02/09/2016 - 17:00
No auge da crise política, em meados de 2015, lideranças do PMDB decidiram consultar economistas, cientistas políticos e empresários sobre os caminhos que poderiam reverter a deterioração em curso na economia e garantir a sustentação do desenvolvimento do País. Reunidas no documento “Uma Ponte para o Futuro”, as conclusões foram apresentadas como uma proposta de união nacional, mas acabaram interpretadas como um sinal de desembarque da principal sigla da base da então gestão petista. Na quarta-feira 31, a aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff selou de vez a ruptura entre os antigos aliados e elevou o conjunto de ideias à condição de texto-base de plano do novo governo, que terá duração remanescente de apenas dois anos e quatro meses.
As diretrizes envolvem medidas impopulares, mas necessárias, focadas em dois eixos: a recuperação fiscal e a redução do Estado. Em pronunciamento após ser efetivado no cargo, o presidente Michel Temer reforçou a prioridade das reformas: “É hora de unir o País e colocar os interesses nacionais acima dos interesses de grupos”. As ideias começaram a sair do papel quando o peemedebista assumiu como interino, há três meses. Na área fiscal, duas iniciativas foram antecipadas: a criação de uma regra para limitar os gastos públicos e as negociações para a reforma da Previdência.
Tratam-se dos mais importantes mecanismos para frear o avanço da dívida pública e reduzir incertezas sobre a solidez futura do País. Sob o lema “devagar que estou com pressa”, a equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, vinha avançando com cautela, para respeitar o tempo político e não comprometer o resultado final da votação do impeachment. A estratégia deu certo. No pleito final do processo, 61 dos 81 senadores aprovaram a cassação de Dilma. “A incerteza chegou ao fim”, afirmou Temer. A partir de agora, a cobrança por respostas mais profundas na economia será mais intensa.
Analistas de mercado e empresários querem menos concessões políticas e um ritmo mais acelerado. “De agora em diante, não há como contar mais com o véu da interinidade”, afirma Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados. A expectativa é aprovar, até o começo do ano que vem, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos federais à inflação do ano anterior. O desafio será evitar a inclusão de mecanismos que possam enfraquecer a medida, como o engessamento nos recursos para saúde e educação. A reforma da Previdência será encaminhada ao Legislativo ainda neste mês, com uma proposta de idade mínima próxima dos 65 anos, a criação de um regime único e uma regra de transição, sem incluir, porém, grupos como os militares.
Dos sindicatos aos congressistas, a previsão é de forte resistência às medidas, o que deve envolver certo grau de negociação. A habilidade do governo em contornar as barreiras sem comprometer seus efeitos configura o principal risco para o novo mandato. “Acredito que sai alguma coisa, mas não adianta ser qualquer coisa”, afirma João Luiz Mascolo, do Insper. “Conciliação tem limite.” Os resultados são determinantes para evitar outra pauta de desgaste, uma possível alta de tributos. A proposta de Orçamento para 2017, apresentada na quarta-feira 31, não prevê elevação da carga tributária.
Ainda haverá avanço real nos gastos totais, mas com queda na relação das despesas em relação ao PIB. Com um déficit primário estimado em 2% do PIB, a dívida bruta continuará crescendo e alcançará 75,8% do PIB. Em paralelo à agenda fiscal, o novo governo pode colher frutos a partir de avanços regulatórios e nas chamadas reformas microeconômicas. Uma das mais avançadas é a que desobriga a Petrobras de ser operadora única e detentora de um mínimo de 30% nos campos do pré-sal. O texto já foi aprovado no Senado e em comissão da Câmara, faltando apenas a votação em plenário.
O potencial de investimento é de R$ 120 bilhões, segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP). O governo estuda rever também uma restrição para investimentos estrangeiros em terras agrícolas, com potencial para atrair outros R$ 100 bilhões. As concessões e privatizações terão papel fundamental na retomada da atividade. Os ativos na fila de leilões vão desde a infraestrutura, como aeroportos e ferrovias, podendo alcançar até presídios e hospitais. Nos cálculos da AZ Quest, as privatizações podem alcançar R$ 280 bilhões e as concessões, cerca de R$ 110 bilhões.
“O fator estrutural que pode trazer dinamismo à economia é o investimento”, afirma Walter Maciel, diretor-executivo da AZ Quest. “E o investimento estrangeiro vem com uma possibilidade de venda de ativos públicos.” Entre os avanços que podem garantir que os leilões saiam do papel, o principal é a flexibilidade nas taxas de retorno, que acabaram sendo uma barreira na Era Dilma. “Para o plano dar certo, é preciso atacar três pontos: trazer recursos para investir, melhorar o sistema de garantias e criar um arcabouço jurídico que reduza o risco regulatório”, afirma Gesner Oliveira, da GO Associados.
O plano, que é coordenado pelo ex-ministro da Aviação Civil Moreira Franco, deve ser lançado oficialmente na próxima semana. Melhorias institucionais também poderiam ser conquistadas com a reforma trabalhista. A principal proposta nessa área é permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais. “Para garantir os atuais e gerar novos empregos, temos de modernizar a legislação trabalhista”, afirmou Temer no pronunciamento. Para os analistas, trata-se de uma reforma sensível demais para ser tocada em conjunto com as outras duas já propostas e, por isso, com menos chances de ser aprovada.
Parte dos avanços para melhorar o ambiente de negócios, em questões como a desburocratização, deve ficar para o próximo governante. Se as duas principais medidas fiscais passarem – a reforma da Previdência e a PEC dos gastos – o saldo já terá sido positivo. “São pilares necessários para o País voltar a crescer como antes”, afirma Marcel Balassiano, do Ibre/FGV. A expectativa é de uma retomada gradual da atividade e uma estabilização num nível próximo de 2% do PIB nos próximos anos.
O desafio para alcançar esse patamar não é nada desprezível: vai desde o imponderável da Lava Jato e a oposição de movimentos sociais até a coesão da base, como mostrou o próprio impeachment, em que partidos aliados demonstraram insatisfação com a manutenção dos direitos políticos de Dilma. “Tenho consciência do tamanho e do pesadelo que carrego nos ombros”, admitiu Temer. Agora que o jogo começou para valer, o cronômetro corre mais rápido e o espaço para derrapadas se reduz.
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- Começa a era Temer
- Surge uma nova economia
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- Que venha o Touro!