06/06/2014 - 20:00
O técnico Luiz Felipe Scolari, comandante da Seleção Brasileira, tem a fama de durão. O gaúcho de 65 anos, nascido em Passo Fundo, é sério e disciplinado, às vezes parece mal-humorado, turrão até, e costuma armar equipes defensivas. Não é o estilo preferido dos torcedores e jogadores brasileiros, adeptos do futebol-arte, pautado na habilidade e no ataque. Mesmo assim, com a pecha de retranqueiro e pouco criativo, Felipão é quase uma unanimidade entre os boleiros. Em todos os clubes e seleções por que passou, o treinador campeão do mundo em 2002, pelo Brasil, na Copa do Japão e da Coreia, mais do que conquistar a simpatia de seus comandados, ganhou seguidores fiéis.
É difícil encontrar algum atleta da bola que não tenha se comovido com suas estratégias motivacionais e suas famosas preleções. Líder nato, Scolari é o tipo de pessoa que consegue extrair o máximo de seus comandados e colaboradores. Não à toa, suas equipes costumam acumular títulos. Foi assim com o CSA, de Alagoas, em seu início de carreira, na década de 1980, e principalmente com Grêmio e Palmeiras, times com os quais faturou a cobiçada Taça Libertadores da América, e, claro, com o escrete canarinho em sua primeira passagem. Na quinta-feira 12, Scolari dará início ao projeto mais importante de sua carreira.
Quando o Brasil entrar em campo na partida contra a Croácia, para dar o pontapé inicial da Copa no recém-construído estádio do Corinthians, em Itaquera, na zona leste de São Paulo, Felipão estará à frente da equipe com o maior número de treinadores do mundo: quase 200 milhões. Mais do que palpitando, essa multidão de fanáticos especialistas estará cobrando do treinador apenas um resultado: a vitória. Nada menos. Para Scolari, não há alternativa. É vencer ou vencer. Qualquer outro resultado será considerado um fracasso retumbante.
Trata-se de um desafio para CEO nenhum botar defeito. Como se não bastasse, o prazo é curto. Apenas um mês separa o jogo de abertura da final do Mundial. E cada etapa desse projeto deverá ser concluída em apenas 90 minutos, prorrogáveis por mais 30. “O Felipão está em uma posição privilegiada”, afirma Paulo Kakinoff, presidente da companhia aérea Gol. “E as chances de vitória são imensas.” O otimismo do presidente da Gol justifica-se. Além da qualidade do time brasileiro, Felipão é visto por diversos CEOs e líderes do mundo dos negócios como o homem ideal para comandar o projeto Hexa.
Isso se deve ao fato de o treinador utilizar em seu trabalho uma série de avançadas estratégias de gestão e motivação, comuns entre as chamadas empresas de alto rendimento. “Muitos aspectos do seu estilo de gestão, como a transparência e o comprometimento com o resultado, são atributos que buscamos adotar na Gol”, afirma Kakinoff. De fato, palavras típicas do mundo empresarial, como meritocracia e planejamento, fazem parte do vocabulário do treinador e de seus auxiliares. A fama de durão de Scolari é acompanhada do reconhecimento de que é um profissional justo, organizado e competente, que vai “até o inferno” por seus jogadores, como costuma dizer o próprio treinador.
Essas são as bases da chamada Família Scolari, apelido dado ao sentimento paternal compartilhado por praticamente todos os jogadores que já estiveram sob sua batuta. Nessa família há estrelas como Neymar e operários como o zagueiro Henrique . Apesar das diferenças, todos se sentem parte importante do grupo e motivados o bastante para dar a última gota de sangue pelo treinador. “Existem várias definições de um bom líder. A que eu mais gosto é a de que um bom líder é o que consegue tirar o melhor de todos os seus liderados em benefício do coletivo”, escreve Abilio Diniz, presidente do conselho da BRF, em artigo publicado em um jornal de São Paulo.
