11/04/2012 - 21:00
Fundado em 1998, o Google se tornou em menos de 15 anos um império que tem valor de mercado superior a US$ 210 bilhões. No cerne do sucesso está seu revolucionário mecanismo de buscas. Foi a capacidade de oferecer um ranking isento e com os links mais relevantes para qualquer assunto buscado, bem como a de casar anúncios patrocinados a esses resultados, que trouxe glória e fortuna à empresa. Nos últimos meses, no entanto, seu horizonte, até aqui risonho e ensolarado, ficou carregado. Ao ingressar em novas frentes de negócios, o Google passou a ser concorrente dos mesmos sites que apresentava em seu mecanismo de busca, como canais ligados ao comércio eletrônico, turismo e localização de estabelecimentos comerciais.
No centro das atenções: acusações de suposto favorecimento aos próprios serviços já fez o Senado
dos EUA convocar o presidente do conselho do Google, Eric Schmidt.
A competição com os próprios clientes, algo incômodo e geralmente difícil de ser compatibilizado com as boas práticas de negócios, transformou a companhia em alvo de um número cada vez maior de acusações de concorrência desleal, seja nos Estados Unidos, seja na Europa, Ásia, África e, mais recentemente, no Brasil. Os processos geralmente se referem ao suposto favorecimento do Google aos seus próprios serviços. No Brasil, a polêmica surgiu por meio de uma representação encaminhada pelo Buscapé, o maior site de comparação de preços do País, à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. A empresa brasileira afirma que a companhia de Mountain View privilegia seu recém-lançado serviço de comparação de preços, o Google Shopping, em detrimento dos concorrentes.
“Nosso pleito pede apenas que o Google trate o Google Shopping com isonomia, como qualquer outro comparador de preços”, diz Rodrigo Borer, vice-presidente do Buscapé. “Se a ferramenta deles for a mais relevante, que esteja no topo. Não podemos concordar, no entanto, com um posicionamento artificial”. Em réplica enviada à SDE, o Google, além de refutar a suposta manipulação nos resultados, argumenta que não está alavancando um produto para obter vantagem em outro. “O Shopping não é um produto independente”, diz Carlos Félix Ximenes, diretor de comunicações e assuntos públicos do Google Brasil (leia entrevista ao final da reportagem). “É apenas um complemento do buscador.” A SDE ainda não se posicionou a respeito.
“O argumento do Google lembra o da Microsoft, que nos anos 1990 dizia que o Internet Explorer integrava o Windows, mas acabou derrotada na questão”, diz o advogado Cláudio Araújo Pinho, especialista em direito concorrencial. A batalha com o Buscapé é a parte mais visível do imbróglio concorrencial, mas o assunto não para por aí. Nos bastidores, outras empresas nacionais de internet dizem temer problemas do mesmo tipo. “Todo mundo morre de medo de brigar com o Google”, diz um conhecido empreendedor da internet brasileira que pediu para não ser identificado. Antônio Coelho, fundador do Já Cotei, site de comparação de preços que alega ter perdido mais de 25% do seu tráfego desde que o Google Shopping foi lançado, vai na mesma direção.
Jeremy Stoppelman CEO do Yelp.
“O Google se tornou uma potência por mérito, mas sua conduta recente tem nos assustado”, afirma Coelho. A preocupação se deve ao fato de que, para boa parte dos sites, o Google, cuja participação do segmento de busca no País supera os 90%, segundo a consultoria comScore, é uma importante fonte de audiência. Recente no Brasil, o tema mobiliza as atenções desde o ano passado nos EUA. Em depoimento prestado em 2011 ao comitê antitruste do Senado americano, Eric Schmidt, presidente do conselho do Google, negou qualquer tipo de manipulação.“Asseguro que não interferimos nos resultados”, disse. A defesa apresentada não convenceu os senadores. Na ocasião do depoimento, o democrata Richard Blumenthal comparou o Google ao dono de um hipódromo que, depois de anos organizando as corridas, decide competir com seus próprios cavalos, que acabam por ganhar sempre.
A analogia de Blumenthal está em linha com a gritaria de sites americanos como o Yelp, especializado em buscas locais, o Nextag, de comparação de preços, e a agência online de viagens Trip Advisor, que encaminharam a organismos internacionais de defesa da concorrência representações parecidas com a do Buscapé. “O Google tem se concentrado em ser um site de destino, e não apenas uma ferramenta de busca imparcial”, diz Jeremy Stoppelman, CEO do Yelp. Outro caso envolvendo a companhia de buscas veio a público em janeiro, no Quênia. Uma start-up local, chamada Mocality, flagrou o Google utilizando seu banco de dados de empresas, uma espécie de páginas amarelas online. O acervo era público.
O problema é que, munidos dessas informações, os funcionários do Google entravam em contato com os clientes e insinuavam que seriam parceiros do Mocality, quando na verdade não eram. Diziam também que o site queniano passaria a cobrar pelos serviços e que, por isso, o Google seria a melhor alternativa. Ao tomar conhecimento do caso, a direção global do buscador condenou a atitude de sua filial. Em um post na rede social Google+, o vice-presidente de produto e engenharia para Europa e Mercados Emergentes do Google, Nelson Mattos, disse que a empresa ficou chocada com a conduta. Como consequência, parte da equipe na região foi demitida. Trata-se de um episódio extremado e devidamente rechaçado pelo Google, mas que aguçou ainda mais os olhares para o seu comportamento, encorpando os argumentos dos que questionam sua ética particular de negócios.
“O Buscapé quer pegar carona no Google”
DINHEIRO – O Google favorece seus próprios serviços?
CARLOS FELIX XIMENES – Não. Quando mudamos um mercado, impactamos a lucratividade de outras empresas. Isso incomoda.
Carlos Felix Ximenes: diretor de comunicação e assuntos
públicos do Google Brasil.
Mas o centro das reclamações é uma suposta interferência nos resultados das buscas.
No caso do Buscapé, o argumento é que, por termos lançado o serviço de busca de produtos, estaríamos tirando mercado deles. Para esclarecer, é preciso compreender como o Google funciona e para que foi criado. Nossa proposta é organizar a informação. O Google Shopping é um complemento do Google Buscador. E os nossos concorrentes, como Bing e Yahoo, fazem a mesma coisa.
O sr. diz que os concorrentes fazem o mesmo, mas o Google detém mais de 90% das buscas.
Porque somos lideres, não podemos inovar?
O ponto é que, por dominar as buscas e concorrer com os sites, o Google é acusado de usar esse poder a seu favor.
Não. Ninguém é obrigado a usar o Google. O Buscapé precisa se enxergar como qualquer outra empresa. Eles têm de criar um programa de fortalecimento da imagem e otimização do site para merecer uma boa indexação nos buscadores. O Buscapé quer pegar carona no nosso buscador.