26/06/2020 - 11:00
Um fato: boa parte da população começou a dar mais atenção às refeições. Reflexão trazida à força pela Covid-19, mas que já embalava o brasileiro – pesquisa Datafolha de 2019 mostra, por exemplo, que 72% das pessoas acreditam que os alimentos produzidos no País trazem mais agrotóxicos do que deveriam. A gigante americana de alimentos e bebidas Pepsico percebeu esse movimento rapidamente. O CEO da divisão de alimentos da companhia no Brasil, João Campos, diz que as vendas cresceram dois dígitos, na esteira do confinamento. E o desafio é justamente fidelizar esse público. “As pessoas retomaram hábitos de consumo em casa, principalmente pela manhã e no fim de tarde, o que alavancou vendas de aveia, achocolatados, snacks e biscoitos”, afirma o executivo. “E vamos crescer a partir da inovação de produtos com itens regionais.”
No primeiro trimestre deste ano, que inclui o início do isolamento social, na segunda quinzena de março, a Pepsico cresceu globalmente. A receita líquida no período alcançou US$ 13,9 bilhões de dólares, alta de 7,7% em relação aos três primeiros meses de 2019. Ainda assim, registrou queda no lucro de 5%, que fechou em US$ 1,34 bilhão no período. Hoje, o segmento alimentos representa 54% do total do faturamento e o de bebidas responde por 46%. O market share de 2019 seguiu o resultado de 2018, mas representou ligeiro crescimento da divisão alimentos em relação a 2017, quando representa 53%, ante 47% de bebidas.
Na América Latina, onde o Brasil é o segundo maior mercado (atrás do México), a receita do primeiro trimestre somando alimentos e bebidas representou 9,4% dos números globais (equivalente a R$ 6,74 bilhões) em vendas de salgadinhos, refrigerantes e outros alimentos. No mundo, o País representa a sexta operação da companhia.
Esse crescimento não é só regional.Nos Estados Unidos, matriz da companhia criada em 1965 a partir da junção da empresa fabricante da Pepsi-Cola com a Frito-Lay, responsável pela produção de batatas fritas e salgadinhos industrializados, como os conhecidos Cheetos e Fandangos, a Pepsico cresceu em todos os segmentos no primeiro trimestre deste ano. Ao comunicar o balanço dos primeiros três meses de 2020, o CEO global da Pepsico, o espanhol Ramon Laguarta, ratificou o aumento do consumo de aveia em todas as operações da companhia no mundo nas últimas semanas. E reforçou os desafios para reter esse consumidor quando a reabertura das economias pós-pandemia estiver mais consolidada.

Mas, no imaginário de muitos, falar em Pepsi é falar em refrigerante. E esse aumento de gás – financeiro – também alcançou o segmento, na luta eterna contra seu principal rival, a Coca-Cola. Neste segmento, a companhia cresceu 7,3% na receita na América do Norte (Estados Unidos, seu principal mercado, e Canadá), saindo de US$ 4,5 bilhões, no primeiro trimestre do ano passado, para US$ 4,8 bilhões neste ano. Somente o volume de vendas de bebidas da Pepsico nos Estados Unidos e Canadá é 3,7 vezes superior ao total do que é comercializado pela companhia na América Latina e representa a maior fatia no faturamento global, seguido pela venda de batatas fritas e salgadinhos na América do Norte. Apenas nos Estados Unidos os números são desmembrados, já que são unidades de negócios diferentes. Nos demais locais, os resultados correspondem à movimentação financeira de todos os tipos de produtos.
Em termos de comparação, a empresa do tradicional rótulo vermelho e rival da Pepsi-Cola fechou globalmente o trimestre com US$ 8,6 bilhões (R$ 44,29 bilhões) em vendas, com lucro de U$ 2,76 bilhões (R$ 14,2 bilhões) no período. Ainda assim, a Coca-Cola informou que o volume de vendas, desde o início de abril, caiu 25% em todo o mundo.
Durante anos, a Pepsico utilizou como marketing no Brasil a frase “Pode ser?”, em referência à primeira escolha do cliente ser associada à Coca-Cola. No caso de snacks e demais alimentos, a braçada é mais confortável. No Brasil, a Pepsico é líder no segmento de salgadinhos.
Para crescer de forma orgânica, um dos caminhos segue no desenvolvimento de novos produtos, menos calóricos e com utilização de ingredientes regionais e associados à busca pela qualidade de vida, como açaí, inhame e tapioca. Criado no fim de 2017 com investimentos de US$ 25 milhões, já na gestão de João Campos, o centro de inovação e pesquisas da Pepsico em Sorocaba (SP), tem papel fundamental nesse processo. “Temos 80 cientistas atuando não só no desenvolvimento de produtos com ingredientes regionais para levar para o mundo, mas também na garantia de itens mais saudáveis e com o mesmo sabor”, diz João Campos.

