A crise na Europa tornou escasso o empréstimo para empresas globais, mas não para as companhias brasileiras de primeira linha. Somente nas duas primeiras semanas de janeiro, US$ 4,5 bilhões foram captados pelo Itaú Unibanco, Bradesco, Vale, Banco do Brasil, JBS e pelo Tesouro Nacional no mercado de bônus globais. “Diante das poucas opções com a crise na Europa, os investidores institucionais de fora estão em busca de diversificação e o Brasil é uma boa opção, por conta do cenário econômico estável”, diz Alexei Remizov, chefe de mercado de capitais para Brasil do HSBC em Nova York. Quadro semelhante, só na China. “Rússia, Índia e África do Sul são instáveis e só atraem quem quer mais risco”, afirma Remizov. Os compradores também mudaram. 

73.jpg 

 

Além dos tradicionais fundos americanos e europeus, investidores asiáticos passaram a ver oportunidades. “O apetite dos investidores chilenos também tem surpreendido”, afirma Remizov. A emissão mais recente foi anunciada na quarta-feira 18, quando a JBS informou que estava começando a captar US$ 400 milhões por meio de suas subsidiárias nos Estados Unidos. Até o fechamento desta edição a captação não havia sido concluída, e a remuneração não estava definida. No entanto, quem já captou vem pagando pouco. O Itaú Unibanco emitiu R$ 500 milhões com títulos de vencimento em 2021 na terça-feira 17, pagando 6% ao ano, abaixo dos 6,2% de junho de 2011. “Os juros estão perto dos mínimos históricos, apesar das incertezas nos mercados globais”, diz Pedro Bianchi, diretor do Bank of America Merrill Lynch. 

 

A Vale, por meio da subsidiária Vale Overseas, emitiu US$ 1 bilhão de bônus com vencimento em 2022 e juros de 4,525% ao ano. O Tesouro Nacional captou US$ 825 milhões com vencimento em 2021 com a menor remuneração da história, 3,449%. A demanda é tão sólida que surpreende os emissores. O Banco do Brasil lançou sua emissão no dia 12 de janeiro esperando captar US$ 500 milhões com bônus perpétuos, que não têm uma data de vencimento definida. Levantou US$ 1 bilhão, e havia apetite para US$ 6,3 bilhões, diz Ivan Monteiro, vice-presidente de finanças do BB. Mais surpreendente foi o apetite para um título de características inéditas. “Os investidores concordaram em mudar as regras da emissão, caso seja necessário que ela se adeque à Basileia 3”, diz Monteiro, referindo-se à nova regra de exigência de capital mínimo para os bancos. 

 

74.jpg

 

 

Traduzindo, os bônus podem ser considerados capital, e não dívida, o que pode reduzir sua remuneração. Até a migração da Basileia 3, o investidor que adquiriu os papéis vai receber 9,25% ao ano. “Outros bancos no mundo querem replicar esse modelo”, diz Monteiro. Outras grandes empresas, como a Petrobras, também preparam emissões. Braskem e o grupo Votorantim podem voltar ao mercado este ano, diz Bianchi. As estimativas são de que a cifra das captações externas repita os US$ 38,55 bilhões de 2011. Essencial para o caixa das empresas, a forte vinda de dólares terá um impacto reduzido no câmbio e, por consequência, na inflação. “As cotações não vão cair devido à entrada de recursos”, diz Sidnei Nehme, diretor executivo da corretora paulista NGO, especializada em câmbio. 

 

“Não podemos confundir essas captações com investimento”, diz. Segundo Nehme, o cenário para investimentos permanece pouco claro, não porque o Brasil não está bem, mas devido às dificuldades internacionais. Marlene Millan, diretora de câmbio do Bradesco e responsável pela captação de US$ 750 milhões realizada pelo banco no início do ano, confirma essa visão. A demanda está forte, os juros estão baixos, mas o bancão de Osasco teve de ter paciência antes de ver o dinheiro entrar no caixa. “Estávamos com a documentação pronta para a oferta desde o início do segundo semestre de 2011, mas ficamos aguardando a melhor janela de oportunidade para entrar no mercado internacional”, diz. 

 

Uma janela de oportunidade, explica Millan, são momentos sem notícias ruins, e esses períodos duram apenas um ou dois dias. Mesmo com dólares fartos, os bancos não deverão transformar esses recursos em combustível para uma expansão no crédito. Segundo Nicola Tingas, economista-chefe da Associação das Empresas de Crédito e Financiamento (Acrefi), os recursos de fora vão, principalmente, irrigar linhas de financiamento que estavam restritas, como as do comércio exterior. “O crédito ao consumidor está com boa oferta e seu crescimento depende muito mais da demanda e do comportamento da inadimplência do que da disponibilidade de recursos”, diz ele. “As captações não vão mudar esse quadro.”

 

75.jpg