14/09/2013 - 7:00
Há poucas certezas na vida, além da morte, mas uma delas é irrefutável: os banqueiros só voltam os olhos para os setores nos quais há real perspectiva de realizar lucros. Talvez por isso as principais instituições financeiras no País demoraram para fincar os dois pés no setor de infraestrutura. O papel principal para financiar grandes hidrelétricas, por exemplo, como Belo Monte, coube até aqui ao BNDES. Para mudar esse quadro, o governo federal fez a corte ao setor financeiro, apontando a necessidade de apoiar os planos de concessões, que devem movimentar mais de R$ 1,4 trilhão até 2020. Na semana passada, bancos públicos e privados fecharam um acordo para irrigar com recursos o programa de concessões do governo.
Casamento do governo com os bancos privados torna leilões mais atraentes
e aumenta a pressão por correções no processo
O acordo foi fechado depois de uma cruzada aberta pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo o Banco do Brasil (BB), em busca da adesão dos agentes financeiros. Às vésperas de um novo ciclo de leilões, que começa nesta semana com a licitação das rodovias BR 262 (ES-MG) e 050 (GO-MG) e que promete uma boa disputa, com 32 pré-candidatos confirmados pelo Ministério dos Transportes – , o governo fechou, oficialmente, o apoio de instituições para mitigar riscos envolvidos no empréstimo para a execução de grandes obras. Treze bancos privados, além da Caixa e do BB, vão operar como distribuidores dos recursos do BNDES para garantir até 70% do dinheiro necessário para colocar em pé os empreendimentos.
“Vamos atuar em conjunto, oferecendo condições muito atraentes”, disse à DINHEIRO o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. “É dinheiro para este ano, não temos tempo a perder.” O funding, ou seja, os recursos que serão efetivamente aportados, em todo caso, continua sendo o do BNDES, um total de R$ 120 bilhões, segundo Mantega. Trata-se de dinheiro barato, emprestado numa condição prévia de TJLP + 2% ao ano, o que significa um juro real de menos de 1%. O prazo acordado para a concessão desse crédito é de 25 anos, com cinco anos de carência. O setor bancário privado vai ajudar a distribuir esse dinheiro e partilhar com o banco de fomento o risco envolvido nas operações.
Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco: “Vamos atuar em conjunto,
oferecendo condições muito atraentes. É dinheiro para este ano,
não temos tempo a perder”
“Eles serão os principais emprestadores”, afirmou Mantega na quinta-feira 12. “É uma boa notícia, porque não era usual a participação deles em projetos de tão longo prazo.” Para prestigiar o plano do governo, o presidente mundial do Santander, Emilio Botín, esteve com a presidenta Dilma Roussef, na quinta-feira 12, em Brasília, e avisou que o grupo espanhol vai participar ativamente do programa de concessões. Só neste ano, sairão os leilões do pré-sal do Campo de Libra, com reservas estimadas em 32 bilhões de barris, e as concessões dos aeroportos de Confins (MG) e Galeão (RJ). “Queremos colaborar com o financiamento direto ou por meio dos clientes que assessoramos”, disse Botín.
“Vamos colocar US$ 10 bilhões à disposição de nossos clientes.” Outro consórcio fechado nas últimas semanas também vem fortalecer o processo de concessões. Informalmente chamado de Fundo Noiva, reúne o BB Investimentos, o BNDES, a Caixa e os fundos de pensões para bancar participações de até 49% nos consórcios. Num mundo ideal, o consórcio de bancos privados também poderia exercer um papel mais ativo no empreendimento com recursos próprios e aumentar ainda mais o volume de capital disponível para injetar nas grandes obras – a exceção são os US$ 10 bilhões que Botín, ofereceu.
Ajustes de rota: desafio é ajustar alguns leilões, como o de ferrovias.
