11/11/2016 - 17:00
Impensável. Essa é a palavra que resume a eleição americana, definida na quarta-feira 9. Ninguém, nem mesmo os candidatos, esperavam uma campanha tão turbulenta. O seu final, com a vitória do empresário Donald Trump, a quem, em todos os momentos, foi dado apenas o benefício da dúvida e o peso da crítica ferina, coroou um pleito histórico e traumático. Trump será o homem mais poderoso do mundo pelos próximos quatro anos. A partir de 20 de janeiro, quando toma posse, o ex-apresentador do programa “O Aprendiz”, dono de hotéis, prédios comerciais, resorts, campos de golfe e de uma fortuna estimada em US$ 3,7 bilhões, ditará os rumos da maior economia do planeta.
Ele promete fazer isso com a mais alta eficiência consagrada pelo mundo dos negócios. “Serei o melhor presidente para o trabalho e o emprego que Deus já criou”, afirmou, no início da campanha. Trump tomou de assalto o Partido Republicano, implodiu o establishment americano e provou que é, de fato, um vencedor – a winner, como se diz em seu idioma nativo. Apesar disso, não conseguiu se livrar da imagem de pateta falastrão propagada por boa parte do eleitorado. Agora, o mundo inteiro tenta entender quem é esse homem e sua real motivação para perseguir o posto de comandante dos Estados Unidos da América. E torce para que ele não faça jus à imagem de empresário aloprado.
Em seu primeiro discurso como candidato, ainda na fase de prévias eleitorais, Trump chamou os mexicanos de estupradores. Muitos acreditaram que se tratava do ponto mais baixo possível de uma campanha, o fundo do poço. Mas o candidato seguiu cavando. A cada enxadada, uma frase de efeito, um insulto e uma ideia absurda. Trump ofendeu, no período de um ano, mais de 280 pessoas e organizações, segundo levantamento do jornal The New York Times. Muçulmanos, latinos, deficientes físicos, feministas, heróis de guerra, pais que perderam filhos no Iraque, mulheres gordas, magras, feias, bonitas e até um bebê chorando foram alvos dos ataques verbais do empresário.
Entre as frases polêmicas ditas por ele estão: “A minha beleza está no fato de que sou muito rico”; “Está nevando em Nova York, precisamos do aquecimento global”; e “Boas pessoas não entram para o governo”. Mais infames que suas frases são seus planos de governo. Populismo é a palavra mais utilizada para definir sua plataforma, uma linha política que os americanos nunca viram tão forte. Ela inclui a construção de um muro na fronteira com o México, revogar a maioria dos tratados comerciais, incentivar programas de armamentos nucleares, derrubar os impostos vertiginosamente e aproximar os EUA da Rússia.
Para o diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, a onda Trump se assemelha, com as devidas proporções, ao movimento que culminou na eleição de Fernando Collor no País. “O custo acabou sendo muito alto”, diz Barbosa. Há uma série de eventos econômicos que explicam essa ascensão do “trumpismo” (leia mais aqui). Mas a pergunta que surge é se Donald, com seu topete de gosto duvidoso, será capaz de colocar em prática esses planos mirabolantes. Traçar um perfil do novo presidente americano é uma tarefa ingrata, por vários motivos.
Primeiramente, a definição do “The Donald” (O Donald), como ele costuma ser chamado, depende muito da época em que se analisa. O Trump atual nasceu em 2004, quando ele se tornou apresentador do “O Aprendiz” e cunhou o bordão “Você está demitido”. A partir dessa empreitada, ele transformou o sobrenome Trump em uma das marcas mais reconhecidas do mundo. Sob esse guarda-chuva, são comercializados quartos de hotéis, roupas, perfumes, água, prédios de escritórios e, principalmente, ele próprio. Mas isso diz pouco sobre como construiu sua fortuna e sua motivação política. A melhor maneira de entendê-lo é olhar para sua trajetória, ainda que a história seja confusa e repleta de divergências.
