10/01/2014 - 21:00
Um carro esportivo vermelho chamava a atenção do público que participava de uma conferência da fabricante de computadores Dell, em dezembro do ano passado, na cidade de Austin, capital do Texas, nos EUA. Fabricado pela americana Tesla, o modelo exibia um design futurista, com linhas agressivas, passando a impressão de ser extremamente veloz. Sua característica mais marcante, no entanto, ficava embaixo do capô: o motor elétrico. Ao volante, estava Elon Musk, CEO e principal acionista da fabricante. Silenciosamente, ele dirigiu a máquina em direção ao palco. Sua presença causava um furor ainda maior do que o provocado pelo carro, como se fosse um popstar.
Elon Musk: ”Gosto de fazer coisas que tenham a capacidade de mudar o mundo”
Não era para menos: de camisa branca com calça e paletó pretos, ar jovial e fala mansa, Musk é considerado atualmente uma das maiores estrelas do mundo dos negócios. Além dos carros elétricos, ele investe nas áreas aeroespacial e de energia solar. Suas ideias inovadoras estão provocando mudanças profundas em mercados como o de automóveis, de energia e até o de viagens espaciais. Daí porque a expectativa por sua apresentação era grande. Quando começou a falar, no entanto, o sentimento generalizado foi de uma certa decepção. Gaguejando e com dificuldade para verbalizar seu discurso, Musk passava a sensação de insegurança ao tentar explicar os detalhes dos seus negócios.
Quando questionado, geralmente demorava a responder, como se não soubesse o que dizer, gerando certo constrangimento. Mas não se engane. Esse sul-africano de 42 anos, nascido em Pretória, naturalizado americano e formado em física e economia, é hoje a grande estrela corporativa dos Estados Unidos – a revista Fortune, por exemplo, o elegeu a personalidade dos negócios de 2013. Para uma crescente legião de observadores, ele é um dos empresários mais arrojados e inovadores do planeta e sério candidato a suceder o fundador da Apple, Steve Jobs, no posto de maior demolidor de paradigmas do mundo empresarial.
Há quem o compare também com ícones da indústria, como os americanos John Rockefeller, fundador da petroleira Standard Oil, Henry Ford, criador da linha de montagem de carros que revolucionou o setor automobilístico, e Howard Hughes, magnata que transformou a aviação comercial americana. Musk também serviu de inspiração para o cineasta Jon Favreau, que se baseou nele para levar à tela o personagem Tony Stark, um playboy que inventa um traje voador, cheio de armas, para combater criminosos no filme Homem de Ferro, interpretado pelo ator Robert Downey Jr. Ao analisar a trajetória de Musk, fica fácil entender os motivos da comparação.
Seus projetos parecem coisa saída da cabeça do Professor Pardal, o inventor um tanto abilolado dos quadrinhos de Walt Disney. Mas suas ideias não são devaneios de um bilionário excêntrico. Além dos carros movidos a bateria e das viagens espaciais, elas incluem um plano para colonizar o planeta Marte e uma espécie de tubo para transportar passageiros, capaz de realizar uma viagem de cerca de 500 quilômetros em uma hora. Sua timidez e seu modo reticente de falar, é certo, tornam essas ideias ainda menos verossímeis. Mas a verdade é que Musk conseguiu transformar essas aparentes loucuras em negócios reais e bilionários, levados a sério.
Alta voltagem: funcionários da Tesla comemoram o IPO em 2010. Hoje a empresa
vale US$ 18 bilhões
E que, geralmente, se traduzem em montanhas de cifrões. Dono de uma fortuna estimada em US$ 7,7 bilhões, segundo a Bloomberg Wealth, Musk é tão criativo quanto audacioso. “Gosto de fazer coisas que tenham a capacidade de mudar o mundo”, afirmou em sua apresentação para quase mil pessoas, em Austin. Seu ingresso na galeria dos empreendedores de sucesso ocorreu ao vender o PayPal, empresa de pagamentos eletrônicos da qual foi cofundador, para o eBay por R$ 1,5 bilhão, em 2002. Como maior acionista da companhia, Musk embolsou US$ 180 milhões na ocasião.
A pequena fortuna foi o ponto de partida para a criação de um verdadeiro conglomerado de empresas de ponta, sustentado por três pilares: a Tesla, de carros elétricos, a SpaceX, de viagens espaciais, e a SolarCity, que fabrica painéis solares. A comparação com Jobs é inevitável. Musk e Jobs são considerados tipos raros de empreendedores iconoclastas, capazes de derrubar dogmas e produzir inovações em série, mudando para sempre mais de um mercado. Os dois são genuínos exemplares do gênero de homem insensato, que, em vez de se adaptar à realidade existente, tenta adaptá-la a si, na definição do escritor irlandês George Bernard Shaw.
