Brasil perca o grau de investimento?
A probabilidade é real, mas cabe ao governo fazer um bom trabalho. Se chegar a esse ponto, seria negativo para nossa trajetória.

O que mais o preocupa: juros, câmbio ou inflação?
Hoje, é difícil saber. É um pacote enorme, com juros altíssimos, economia em recessão, impostos em alta e a burocracia, que continua sendo um problema.