Quem o conheceu nos anos 1970, deve se lembrar do jovem herdeiro que, contrariando o conselho do pai Fred Trump, ampliou o negócio de construção da família, até então restrito aos subúrbios nova-iorquinos, para a ilha de Manhattan. Foi no coração do centro financeiro americano que, em 1983, ele construiu o maior símbolo do seu império, a Trump Tower, um colosso de 202 metros de altura e 58 andares na 5ª Avenida. A partir daí, ele começou a investir naquilo que se tornaria o seu maior sucesso comercial e, agora, político: sua própria imagem.
Em 1987, Trump lançou o best seller “A Arte da Negociação”, no qual revela sua visão sobre como tirar o máximo proveito dos negócios. O principal, diz o empresário, é convencer as pessoas a aceitarem suas ideias. A obra lançou Trump ao mundo do estrelato e deu início à sua carreira de celebridade. A questão é que essa autoimagem propagada pelo livro está baseada em exageros. “Eu passei batom em um porco”, afirmou Tony Schwartz, co-autor do livro e, de fato, o grande responsável pelo texto, à revista New Yorker. O jornalista trabalhava na edição americana da revista Playboy quando se encontrou com o empresário pela primeira vez, em 1985.
Sua principal motivação para escrever o livro foi o dinheiro – Trump recebeu US$ 500 mil antecipadamente da editora Random House e dividiu o valor com Schwartz. “Sinto um grande arrependimento por ter apresentado ele de forma mais atrativa do que a realidade”, disse o escritor, que hoje comanda uma empresa de consultoria. Imprecisa ou não, “A Arte da Negociação” permitiu a Trump fazer suas primeiras incursões no mundo do entretenimento. Nos anos 1990, o empresário se transformou em um ícone da cultura popular ao organizar concursos de beleza, como o Miss Universo, e ao fazer aparições em filmes e séries de TV, como “Esqueceram de Mim”, “Um Maluco no Pedaço” e “Sex and the City”.
Mas, enquanto a carreira rumo ao estrelato corria bem, os negócios iam na direção contrária. Em 1992, seus três cassinos, Taj Mahal, The Castle e The Plaza, entram em recuperação judicial. Foi a primeira de suas quatro quebras, todas relacionadas ao mercado de cassinos. Naquele momento, ele acumulava US$ 900 milhões em débitos – durante a campanha, o The New York Times revelou que ele usou essas dívidas para explorar uma brecha no sistema e deixar de pagar impostos por quase duas décadas. Mas, apesar da grande exposição de sua imagem, suas ideias políticas não apareciam.
Isso mudou em 1999, quando Trump se declarou favorável ao Partido Reformista, uma terceira via política criada pelo também bilionário Ross Perot, outro empresário que tentou se candidatar à presidência por duas vezes (1991 e 1995), sem sucesso. O fato de Trump demonstrar apreço a determinado partido quer dizer pouca coisa. Em 2001, ele passou a se identificar com o Partido Democrata. Em 2009, se disse republicano. Dois anos depois, tornou-se independente e, no ano seguinte, voltou a se declarar republicano.
“Faz sentido essa mudança de partidos”, afirma Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da ESPM. “A política americana é muito elitista, muito mais do que no Brasil. E Trump não faz parte dessa elite. Seu sucesso se deve ao fato de ele ter achado um espaço num vácuo de liderança formado pelas mudanças na economia americana.” No fundo, o Trump conservador da campanha é diferente do homem de negócios. No palanque, ele propõe uma volta ao passado, a uma economia dominantemente industrial, típica dos anos 1970. “Como empresário, ele sabe que isso é muito difícil”, diz Casarões.
Se vai ser fácil ou difícil, talvez não importe. Se tem uma coisa que aliados e inimigos concordam é que Donald Trump não desiste, jamais. “Never give up (nunca desista) foi o que ele me disse na última vez que nos encontramos”, afirma o empresário brasileiro Ricardo Bellino, ex-sócio e amigo pessoal de Trump. “Essa é sua grande lição. Donald não é um louco. É um empreendedor nato, um grande negociador e um cara obstinado. É isso que a sociedade americana, e o mundo, estão precisando.” De fato, em seu primeiro discurso como presidente eleito, Trump deixou o personagem histriônico de lado e foi diplomático.