Em aeroportos, a expectativa é de disputa
A questão é que, depois de décadas sem investir em grandes obras, o País recém começa a movimentar uma cadeia de negócios, ainda cercada de incertezas. “Mesmo que seja dinheiro do BNDES, os bancos vão escolher a dedo para quem vão emprestar”, diz Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, e diretor no Brasil do International Growth Center, ligado ao London School of Economics e à Oxford University. “Mas é inegável que a entrada do setor privado aumenta as chances de sucesso dos leilões de concessão.” O primeiro teste dessa parceria será o leilão das rodovias BR 262 e 050, que deve atrair investimento de R$ 5,2 bilhões.
O modus operandi do sistema financeiro só será conhecido depois do resultado do leilão. No caso das rodovias, por exemplo, vence quem oferecer maior desconto no preço dos pedágios. Dessa forma, as projeções de receita de cada consórcio ficarão mais claras no final do certame. “Só então poderemos avaliar as condições que serão levadas em conta para os financiamentos”, diz Alberto Zoffmann, diretor de Project Finance do Itaú BBA, à frente hoje de cerca de 40 projetos, que somados representam R$ 60 bilhões de investimento no setor. O exemplo mais didático é buscar investidores que, por exemplo, antecipem recursos às concessionárias das rodovias, com base nas receitas futuras de pedágio.
“Todos esses fluxos de caixa futuros podem ser transformados em papéis atrativos aos investidores, e montar essas operações é um bom negócio para os bancos”, afirma. O Itaú BBA é um dos bancos que integram o consórcio com o Banco do Brasil, ao lado de Bradesco, HSBC, Santander, JP Morgan, Safra, entre outros. Um dos caminhos avaliados pelo setor financeiro são as emissões de debêntures. O Santander fez uma aposta grande nesse modelo, no ano passado, ao emitir papéis da hidrelétrica de Garibadi, em Santa Catarina, que está prestes a entrar em operação. Segundo Mauro Albuquerque, superintendente de Project Finance do banco espanhol, foram utilizados recursos próprios para subscrever os papéis de 12 anos.
“Quanto mais prazo é concedido para o projeto, melhor é a capacidade de pagamento a partir do caixa da empresa”, diz Albuquerque, que prevê uma explosão do mercado de debêntures nos próximos anos. Hoje, o banco conta com 60 projetos que, juntos, representam R$ 300 bilhões em investimentos no setor. Albuquerque diz que há um cardápio de serviços financeiros para oferecer a esses clientes, que vai desde a capitalização por debêntures, até a gestão da folha de pagamento. Para que a estratégia do Santander seja bem-sucedida, assim como a de outros bancos que estão dando um crédito de confiança ao plano de investimentos no setor, o governo precisará ser ágil em fazer os ajustes necessários no processo.
EmIlio Botín, presidente mundial do Santander: “Vamos participaar
ativamente do programa de concessões brasileiro. Vamos colocar
US$ 10 bilhões à disposição dos nossos clientes”
O leilão de ferrovias, por exemplo, previsto para ser realizado ainda neste ano, já ficou comprometido, com alguns ajustes solicitados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para o leilão do trecho de Açailândia (MA) a Barcarena (PA). Segundo o TCU, faltava embasamento legal para o projeto. Outros setores também dependem de correções, e essa demora para fechar o processo acaba frustrando as expectativas de quem pretende investir. “Precisamos investir mais tempo no planejamento para gastar menos na execução”, diz o consultor Frischtack. “Valeria criar um ‘PAC’ de projetos.”
A chegada de bancos privados no processo pode ajudar a corrigir os desvios de rota, avalia o presidente da Associação Brasileira de Private Equity , Clóvis Meurer. “A discussão das regras do jogo fica de igual para igual”, diz Meurer. Além disso, eles reforçam a lógica de que “dinheiro atrai dinheiro”. “Quem tem receio de entrar, por depender de contratos de muito longo prazo, se sente mais seguro quando há um consórcio forte de investidores.” Na semana que vem, o ministro Guido Mantega seguirá para Nova York, para um road show com novos investidores. Será um bom termômetro para medir o impacto da entrada dos bancos no jogo da infraestrutura.