“A indústria retirou mais de 310 mil toneladas de gordura trans e 17 mil toneladas de sódio dos itens” João Dornellas, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos
A percepção da Pepsico em melhorar os índices caminham, de fato, na rota do sentimento do consumidor brasileiro. Pesquisa da consultoria Deloitte mostra que o mercado de snacks projeta faturamento de R$ 25 bilhões para este ano, com crescimento para itens que apresentam opções mais alinhadas com hábitos saudáveis. A avaliação é de Marcelo Soares, diretor de consultoria em estratégia da Deloitte. “O consumidor está tentando se informar melhor, mas ainda há dificuldade de compreensão do que está presente nos alimentos. Os rótulos precisam ficar mais claros e informativos.” Pelo estudo, chips e salgadinhos respondem por 18% deste mercado, e biscoitos doces, 51%.
Esse movimento em direção a alimentos mais saudáveis não são apenas iniciativas de empresas. Há questões regulatórias que obrigam a adoção de restrições a itens alimentares, como redução de sódio e gorduras nos alimentos, e de açúcar, em bebidas. Em dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 332/2019 que impõe limites no uso de gorduras trans industriais em alimentos. A intenção é banir, até 2023, o uso de gordura parcialmente hidrogenada.
Para o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas, a indústria vem fazendo sua parte para atingir essas metas até antes da decisão do governo federal em adotar prazos para reduções desses itens mais prejudiciais à saúde nos produtos. “Com a realização de acordos voluntários com o Ministério da Saúde, a indústria de alimentos e bebidas retirou mais de 310 mil toneladas de gorduras trans nos produtos e mais de 17 mil toneladas de sódio em 35 categorias de industrializados”, diz. Segundo ele, há o compromisso também da cadeia de retirar, até 2022, 144,6 mil toneladas de açúcar dos produtos oferecidos. “Essas ações mostram o comprometimento da indústria de alimentos com a saúde do consumidor”, afirma Dornellas.

Se por um lado a preocupação interna é com a produção de um portfólio mais saudável, no campo externo o problema é ainda maior, com boa parte da rede de pontos de vendas descapitalizada. Com o começo da flexibilização do isolamento social por todo o País vem a preocupação para a recuperação do fôlego financeiro dessa cadeia, que inclui bares, lanchonetes, padarias, mercearias e restaurantes. Para estimular o reaquecimento do comércio e, na prática, estender a mão aos que de fato vendem seus produtos ao consumidor final, oito companhias de alimentação e bebidas no Brasil – Ambev, Aurora Alimentos, BRF, Coca-Cola, Grupo Heineken, Mondelez International, Nestlé e Pepsico – planejam investir R$ 370 milhões, por meio do Movimento NÓS, para salvar 300 mil pequenos comércios no País, que empregam cerca de 1 milhão de pessoas. Na prática, são iniciativas mais de apoio do que de aporte de recursos aos estabelecimentos. Ainda assim, significaria o investimento médio de R$ 1,2 mil em cada um dos locais.
Entre as ações do movimento, estão garantir a reabertura segura, condições mais vantajosas para reabastecer estoques e ajudar no fortalecimento das relações entre os comércios locais, de bairros, com seus clientes. “Não podemos pensar apenas nos interesses individuais. Os pequenos varejistas são nossos parceiros e não podemos medir esforços para ajudá-los a superar essa crise”, diz a nota divulgada pelo grupo de oito CEOs fundadores da iniciativa.
João Campos afirma que o comerciante escolhe com quem precisa se conectar e cada uma das companhias apresenta uma oferta de auxílio. “Ela passa por desconto, prazo, uma saída para dar esse fôlego para que retome as operações”, afirma o CEO da divisão de alimentos da Pepsico no Brasil. O benefício, no caso da companhia, estende-se ao segmento de bebidas. A Pepsico também realizou doações de alimentos e bebidas e adiantou recursos financeiros para cooperativas de reciclagem que alcançam a cifra de R$ 6 milhões. Segundo a companhia, os produtos somam 1 milhão de unidades, equivalente a 13,5 toneladas, e irão beneficiar famílias afetadas pela Covid-19 em oito estados – Bahia, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe.