“Felipão faz isso.” Essa capacidade de liderança não vem por acaso. Felipão tem o dom de comandar, isso é inegável. Sua experiência como treinador e jogador (não passou de um beque botinudo, mas sabia observar o que acontecia dentro das quatro linhas e assimilar os ensinamentos dos técnicos com os quais trabalhou) também ajuda muito. Ao mesmo tempo, ele busca referências fora do futebol para definir suas estratégias. Um dos seus livros favoritos é A arte da guerra, um tratado militar escrito pelo filósofo chinês Sun Tzu.
Trata-se de um clássico do pensamento estratégico, leitura obrigatória para os estudantes de direito e administração. Na Copa de 2002, Felipão colocou um exemplar do livro na cabeceira de cada jogador. Alguns ensinamentos de Sun Tzu, que teria sido um vitorioso general que comandou os exércitos do rei Wu, primeiro imperador da Dinastia Zhou (1122-222 a.C.), no século VI antes de Cristo (sua existência é questionada por alguns historiadores), ajudam a entender de onde o treinador tirou seu estilo. “Os bons guerreiros primeiro se colocaram fora da possibilidade de derrota e depois esperaram a oportunidade de derrotar o inimigo”, diz o sábio chinês.
“O guerreiro vence os combates não cometendo erros. É isso que dá a certeza da vitória.” Recentemente, Scolari incluiu em sua bibliografia outro best-seller: Como se tornar um líder servidor, do escritor americano James C. Hunter. Especialista em recursos humanos, Hunter prega que a liderança se estabelece pelo convencimento, e não pelo exercício do poder. Felipão anda com um exemplar do livro a tiracolo, no qual fez anotações e grifou passagens que considera importantes. Uma delas já se tornou um mantra. “Não há equipes fracas, apenas líderes fracos”, costuma repetir, parafraseando o general americano Wilbur L. Creech, ex-comandante da Força Aérea dos Estados Unidos, que afirmava que não há pelotão fraco.
Quem indicou a obra ao treinador foi Carlos Alberto Parreira, ex-técnico da Seleção, campeão do mundo em 1994, que hoje atua como coordenador-técnico da Seleção. Contar com pessoas vencedoras e de confiança ao seu lado, aliás, é outra característica importante do técnico. O maior exemplo é Flavio Murtosa. Há quase três décadas ele vem sendo o fiel escudeiro do treinador, responsável por fazer a ponte entre os jogadores e o comandante, passando orientações e recebendo feedbacks. Para onde foi, Felipão levou Murtosa consigo. A confiança irrestrita no treinador por parte dos seus comandados tem origem, ainda, na sua sinceridade.
Ser absolutamente transparente em relação às suas intenções é uma preocupação constante de Scolari. Essa característica é demonstrada em pequenos atos, mas de grandes consequências. É o caso da convocação do goleiro Júlio César, que foi antecipada quase seis meses antes da divulgação da lista oficial. “Como não paravam de criticá-lo, adiantei a convocação para deixá-lo tranquilo”, afirmou Felipão, na época. “A partir dali, se quisessem reclamar, seria comigo.” Essa transparência também exige planejamento, algo do qual ele não abre mão.
Há um ano, o Brasil já tem definidas as datas dos treinos e dos amistosos, os locais de concentração, os meios de transporte, a alimentação e até os dias e horários em que os parentes dos jogadores poderão visitá-los. “Em qualquer projeto, de curto ou longo prazo, a única maneira de entregar resultados é trabalhando duro, com foco e objetivo”, afirma João Castro Neves, CEO da Ambev. “Na Seleção vale a mesma receita.” Para o CEO, que comanda a maior cervejaria do Brasil, três pilares sustentam uma estratégia de sucesso: gente, cultura e sonho.
“O time precisa ser talentoso, a cultura tem de ser única e assimilada por todos”, diz Castro Neves. “Já o sonho tem de ser grande.” Não é de hoje que o mundo dos negócios presta atenção nos talentos de Felipão como gestor. Muitas empresas o contratam para fazer palestras e como garoto-propaganda. É o caso da Kimberly-Clark, multinacional americana do setor de bens de consumo. No ano passado, Felipão participou de um evento da companhia com seus principais executivos. Entre eles estava o diretor de vendas Claudio Vilardo. “Ele conseguiu demonstrar para mim, que gerencio uma equipe grande, que não preciso ter pessoas iguais para formar um time vencedor”, afirma Vilardo.