“Contudo, todo progresso depende do homem insensato”, afirmou Shaw. Assim como Jobs transformou as indústrias de computadores, celulares e animação gráfica, Musk promete provocar uma revolução nas áreas de transporte e energia. Seu legado, no entanto, pode provocar transformações ainda mais profundas na sociedade do que o de Jobs. Sua audácia chega a ponto de levá-lo a desafiar uma indústria forte e consolidada como a automobilística. “Criei a Tesla para acelerar o desenvolvimento de carros elétricos”, disse. “Se deixasse nas mãos das grandes montadoras, nunca veríamos esse tipo de automóvel nas ruas.”
Nesse processo, ele arriscou praticamente tudo o que tinha. Em 2008, no auge da crise financeira mundial, a Tesla, fundada em 2003 pelos empresários Martin Eberhard e Marc Tarpenning, estava à beira da falência. Musk, que passou a fazer parte do bloco de controle da companhia em 2004, colocou absolutamente todo o seu dinheiro na empresa. “Eu estava a uma semana de perder tudo”, afirmou. A salvação surgiu graças a um aporte de US$ 50 milhões da alemã Daimler, dona da Mercedes-Benz, em maio de 2009. Dois meses depois, a Tesla recebeu do Departamento de Energia dos Estados Unidos um financiamento de US$ 465 milhões.
Movido a bateria: o Model S tem autonomia de 492 km e chega a uma velocidade
de quase 300 km/h
Contra todos os prognósticos, a companhia estava de volta aos trilhos. Seu valor de mercado quadruplicou em 2013, ultrapassando os US$ 18 bilhões. Seu faturamento foi multiplicado por 13, para US$ 2 bilhões. Com a Tesla, Musk provou que, além de ecologicamente corretos, os carros elétricos podem ser objetos de desejo. “Não conheço nenhum bilionário que não tenha um Tesla em sua garagem”, afirma David Kirkpatrick , editor de tecnologia da revista americana Fortune e fundador da Techonomy Media, empresa que organiza conferências focadas em tecnologia e inovação.
O sedã Model S, atualmente o único carro vendido pela companhia – em 2014 será lançado um SUV, o Model X –, tem espaço para acomodar sete pessoas. Como não há câmbio e seu motor tem aproximadamente o tamanho de um melão, o interior do veículo é mais espaçoso. O painel traz uma tela sensível ao toque de 17 polegadas. Sua autonomia chega a impressionantes 492 quilômetros, praticamente a mesma de um carro a gasolina. A velocidade final pode chegar a 300 km/h. No ano passado, foram vendidas mais de 20 mil unidades do veículo, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Em 2014, a expectativa é de que a Tesla dê um grande salto.
Segundo Musk, a empresa vai lançar o maior projeto de carro elétrico da história, em parceria com a alemã Daimler, que hoje detém uma fatia de 4,3% da fabricante. O projeto envolve o Mercedes Classe B, modelo compacto da montadora, que ganhará uma versão movida a energia elétrica equipada com a mesma tecnologia presente no Model S. “A Daimler acredita que essa tecnologia tem um grande potencial de mercado”, afirma Philipp Schiemer, presidente da subsidiária brasileira da Mercedes-Benz. “Não será a única tecnologia disponível, mas terá uma parcela significativa do setor automobilístico.”
É justamente através dos carros elétricos que Musk pretende aportar no Brasil, em um futuro não tão distante. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em setembro do ano passado, Diarmuid O’Connell, diretor de desenvolvimento de negócios da Tesla, disse que a companhia planeja entrar no mercado brasileiro “no médio prazo”. Segundo Schiemer, o País tem grande potencial para os carros elétricos por ter uma matriz energética limpa. “Faltam infraestrutura e incentivos do governo”, afirma o executivo. “Mas também olhamos para esse mercado.” A Daimler não é a única grande companhia a apostar em ideias de Musk, que parecem extraídas de peças de ficção.
Gigantes como as japonesas Toyota e Panasonic e a americana AT&T também mantêm parcerias com suas empresas. Para melhorar, ele conquistou a confiança da Nasa, a poderosa agência espacial americana. Sua empresa de viagens espaciais, a SpaceX, foi selecionada para levar os astronautas americanos até a Estação Espacial Internacional. O primeiro contrato com a agência foi firmado em 2006. Em 2011, a companhia foi a primeira a vender passagens turísticas para voos espaciais. Ela também atua no transporte de satélites e outros equipamentos a serem colocados em órbita, tendo como clientes empresas privadas e agências governamentais de diversos países.
