24/01/2014 - 21:00
Os turistas que visitam Paris neste inverno têm uma grata surpresa ao chegar à cidade. Quase todas as lojas estão em liquidação – adesivos com a palavra “soldes” ocupam a maior parte das vitrines. Embora o período de queima de estoques seja tradicional nessa época, os descontos de até 85% estão mais agressivos em comparação com anos anteriores. Por trás das promoções está uma economia que ainda luta para voltar a crescer com força e, assim como nos principais países europeus, gerar empregos. “No ano passado, o PIB da França apenas voltou ao patamar de 2007”, diz Alain Bentejac, presidente do Comitê de Comércio Exterior do Movimento de Empresas Francesas.
Promoção na vitrine: descontos agressivos nas lojas de Paris refletem baixo
crescimento econômico do País
“E o PIB per capita encolheu.” Destravar a economia é a prioridade do presidente da França, François Hollande, que recentemente se envolveu num escândalo amoroso com a atriz Julie Gayet. A fofoca rapidamente perdeu espaço na mídia. Como 72% da população teme que seus filhos estejam em uma situação econômica difícil no futuro, está claro qual é o assunto urgente para a sociedade francesa. Na semana passada, cercado de desconfiança, Hollande reduziu os impostos sobre os salários com o objetivo de criar vagas no setor privado. “Desemprego: um pacto milagroso?” era a manchete do jornal MetroNews, distribuído por Paris.
A batalha no Velho Continente é longa e a munição está cada vez mais escassa. Apesar de o Banco Central Europeu (BCE) ter reduzido a taxa básica de juros para 0,25% ao ano, há um fantasma que continua assombrando as autoridades: o risco de uma deflação, fenômeno que atingiu o Japão na década de 1990. E inflação negativa não é uma boa notícia. É sinal de fragilidade econômica, com um efeito cascata imprevisível. Consumidores e empresas adiam seus gastos, gerando uma espiral de queda na demanda por bens e serviços. Num segundo momento, o lucro das empresas encolhe e há demissões. “Há um risco de deflação e o BCE está olhando atentamente”, disse à DINHEIRO Pier Carlo Padoan, economista-chefe da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Tentativas: Hollande (à esq.) corta impostos para estimular a criação de empregos. Trichet
defende ganho de competitividade
“Estou confiante de que as medidas necessárias serão tomadas para evitar que esse risco se materialize.” Nos 18 países da Zona do Euro, o quadro é preocupante. Em dezembro, a inflação anual foi de apenas 0,8%, bem longe da meta de 2% estabelecida pelo BCE. Por isso, o peso sobre as costas das autoridades europeias está aumentando. Na terça-feira 21, a DINHEIRO acompanhou, em Paris, um seminário econômico promovido pela Coface, multinacional que faz seguro de crédito para exportação, e que contou com a participação de cerca de mil empresários e investidores de vários países. Na abertura do evento, o ex-presidente do BCE Jean-Claude Trichet destacou o papel dos BCs para evitar que a atual crise mundial tivesse maiores proporções.
“Evitamos um novo 1929”, afirmou. “O próximo passo é os países ganharem competitividade.” Curiosamente, alguns desafios econômicos da Europa se assemelham aos do Brasil. Uma reforma fiscal, com um Estado mais enxuto e eficiente, é uma demanda comum. O custo da mão de obra também está na agenda. Na Espanha, onde o desemprego médio chega a 25% da população, a solução também passa pelo incentivo ao setor privado. “Há muitas dificuldades na Espanha para criarmos empresas que se tornarão gigantes como o Google”, diz Javier Santiso, diretor da Telefônica. A política econômica americana também é uma fonte de preocupação.
O Federal Reserve (Fed) já iniciou um processo de desaceleração dos estímulos monetários e poderá vir a elevar os juros, atualmente entre 0% e 0,25% ao ano. “Embora a taxa de desemprego nos EUA já esteja próxima da meta do Fed, de 6,5%, a alta dos juros só deve acontecer em 2015”, afirma Yves Zlotowski, economista-chefe da Coface. Enquanto o debate transcorria em Paris, o Fundo Monetário Internacional melhorava suas previsões econômicas para a Zona do Euro. Após cair 0,4% em 2013, o PIB terá crescimento, neste ano, de 1%, acelerando para 1,4% em 2015. Esse crescimento, porém, será desigual e há risco de deflação, alertou o FMI. Como disse um executivo alemão no evento, “o fantasma está por aí, mas simplesmente temê-lo não resolve.”
Diretamente de Paris