“Ele provou que é possível montar um quebra-cabeça de talentos, desde que todos estejam alinhados.” Na publicidade, marcas como Peugeot, Sadia, Vivo e Brahma buscam se associar à sua imagem. Segundo estudo realizado pela agência Y&R, o público associa a ele diversos atributos positivos, como honestidade, gentileza e alto desempenho. “Ele é uma das poucas celebridades que conseguem prender a atenção das pessoas e passar credibilidade”, afirma César Ortiz, diretor de inteligência de mercado da Y&R. Segundo Marcelo Assaf, gerente-executivo de marketing da BRF, dona da marca Sadia, além da boa fama, Felipão tem se mostrado um bom ator.
“Ficamos surpresos com seu desempenho em cena”, diz o executivo. Scolari inspira até mesmo a nova geração de empreendedores do mercado digital. “A gestão do Felipão tem vários aspectos positivos”, afirma Michel Piestun, CEO do Groupon, empresa de comércio eletrônico. “Ele sabe escolher os melhores talentos do mercado e fazer com que deixem a individualidade de lado por um bem maior, o bem da equipe.” O criador da Easy Taxi, de aplicativos para celulares, Tallis Gomes, se espelha no treinador para orientar sua equipe. “O Felipão é rígido, mas tem um objetivo.
Não é assédio moral, como vários gestores costumam fazer. Pelo contrário. Ele direciona, dá instruções claras e orienta”, diz Gomes. “Eu tento ser como ele na minha empresa, falo sério quando é necessário e sou amigo.” Por conta desses talentos, Felipão é um dos CEOs do futebol mais bem pagos do mundo, com salários e contratos publicitários milionários. A fama de bom moço, no entanto, nem sempre acompanhou o treinador. Em sua primeira passagem pelo Palmeiras, no período 1997-2000, Scolari chegou a ser flagrado por uma rádio de São Paulo pedindo a seus jogadores que “chegassem junto”, gíria futebolística que significa usar de certa violência no jogo.
É dessa época a infeliz declaração de que nutria uma admiração especial pelo general Augusto Pinochet. “Ajeitou muitas coisas lá (no Chile)”, afirmou. “Ele pode ter feito uma ou outra retaliaçãozinha, mas fez muito mais do que não fez.” Ao ser questionado sobre os métodos do ex-ditador, que resultaram em tortura e morte de milhares de pessoas, Scolari foi em frente. “Há momentos que ou o pessoal se ajeita ou a anarquia toma conta.” São incontáveis, também, as ocasiões em que, para retardar um ataque do time adversário, ele jogava uma segunda bola em campo, obrigando o juiz a interromper a partida.
Na Copa de 2006, disputada na Alemanha, Felipão deu um show de destempero após a derrota de Portugal, seleção que dirigia na época, para a França, na semifinal. Reclamando muito da arbitragem, ele proferiu uma série de palavras de baixo calão, descritas pelos jornalistas portugueses como impronunciáveis. Esse seu lado controverso e não convencional, por outro lado, também rende boas histórias. Certa vez, Felipão encontrou Paulo Nunes, seu comandado no Palmeiras, saindo todo arrumado da concentração.
Nunes, conhecido por seu gosto pela boemia, era um dos poucos do time que não haviam entrado para o grupo de Atletas de Cristo. Ao saber que o atacante aceitara o convite dos colegas e pretendia participar de um culto, o chefe interferiu. “Paulo, você não! Precisamos de ao menos um maluco no grupo”, disse o treinador. Esse é o estilo Felipão, o CEO do Hexa. Que seja, mais uma vez, vencedor. Vai Brasil!
Colaboraram: Natália Flach e Ana Paula Machado
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