No dia 5 de agosto de 2011, em plena sexta-feira, o mercado financeiro foi pego de surpresa com a decisão da famigerada agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) de reduzir a nota americana de AAA para AA+. Na época, ao justificar a decisão de rebaixar o rating da maior economia do mundo, a S&P culpou a fragilidade do plano de consolidação fiscal acertado entre o Congresso e o governo Barack Obama. A agência colocou um viés negativo, sinalizando possíveis novos rebaixamentos. Era uma péssima notícia para um país que, naquele momento, sofria com um desemprego de 9%, um crescimento econômico inferior a 2% e um déficit fiscal de 8,7% do PIB. 

 

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Fechar ou não fechar, eis a questão: Bernanke, do Fed, não pode errar na hora de enxugar a liquidez

 

Num movimento desesperado para tentar reativar a economia, o Banco Central americano injetava trilhões de dólares na economia, num processo que começou em 2008 através da compra de títulos e da redução de juros a uma banda entre 0% e 0,25% ao ano. Quase dois anos depois, no entanto, muita coisa mudou – e para melhor. O desemprego diminuiu para 7,6% e a economia voltou a crescer num ritmo anualizado de 2,4%. Além disso, o esforço fiscal reduziu o rombo nas contas públicas para 4% do PIB neste ano, o que levou a S&P a retirar, na segunda-feira 10, a perspectiva negativa para os Estados Unidos. Tal cenário positivo alimentou as especulações de que o Federal Reserve (Fed) iniciará em breve a retirada dos estímulos monetários, que atualmente estão na casa dos US$ 85 bilhões ao mês. 

 

Desde então, os holofotes do mercado financeiro estão voltados para o presidente do Fed, Ben Bernanke, que tem a missão de fechar a torneira da liquidez mundial – e Bernanke sabe que não pode errar. Desde 2008, quando os efeitos da crise imobiliária contaminaram o mundo inteiro, a economia americana vem apresentando sinais dúbios de recuperação e recessão. Em vários momentos, analistas surfaram ondas de falso otimismo. Agora, no entanto, o cenário parece promissor. “Faz 12 meses que o mercado imobiliário está crescendo nos Estados Unidos”, diz Hugo Penteado, economista-chefe da Santander Asset Management. 

 

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Gabriel Rico, presidente da Amcham-Brasil: ”as empresas americanas

vivem um momento de altíssima liquidez”

 

Embora o setor imobiliário represente apenas 2,7% do PIB, o economista salienta que há um efeito multiplicador na sensação de riqueza, já que os americanos estão acostumados a hipotecar suas casas para obter empréstimos bancários. “Os americanos passaram inclusive a se casar mais, aumentando a demanda por residências”, diz Penteado. Outras boas notícias são a redução da inadimplência das famílias, que estavam muito endividadas, e a retomada da confiança dos consumidores, que atingiu o nível mais alto desde 2007. Com isso, é possível projetar uma recuperação do consumo, que representa dois terços da economia. Diante de bons indicadores econômicos, o presidente do Fed já sinalizou a intenção de iniciar a retirada dos estímulos monetários, mas não disse quando isso irá acontecer. 

 

A tarefa, diga-se de passagem, é mais difícil do que parece. Se eliminar os incentivos antes da hora, Bernanke pode abortar a recuperação da atividade econômica. Se demorar muito, pode gerar inflação e bolhas de crédito, que teriam potencial para criar novas crises. Para não errar no timing, o comandante do Fed segue alguns parâmetros que servirão para corroborar, ou não, a tese de que a maior economia do mundo já está em condições de caminhar com as próprias pernas. Um deles é a inflação, que ainda não atingiu o limite de 2,5%. Em tese, os juros só seriam elevados quando esse patamar fosse superado. Outro termômetro é a taxa de desemprego, que precisa cair de 7,6% para 6,5%, o que também não é uma realidade no curto prazo.

 

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O encontro: Obama receberá a presidenta Dilma Rousseff, em outubro, na Casa Branca.

