Desde que foi decretada, em 2005, a quebra do Banco Santos tornou-se uma saga de batalhas nos tribunais. No período, o rombo de R$ 3,4 bilhões, dos quais R$ 1,41 bilhão já foi recuperado, motivou diversos imbróglios entre o fundador Edemar Cid Ferreira, os credores e o administrador da massa falida da instituição. Neste mês, essa história ganhará mais um capítulo. O que se espera, no entanto, é que os protagonistas não sejam os já costumeiros exércitos de advogados, mas sim, um outro público: os aficionados por arte, que disputarão 719 obras pertencentes ao acervo do ex-banqueiro.

Dividido em dois lotes, o leilão combinará lances virtuais e um pregão físico, marcado para terça-feira, 22, no Hotel Unique, em São Paulo. Entre outros itens, a coleção inclui quadros, esculturas, objetos de design e documentos históricos. A peça mais cara é a escultura Vestal Reclinada com Pássaro, de Victor Brecheret, avaliada pela bagatela de R$ 1,1 milhão. Outros destaques são a escultura Tríade Trindade, do brasileiro Tunga, e a pintura Composição, de Tomie Ohtake. O vasto acervo traz ainda curiosidades como uma carta do escritor francês Júlio Verne, de 1896, fotos de Marilyn Monroe e a declaração da maioridade de D. Pedro II.

“É um conjunto bem plural”, diz o leiloeiro Aloísio Cravo, que conduzirá o pregão. “O acervo tem peças que despertam a cobiça dos mais variados perfis de colecionadores.” O interesse pelo acervo, com valor mínimo de R$ 10 milhões, já se traduz em números. “Em média, nossos leilões têm 16 mil visitas. Nesse, já ultrapassamos cem mil”, diz Vinícius Villela, diretor da iArremate, empresa responsável pela plataforma virtual do leilão. “Os lotes têm raridades de artistas renomados que dificilmente estão disponíveis para compra.” Desde o início do mês, os colecionadores podem dar lances pelas obras. Até a quarta-feira, 16, a cifra total estava em R$ 13 milhões.

Esse será o primeiro leilão no Brasil como parte do processo para quitar as pendências com os 2.174 credores. Outras 62 peças foram leiloadas no exterior. Metade do saldo de R$ 72 milhões já foi repatriada. O destaque foi a tela Hannibal, de Jean-Michel Basquiat, arrematada por R$ 42 milhões, em Londres, no início do mês. A fonte não está esgotada. Outras obras, de maior valor, teriam sido enviadas por Ferreira ao exterior, após a intervenção do banco. Algumas peças estão sendo recuperadas em acordos com compradores e em cooperação com autoridades estrangeiras.

Outra parte da coleção está sob custódia de museus em São Paulo e em processo de avaliação para alienação em 2017. No mesmo estágio, à espera de autorização judicial, estão os imóveis do ex-banqueiro, avaliados em R$ 136 milhões. Entretanto, os embates judiciais seguem na pauta. Descontentes com Vânio Aguiar, administrador da massa falida da instituição, um grupo de credores aprovou, em maio, um plano para que o Credit Suisse assumisse a gestão dos ativos. A medida foi anulada pelo juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais, sob a alegação de que incluía benefícios ao ex-banqueiro.

Um dos termos permitia que Ferreira voltasse a morar em sua mansão de 4 mil metros quadrados, em São Paulo, de onde foi despejado em 2011. “Esse grupo de credores age, aparentemente, em comum acordo com os interesses do ex-controlador”, diz Vânio Aguiar, que costuma se referir a Ferreira apenas como “o falido”. “É natural que a falência resulte em questionamentos de todas as partes, mas esses recursos têm sido um dos obstáculos no processo.” O movimento mais recente envolve o novo leilão. Em recurso, o ex-banqueiro pediu a suspensão do pregão.

A alegação é de que a orientação judicial para que as obras também fossem avaliadas por um perito escolhido por ele não foi seguida. “Algumas obras ficaram com um preço abaixo de seu valor real”, diz Winther Rebello, advogado de Ferreira. Maior estrela do leilão, a escultura de Brecheret, por exemplo, valeria R$ 5 milhões. “Eles fizeram tudo por conta própria.” Outras ações correm em segredo de justiça. Uma delas envolve a condenação do ex-banqueiro, que foi anulada no ano passado e retornou à Justiça Federal. Ao que tudo indica, muitos lances ainda serão dados nessa disputa.