Anunciar cortes no Orçamento da União é uma praxe de todos os governos. A cada início de ano, uma cifra bilionária é fixada como símbolo do compromisso com a disciplina fiscal. 

Não foi diferente neste começo do mandato da presidente Dilma Rousseff. No entanto, ao revelar o tamanho do contingenciamento proposto, a equipe econômica da petista fez questão de acentuar as diferenças em relação às tesouradas anteriores. 

 

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O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e sua colega do Planejamento, Miriam Belchior, garantem

que os investimentos do PAC e do programa Minha Casa Minha Vida serão preservados

 

A começar pelo valor de R$ 50 bilhões, o equivalente a 1,2% do PIB estimado para 2011 e mais do que o dobro dos R$ 21,8 bilhões do ano passado. Por fim, pelo caráter “definitivo” do arrocho, conforme sinalizou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. “Queremos manter esse patamar até o fim do ano”, disse ele, ao anunciar a medida na quarta-feira 9, ao lado da ministra do Planejamento, Miriam Belchior. 

 

A cifra anunciada agradou ao mercado, que considerou o corte factível e em sintonia com o esforço para ajudar o Banco Central no combate à inflação e para baixar a taxa básica de juros – ou pelo menos ajudar a evitar novas elevações. 

 

Uma análise mais detalhada sobre o real comprometimento do governo com o equilíbrio das contas públicas, porém, só será possível quando ele mostrar onde pretende cortar despesas. O esforço fiscal atingirá todos os ministérios, que serão obrigados a “fazer mais com menos”, como diz a ministra do Planejamento. “Não será sem dor”, disse Miriam. 

 

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Gil Castel Branco: “O número é positivo, mas quero esperar o decreto

para ver quais despesas serão realmente cortadas”

 

Até sexta-feira 18, todas as pastas devem remeter ao Planejamento a lista de ações que serão preservadas e as que podem ser cortadas ou adiadas. “Todos terão de colaborar, inclusive nós”, disse Mantega, referindo-se à Fazenda e ao Planejamento. 

Pedir a colaboração dos ministérios para decidir onde cortar foi o modo encontrado pela presidente Dilma  de evitar que, ao menos por enquanto, os ministros se engalfinhem pela preservação de verbas em suas respectivas pastas. 

 

Neste início de governo, o que impera é o cumprimento da ordem presidencial de não reclamar em público e resolver conflitos internamente. De fato até agora, o desempenho da presidente na condução dessa delicada tarefa tem sido exemplar.

 

O desafio, apontam analistas, é encontrar onde reduzir gastos num orçamento engessado por despesas obrigatórias, em cuja destinação o governo não pode mexer. A margem de manobra está restrita, portanto, aos R$ 213,5 bilhões de despesas discricionárias (não obrigatórias). O restante está comprometido com gastos como pagamento de funcionários, juros da dívida, Previdência e repasse a Estados e municípios. 

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Como o governo já declarou intocáveis o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa Minha Vida, que juntos somam R$ 40,5 bilhões,  e programas sociais, como o Bolsa Família (R$ 13,4 bilhões), esse universo torna-se ainda mais limitado. 

 

Apesar das dúvidas, os sinais emitidos pelo governo agradaram ao mercado. “O número é positivo, mas quero esperar o decreto para ver quais despesas serão realmente cortadas”, diz o economista Gil Castelo Branco, coordenador da ONG Contas Abertas, que analisa a contabilidade do governo federal. 

 

A promessa do governo inclui reduzir gastos com carros e prédios administrativos, viagens  e com funcionários, suspendendo todas as contratações. “Se os cortes forem realmente concentrados em custeio, podem levar a uma necessidade menor de elevação de juros este ano”, afirma Felipe Salto, economista da consultoria Tendências. 

 

Não será tarefa trivial. O economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Mansueto de Almeida, não acha possível realizar um ajuste dessa magnitude sem cortar na carne, como aconteceu em 2003, quando 50% dos investimentos foram reduzidos. “É impossível reduzir gastos de custeio sem mexer em saúde, educação e gastos sociais que representam a maioria das despesas”, diz.

 

Mesmo sem o detalhamento, é certo que a tesoura atingirá com força as emendas parlamentares, um artifício tão eficiente quanto capaz de multiplicar insatisfações no Congresso, tanto na situação como na oposição. 

 

“Esse corte desmente o discurso do PT na campanha e reforça o que já havíamos denunciado: o governo passado vinha gastando de forma descontrolada”, afirmou o senador Aécio Neves, do PSDB mineiro.  O senador petista gaúcho Paulo Paim também reclama: “Os cortes foram precipitados. Muitas emendas foram encaminhadas e compromissos  assumidos.”

 

Para evitar as consequências mais indesejáveis dessa estratégia, o governo tomou alguns cuidados: deve cortar R$ 18 bilhões dos R$ 21 bilhões em emendas do Legislativo, mas de forma seletiva. 

 

No valor a ser podado, incluem-se emendas individuais de 224 deputados que não conseguiram se reeleger, o que soma R$ 2,9 bilhões. Serão preservadas as emendas individuais dos deputados e senadores reeleitos, especialmente das áreas de saúde e educação. 

 

Os líderes dos partidos aliados também já receberam a promessa de que haverá adiamento na liberação de verbas, mas alguns desembolsos serão feitos a partir de junho. 

 

Até o momento, a estratégia deu certo e os ânimos estão aparentemente calmos. “Estamos absorvendo essa questão do contingenciamento”,  diz o líder do PTB, o goiano Jovair Arantes. “Entendemos que o momento é de disciplina fiscal.”

 

Apesar do discurso de que não cortará um centavo do PAC, o governo conta com as dificuldades naturais no andamento das obras para economizar. Nos anos anteriores, o governo nunca conseguiu gastar mais do que três quartos do orçamento. 

 

Em 2010, apenas 68,1% dos R$ 32,4 bilhões previstos em obras foram desembolsados. Se o ritmo for o mesmo, já se tem aí R$ 10 bilhões em economia – mantendo o discurso de que o PAC foi preservado.