Será a primeira visita de Estado do Brasil aos Estados Unidos desde 1995,

quando Fernando Henrique Cardoso foi convidado por Bill Clinton

 

Porém, segundo declarações do próprio Bernanke, se a economia americana for capaz de criar 200 mil vagas por mês ao longo de um semestre inteiro, já será um sinal de que os estímulos monetários não são mais necessários. Em maio, por exemplo, foram gerados 175 mil empregos. Pelos cálculos da asset do Santander, o patamar de 200 mil postos de trabalho por mês começará a ser atingido a partir de setembro, quando o Banco Central americano desencadearia a primeira de quatro etapas de retirada de estímulos (leia quadro “De olho no FED”). Na verdade, a primeira fase é apenas uma diminuição das compras de ativos, o que ainda significa expansão monetária. 

 

Nesse cronograma, a tão aguardada – e especulada – elevação de juros só aconteceria em 2015. O mercado financeiro, por sua vez, tem como característica antecipar essas decisões. A simples perspectiva de fim da farra monetária nos Estados Unidos já foi suficiente para agitar as bolsas de valores e causar uma migração de recursos para os títulos públicos americanos. Os países emergentes, que foram inundados por dólares nos últimos anos – vítimas de tsunami monetário, na definição do governo brasileiro –, agora estão em busca de recursos. 

 

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Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior: “o Brasil tem muito

a ganhar com a recuperação americana”

 

No Brasil, o impacto foi imediato. Na quarta-feira 12, a Bovespa caiu ao menor patamar desde agosto de 2011. No mesmo dia, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a retirada da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 1% que incide no mercado futuro de dólar. O objetivo é aliviar a pressão sobre o câmbio, que vem sofrendo forte desvalorização por causa da falta de liquidez. Na semana passada, o Banco Central brasileiro promoveu dupla intervenção no mercado em alguns pregões, algo que não acontecia desde o ano passado. Ainda assim, a moeda americana bateu na casa dos R$ 2,16, aumentando o temor de impactos inflacionários. 

 

A OUTRA FACE DA MOEDA O pano de fundo do recente estresse cambial no mundo inteiro é a recuperação dos Estados Unidos. Embora a subida do dólar tenha efeitos deletérios no Brasil, como a alta da inflação e a elevação dos custos das empresas que importam insumos, a retomada da maior economia do mundo é uma notícia auspiciosa para o País no médio e no longo prazo, tanto no comércio exterior como em investimentos diretos. “Se o ritmo dos primeiros meses do ano permanecer até dezembro, receberemos US$ 13 bilhões em investimentos americanos diretos em 2013, superando os US$ 12,3 bilhões do ano passado”, diz Gabriel Rico, presidente da Câmara Americana de Comércio (Amcham-Brasil). 

 

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“Os Estados Unidos representam praticamente 25% do investimento estrangeiro total.” O comércio entre os dois países também tem um enorme potencial de crescimento. No ano passado, 70% das exportações brasileiras para os Estados Unidos eram de produtos industrializados, índice que já foi de 90% em 2002 (leia quadro “Um mercado rentável”). Ou seja, ao contrário do que acontece com as trocas entre Brasil e China, o relacionamento comercial com o mercado americano é pautado por produtos de alto valor agregado. “O Brasil tem muito a ganhar com a recuperação americana”, afirma Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior. “Em 2002, nós exportávamos quase 26% dos nossos produtos para os Estados Unidos. Hoje são apenas 11%.” 

 

Ganhar espaço na terra do Tio Sam, no entanto, não será uma tarefa fácil. Outros países extremamente competitivos ocuparam o lugar deixado pelo Brasil e muitas empresas se instalaram no México, que se transformou numa plataforma de exportações para os Estados Unidos. Isso aconteceu, por exemplo, com a Embraco, que, desde 2011, produz compressores para refrigeração na região metropolitana de Monterrey para abastecer o mercado americano. Há, porém, uma enorme oportunidade no horizonte para o Brasil estreitar as relações comerciais e fomentar os negócios com a maior economia do mundo. 

 

Em outubro, a presidenta Dilma Rousseff será recebida pelo presidente Barack Obama, em Washington, para uma visita de Estado, que só é oferecida a parceiros estratégicos dos Estados Unidos. A última vez que o Brasil teve esse convite foi em 1995, num encontro entre Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton. Será o momento ideal para derrubar barreiras comerciais, como um antigo pleito de empresários brasileiros e americanos para que se elimine a bitributação. “Há uma enorme expectativa de que os investimentos sejam facilitados”, diz Rico, da Amcham. “As empresas americanas vivem um momento de altíssima liquidez, só esperando um empurrãozinho para alocar dinheiro no Brasil.”

 

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