Disse que vai governar para todos e até afagou a oponente Hillary Clinton: “temos uma grande dívida de gratidão com ela por seus serviços prestados ao país.” O aloprado, eleito, contemporizou. “É tempo para a América curar as feridas da divisão”, afirmou. Resta ao mundo torcer para que suas habilidades empresariais sejam utilizadas para o bem do país e do mundo. Caso contrário, de um jeito ou de outro, o sol nascerá no dia seguinte, como bem disse o atual presidente, Barack Obama, logo após a eleição (leia mais aqui). Trump agora é o cara. E, sim, ele pode.
—–
Plano de negócios
Conheça algumas propostas do novo titular da Casa Branca para áreas importantes
Comércio
Propostas
• Renegociar acordos internacionais
• Impor uma taxação de 45% a determinados produtos chineses
Efeito negativo
• Perda da relevância dos EUA no cenário internacional
Política externa
Propostas
• Desfazer o acordo nuclear com o Irã
• Apoiar programas de armas nucleares do Japão e da Coreia
• Aproximar EUA e Rússia
Efeito negativo
• Desestabilização do Oriente Médio e fomento às pretensões expansionistas de Vladimir Putin
Impostos
Proposta
• Fazer o maior corte de tributos desde Ronald Reagan e estabelecer um teto de 15% sobre o lucro para todos os contribuintes
Efeito negativo
• Comprometimento das contas públicas e recessão
Imigração
Propostas
• Construir um muro na fronteira com o México
• Banir temporariamente a entrada de muçulmanos
• Deportar 11 milhões de imigrantes ilegais
Efeito negativo
• Acirramento dos conflitos internos da sociedade americana
—–
O empresário mais poderoso do mundo
Conheça em detalhes a fortuna e os negócios do novo presidente dos Estados Unidos
Fortuna
O total de dinheiro e ativos que Trump possui varia de acordo com a fonte
• Segundo ele mesmo: US$ 10 bilhões
• Segundo a Forbes: US$ 3,7 bilhões
Negócios
Os empreendimentos do empresário estão divididos em diversos segmentos, com maior foco nos setores imobiliário e hoteleiro
Hotéis
Valor liquido: US$ 330 milhões
• Trump International Hotel and Tower (Nova York)
• Trump Chicago
• Trump International Washigton D.C.
• Trump International Las Vegas
Edifícios
(comerciais e residenciais)
Valor líquido: US$ 2,25 bilhões
• Nova York: Trump Tower, Avenue of the Americas, Niketown, 40 Wall Street, Trump Park Avenue, Trump Parc East, Trump World Tower, Spring Creek Towers, Trump Plaza, Trump Tower Penthouse
• São Francisco: 555 California Street
Campos de golfe
Valor liquido: US$ 1,22 bilhão
• Trump National Doral Miami, Mar-A-Lago (Palm Beach), U.S. Golf Courses (Nova York), Scotland & Ireland Golf Courses (Escócia e Irlanda)
Licenciamentos
Valor líquido: US$ 14 milhões
Trump licencia diversos marcas, entre elas
• Donald J. Trump Collection, de roupas masculinas; a Trump Fragrance, de perfumes;
• Select By Trump, de café; e a Trump Natural Spring Water, de água mineral
Outros
Valor líquido: US$ 153 milhões
•Trump Hotel Management (gerenciamento de hotéis), Trump Winery (vinícola)
No Brasil
Trump possui dois empreendimentos no Rio de Janeiro. O valor dos investimentos não é divulgado.
• Trump Hotel Rio, inaugurado em 2016
• Trump Towers Rio de Janeiro (edifícios comerciais), previsão de conclusão em 2018
—–
Confira as demais matéria do Especial: EUA – Eleições presidenciais 2016
• Nova ordem mundial
• “Com fronteiras fechadas, mais pobres perderiam 60% do poder de compra”
• Paradoxo global
• O fim de uma era
• O mapa dos negócios
• Quanto vale o dólar de Trump?