Em plena terça-feira 20, dia útil na Argentina, as ruas vazias davam à capital, Buenos Aires, um ar de feriado. Em todo o país, a situação era a mesma: comércio fechado, fábricas com as máquinas paradas e escolas sem aulas. Foi a primeira greve geral, em cinco anos, que, segundo as confederações sindicais, teve a adesão de quase 100% dos trabalhadores, mobilizados por reajustes de salários e aposentadorias, controle da inflação e revisão do sistema de cobrança do Imposto de Renda. Nos aeroportos, os voos das companhias argentinas foram cancelados e milhares de turistas, entre eles brasileiros que viajaram para o feriadão, tiveram de esperar para voltar para casa. 

 

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Paralisia econômica: a estação de trem vazia, em Buenos Aires, na terça 20, é a metáfora

da economia do país, que sofre com a falta de investimentos

 

Em vez do movimento habitual das lojas e dos restaurantes na capital portenha, o que os turistas viram foram pneus queimados em protesto contra o governo. Não foi exatamente uma surpresa. Os panelaços das últimas semanas já indicavam o fim da lua de mel com a presidenta Cristina Kirchner. Reeleita há pouco mais de um ano com 54% dos votos, o maior índice desde a redemocratização do país, ela viu sua popularidade cair rapidamente nos últimos meses. Uma das mais recentes pesquisas de opinião mostra uma aprovação de apenas 24% do seu governo. Pouco surpreendente para a responsável por uma economia que cresce em torno de 1,5%, com desemprego de 7,6% e uma inflação de 25%, a segunda maior do continente, depois da Venezuela. 

 

As fotos de uma estação de trem vazia em Buenos Aires, às três da tarde da terça-feira, são também uma metáfora do que acontece com a economia, que sofre com a falta dos investidores estrangeiros, depois de um histórico de intervenções e mudança de regras, como a reestatização da Repsol-YPF, em abril deste ano. Ainda assim, o país vizinho mantém uma importância enorme para o Brasil, não apenas pela proximidade geográfica e pela parceria no Mercosul, mas também porque se trata do terceiro maior mercado para os produtos brasileiros e destino de 7,5% de todas as exportações do País. No entanto, uma série de medidas arbitrárias tomadas por “La señora”, como é conhecida Cristina em seu país, como a exigência de uma autorização prévia para as importações, já reduziram em 20% os embarques brasileiros neste ano. 

 

O quadro pode piorar. Com uma balança comercial desfavorável em autopeças, a Argentina pretende renegociar o acordo automotivo com o Brasil e estabelecer cotas para a exportação de peças brasileiras. Para o economista Mauricio Claveri, da consultoria argentina Abeceb.com, as medidas intervencionistas da presidenta jogam contra ela mesma. “Isso tem contribuído para uma imagem de pouca segurança jurídica, que pode até respingar no Brasil”, diz Claveri. O consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério de Desenvol­vimento, concor­da.“Embora o Brasil seja um país muito mais atraente para o investimento, a imagem de toda a região pode 

ser afetada”, diz Barral.

 

As restrições às importações, tanto brasileiras como de outros países, tentam evitar, na verdade, uma crise nas contas externas da Argentina. Mas não agradam nem mesmo ao empresariado do país, a quem deveria proteger. O assunto deve permear o encontro promovido pela União Industrial Argentina (UIA), na terça e quarta-feira desta semana, quando a entidade comemora seus 125 anos. O evento, que contará com a participação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), vai discutir a relação entre os dois países 

e as vantagens da integração produtiva. A presidenta Dilma Rousseff deve participar do encontro, junto com o ministro do Desenvol­vimento, Fernando Pimentel, e das Relações Exteriores, Antônio Patriota. 

 

Apesar da irritação – entre os técnicos e ministros nas conversas informais, mas nunca externada oficialmente – do governo brasileiro com a Argentina, o discurso de Dilma deve focar na integração entre os dois países. Na avaliação, tanto do Planalto quanto dos empresários, a Argentina pode ser um parceiro difícil, mas é importante porque é o principal destino de manufaturados brasileiros. “Se abrirmos mão, vamos virar só um exportador de commodities”, afirma José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB). Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI, segue na mesma linha. “Mesmo com todas as dificuldades, a Argentina é um parceiro que interessa muito às empresas brasileiras”, diz Abijaodi. Ou seja, ruim com eles, pior sem eles.

 

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Do populismo kirchnerista à austeridade europeia

Por Carla Jimenez

 

A greve geral da semana passada, na Argentina, mostrou que a fórmula populista da presidenta Cristina Kirchner está sendo confrontada pela mesma população que a elegeu há exatos 13 meses, com 54% dos votos. Do outro lado do Oceano Atlântico, a presidenta Dilma Rousseff aproveitou a 22a Cúpula Iberoamericana, no dia 17, na cidade de Cadiz, na Espanha, para questionar outro modelo inócuo de governo: o corte de gastos excessivos adotado por países europeus para controlar a crise, que se arrasta há mais de três anos. “As políticas que só enfatizam a austeridade vêm mostrando seus limites”, discursou a presidenta, lembrando que essa postura rígida não diminuiu os déficits fiscais no Velho Continente. Dilma defendeu estímulos ao crescimento para restaurar a confiança e acertar o foco da retomada. 

 

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