A companhia, que chegou ao Brasil em 1953 por meio da Pepsi (antes mesmo da criação da Pepsico), tem hoje 10 mil colaboradores, dos quais 90% seguiram atuando na linha da frente, nas 11 fábricas e 100 centros de distribuição no País. Cerca de 1 mil funcionários da área administrativa passaram a atuar no sistema remoto. “Contratamos temporariamente cerca de 500 para o lugar dos que estavam em grupos de risco, para áreas de fábricas e vendas”, diz João Campos. “Mudamos toda a operação da noite para o dia, com o propósito claro de proteger as pessoas.” Desde que a quarentena foi implementada no Brasil, a Pepsico passou a oferecer telemedicina aos funcionários, por meio de parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein.
E se talvez seja impossível comer um só, como diz o velho slogan da Elma-Chips – que integra o grupo –, ainda mais em tempos em que boa parte da família está reunida em casa, em quarentena, a certeza é de que as pessoas querem cada vez mais comer algo que seja um pouco menos prejudicial à saúde, ainda que não totalmente saudável. E essa lição a Pepsico parece já ter aprendido.
ENTREVISTA
João Campos, CEO da divisão de alimentos da Pepsico no Brasil

DINHEIRO – Como foi o impacto da Covid-19 para a operação da Pepsico?
JOÃO CAMPOS – Foi uma transformação enorme. A nossa primeira preocupação foi proteger as pessoas. Temos mais de 10 mil funcionários e 9 mil estão na linha de frente, em fábricas, ruas, distribuição e lojas. Esse foi o nosso grande foco. Fomos evoluindo os protocolos e colocamos, de forma muito rápida, cerca de 1 mil pessoas em home office, as que trabalham nos escritórios, além de afastar cerca de 500 pessoas, que estavam em grupos de riscos.
O balanço global da companhia aponta crescimento na venda de aveia nas últimas semanas. Como foi esse impacto no Brasil?
Esse movimento começou assim que as pessoas passaram a ficar em casa. O café da manhã e o lanche da tarde voltaram a fazer parte do hábito de consumo. Aveias, achocolatados, biscoitos e snacks estão indo muito bem e, em algumas categorias, o crescimento chegou a dois dígitos.
Como surgiu o Movimento NÓS e qual a participação de cada companhia?
Pensamos que se pudéssemos fazer juntos o propósito seria maior. Vamos nos unir para impactar 300 mil pontos de venda. São R$ 370 milhões em investimentos, que passam por três frentes: entregar kit de abertura (com máscaras e álcool em gel), conscientizar sobre como abrir o ponto de maneira segura e o plano comercial de cada empresa para oferecer ao ponto de venda. Aí ele escolhe com quem ele precisa se conectar e cada um tem o auxílio, que passa por desconto, prazo, para dar esse fôlego para retomar as operações.
Como foi a decisão de doar R$ 6 milhões em alimentos para famílias impactadas pela pandemia?
Um dos critérios foi trabalhar nas comunidades próximas às nossas operações. É importante ajudar onde a gente está presente. Muitos funcionários também participaram e isso nos deixa muito orgulhosos. O papel do segmento privado em ajudar nunca foi tão relevante.
Qual a participação do Brasil no mercado global da Pepsico?
Nós somos a sexta operação da companhia no mundo e nesse sentido temos um papel bastante importante na estratégia da empresa. Temos um potencial enorme e o Brasil representa uma enorme oportunidade de crescimento em todas as categorias.
Qual vai ser o papel do centro de pesquisa em Sorocaba (SP) no pós-pandemia?
Investir US$ 25 milhões em um centro de pesquisa no Brasil mostra o papel estratégico do País em levar esses sabores regionais para o mundo inteiro e garantir produtos mais saudáveis com o mesmo sabor. A partir desse centro é possível levar ingredientes como inhame, açaí e tapioca aos demais países.
Há quantos centros assim da Pepsico no mundo?
São só nove. O de Sorocaba tem 80 cientistas, que atuam também na redução de sódio, gordura e açúcar dos produtos. Vamos seguir melhorando nutricionalmente.