07/06/2013 - 21:00
Com cocares e pinturas de guerra, cerca de 140 índios da etnia munduruku lotaram o auditório do anexo do Palácio do Planalto na tarde da terça-feira 4, durante audiência com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Eles chegaram a Brasília pela manhã, num avião da Força Aérea Brasileira (FAB), embarcados diretamente do canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, que ocuparam durante oito dias. Os indígenas pediram ao governo que suspendesse os projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia até que um processo de consulta prévia fosse estabelecido. Os mundurukus tinham interesse especial nas três usinas previstas para o rio Tapajós, também no Estado do Pará.
Pressão em Brasília: índios fazem vigília na Praça dosTrês Poderes
Enquanto o grupo se reunia com o governo, outro conflito recrudescia em Sidrolândia (MS), com o ferimento a bala de Josiel Gabriel Alves, da etnia terena, durante enfrentamento com agricultores. Cinco dias antes, outro índio terena, Oziel Alves, havia sido morto em confronto com policiais federais que cumpriam a ordem de reintegração de posse da Fazenda Buriti. Em meio às mortes, a medida judicial foi suspensa e 110 homens da Força Nacional de Segurança foram enviados a Mato Grosso do Sul para pacificar a região. A presidenta Dilma Rousseff só se pronunciou sobre o caso na quarta-feira 5. Ela defendeu as negociações com as lideranças, mas deixou claro que a última palavra será da Justiça.
A presidenta Dilma Rousseff defende as negociações com os indígenas.
Porém, a palavra final, segunda ela, será da Justiça
“Nós sempre preferiremos processo negociais, mas cumpriremos todas as decisões judiciais”, disse. O conflito que deixou os limites do Pará e de Mato Grosso e chegou a Brasília na semana passada mostra que não será simples conciliar o desenvolvimento do País com a solução da questão indígena. As terras demarcadas ocupam hoje uma área de 110 milhões de hectares, o equivalente a 13% do território nacional — quase o dobro da área destinada à agricultura, de 7% do total. Os problemas estão principalmente em duas áreas: na agricultura e nas grandes usinas hidrelétricas, que vêm sendo cada vez mais levadas para o interior. Mas também podem atingir novas rodovias e ferrovias que atravessam justamente as novas áreas de produção agropecuária.
Do lado do agronegócio, os produtores rurais reclamam que as demarcações são feitas de maneira pouco criteriosa pela Fundação Nacional do Índio (Funai), favorecendo a expansão das terras indígenas sem ouvi-los. No caso das hidrelétricas, são os povos indígenas que reclamam da falta de diálogo antes de os empreendimentos começarem a ser licenciados, ignorando sua existência. Em ambos os casos, o resultado é o aumento da instabilidade para os investidores, que vivem sob a ameaça de paralisação de obras e perda dos direitos de propriedade. “Falta uma política clara de licenciamento que reduziria essa incerteza nos casos de disputa com indígenas, hoje tratados caso a caso pelo governo”, diz João Augusto de Castro Neves, analista de América Latina da consultoria americana Eurasia Group.
Usina da discórdia: canteiro de obras de Belo Monte foi ocupado por índios durante oito dias
No agronegócio, as invasões afastam o investimento e já derrubaram o preço das terras no entorno das áreas indígenas, de acordo com a Sociedade Rural Brasileira (SRB). O Mato Grosso do Sul, que responde por 11% da produção agrícola nacional, é o mais prejudicado com os enfrentamentos entre índios e produtores rurais. Segundo a entidade, há atualmente 65 fazendas invadidas por índios em 20 municípios do sul do Estado. Se todas as reivindicações que estão tramitando em órgãos forem concedidas, 40% de toda a área agrícola do Mato Grosso será destinada aos índios. “Isso vai mexer com cidades inteiras”, diz Cesário Ramalho da Silva, presidente da SRB, que lembra que no caso de demarcação indígena não há indenização sobre a propriedade, apenas o pagamento pelas benfeitorias.
O risco de conflito coloca em xeque a segurança jurídica também de novas usinas hidrelétricas, essenciais para garantir o fornecimento de energia e sustentar o crescimento da economia nos anos. Hoje, pelo menos cinco usinas em construção no Pará e outras três no Mato Grosso estão próximas de áreas indígenas. Dessas, três estão atrasadas, de acordo com relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel): Belo Monte (PA), São Manoel (PA/MT) e Teles Pires (PA/MT), em decorrência de paralisações para a realização de audiências públicas com as tribos dessas regiões. “Há um ganho enorme do ponto de vista ambiental em se construir essas hidrelétricas”, afirma o economista Cláudio Frischtak, da consultoria Inter B, de projetos de infraestrutura. “No entanto, às vezes o risco é tão grande que pode ser melhor deixar de fazer.” Um sinal de que o problema pode estar apenas no começo.