Em dezembro, a companhia lançou seu primeiro satélite geoestacionário. Falar em quebra de paradigma talvez seja pouco para definir a SpaceX. A empresa tem potencial para expandir as fronteiras da ciência e do planeta Terra de uma forma comparável ao que as grandes navegações do século XV trouxeram para a humanidade. Ainda é difícil estabelecer um período de tempo para a conquista definitiva do espaço pelos seres humanos. Mas é possível afirmar que, graças a Musk, ela está muito mais perto. “Empresas como a SpaceX são capazes de inovar em um ritmo muito intenso”, afirma o professor brasileiro Nilton Rennó, chefe do departamento de ciências espaciais da Universidade de Michigan.
“Eles não perdem tempo com questões burocráticas ou de hierarquia, por isso atraem muitos jovens talentos interessados em trabalhar na área.” O interesse de Musk pelo espaço vem de longe. Quando criança, ele costumava brincar de soltar foguetes caseiros com seus dois irmãos mais novos. “Sempre gostei de brincar com explosivos, é um milagre que eu tenha todos os dedos”, afirmou recentemente o empresário. A brincadeira virou coisa muito séria. A SpaceX tem previsão de faturar US$ 5 bilhões por ano, já em 2017. Desde que entrou em operação, o custo de levar pessoas ao espaço caiu para um terço do total, de cerca de US$ 60 milhões para US$ 20 milhões por viagem.
Seus cientistas desenvolveram um foguete capaz de pousar verticalmente, uma inovação fundamental para a realização do maior sonho de Musk: criar uma colônia humana em Marte. Dentre as ideias de Musk, essa é com certeza a que parece a mais extravagante. Seu objetivo, porém, não está tão longe assim. A principal dificuldade, atualmente, não é chegar ao Planeta Vermelho, mas sim voltar dele. Segundo o professor Rennó, a SpaceX deverá ser capaz de entrar na atmosfera de Marte em questão de alguns anos. Pousar é outra história. Para isso, é preciso desenvolver novas formas de propulsão.
Os foguetes de hoje só possuem autonomia para fazer a viagem de ida. Uma das alternativas é utilizar substâncias presentes em Marte, como dióxido de carbono, gelo, água e rochas, para produzir combustível. Musk desenvolveu esse plano após acordar subitamente às duas horas da manhã. Outra forma de resolver a questão é abolir de vez o combustível a explosão. “A indústria espacial está trabalhando para criar novas formas de propulsão, utilizando energia solar e atômica”, afirma Daniel Nunes, cientista brasileiro que trabalha em projetos da Nasa. “Trata-se de um grande avanço para as viagens espaciais.”
Essa é uma das razões que explicam por que Musk colocou seus pés no setor de energia solar quando decidiu investir na SolarCity, em 2006. A empresa, na qual é principal acionista e presidente do conselho de administração, é líder no mercado de painéis solares para residências nos Estados Unidos. Considerado um empreendedor serial, Musk criou seu primeiro sucesso comercial aos 11 anos. Era um game, que foi vendido para uma empresa sul-africana pela bagatela de US$ 500. Em 1999, ele vendeu a Zip2, que desenvolvia ferramentas para criar sites de notícias, para a fabricante de computadores Compaq, por US$ 307 milhões, negócio que seria seguido pela venda da empresa de data center Everdream para a Dell por US$ 120 milhões, além do PayPal, vendido para o eBay.
A despeito desse retrospecto, Musk não é um típico nerd. Ficar na frente de um computador não é sua praia. Ele faz mais o tipo explorador. Aos 15 anos, migrou para o Canadá, onde chegou com pouco dinheiro e sem lugar para dormir. Para sobreviver, trabalhou em fazendas e limpando caldeiras em serralherias. Sua vida pessoal também é agitada. Casou e divorciou duas vezes e teve cinco filhos, gêmeos e trigêmeos. Sua personalidade também pode ser comparada à de Steve Jobs. Assim como o criador do iPhone, Musk é tido como uma pessoa com quem é difícil trabalhar, centralizador e arrogante. Em 2007, ele brigou com um dos fundadores da Tesla, Martin Eberhard, que o processou.
O entrevero acabou na internet quando Eberhard criou um blog para relatar episódios em que Musk, supostamente, ofendia e tratava mal seus funcionários. Posteriormente, os dois acabaram entrando em um acordo. Confusões à parte, esse homem de 1,80 metro de altura e fala mansa, que não costuma beber água fervente nem rasgar dinheiro, já provou que não é maluco. Por isso, quando ele fala em criar um jato supersônico capaz de levantar voo verticalmente para ser utilizado na aviação comercial, é melhor prestar atenção, muita atenção. Afinal, para quem pretende chegar a Marte e tem o sonho de construir seu túmulo no Planeta Vermelho, imaginar uma simples viagem internacional é algo tão corriqueiro como pegar um ônibus, ou quem sabe entrar em um tubo de transporte supersônico.
Diretamente de Austin (EUA)