No dia 21 de outubro deste ano, o governador do Estado de Nova York, Andrew Cuomo, assinou uma lei que proíbe anúncios de aluguel de residências pelo período menor que 30 dias, quando o proprietário não estiver no imóvel. A medida foi um duro golpe no site Airbnb, cuja plataforma conta com milhares de anúncios deste tipo na “Big Apple”. Uma semana depois, a Justiça do Reino Unido decidiu que o serviço de carona paga Uber deve tratar os motoristas cadastrados no aplicativo como empregados e que eles têm direito a salário mínimo e a férias remuneradas.

Maiores expoentes da chamada economia compartilhada, o Airbnb e o Uber estão sob o cerco de legisladores ao redor do globo, que buscam formas de enquadrar seus serviços à lei e a ordem vigente. O aplicativo de mensagens WhatsApp e o serviço de streaming de vídeos Netflix são também alvos de empresas de telefonia e de tevê a cabo. “As plataformas de economia compartilhada desafiam as regras impostas”, diz Alexandre Pacheco, professor e coordenador do Grupo de Estudos em Pesquisa e Inovação da FGV-Direito/SP

Há pressões de todos os lados. Empresas que se sentem prejudicadas por esses novos serviços inovadores, como cadeias de hotéis e taxistas, se mobilizam para barrar os aplicativos. “Acreditamos que o crescimento do Airbnb sem a devida regulamentação represente uma ameaça para vários segmentos econômicos”, diz Alfredo Lopes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio de Janeiro (ABIH-RJ).

Os consumidores, por sua vez, veem uma oportunidade de obter um serviço melhor e a preços competitivos e migram para os apps de forma acelerada. Por essa razão, Uber e Airbnb contam com avaliações bilionárias de US$ 68 bilhões e US$ 25,5 bilhões, respectivamente. Como equacionar esse dilema?

“O Estado precisa intervir com o objetivo de deixar a disputa equânime entre o modelo tradicional e os novos serviços, buscando garantir as obrigações para com os clientes e o nível de recolhimento de impostos”, afirma Patrícia Peck, sócio da PPP Advogados, especialista em questões digitais. “Isso não quer dizer que precisamos retroceder.”

Dos Estados Unidos, passando pela Europa e chegando ao Brasil, a economia compartilhada está, à fórceps, passando por uma regulamentação cujo objetivo é dar mais equilíbrio à competição entre a velha e a nova economia. O Ministro do Turismo, Marx Beltrão, anunciou, no dia 27 de outubro, que a regulamentação do Airbnb está entre as prioridades de sua pasta. O governo não quer proibir o sistema, mas estuda uma possível tributação por meio do Simples, diferente daquela aplicada à indústria hoteleira.

O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Juarez Quadros, avalia também como regulamentar aplicativos, como o WhatsApp. “Os aplicativos não pagam impostos, não remuneram os detentores de conteúdos e não respeitam a Justiça”, disse Quadros à DINHEIRO, durante a Futurecom, evento do setor de telecomunicações, em outubro. “Por outro, o consumidor está satisfeito com eles.”

As empresas da economia compartilhada se defendem, alegando que seus negócios são legais e regulares. “Estamos sempre abertos a discutir os impactos gerados pelo sucesso da plataforma em cada mercado”, disse, por meio de um comunicado, o Airbnb. “Mas a discussão sobre novas regras não pode servir para criar barreiras à inovação e à concorrência, o que prejudica os consumidores e a sociedade.”

O Airbnb, segundo a nota, já pagou US$ 110 milhões em impostos desde 2014, em cidades que já regularam o serviço como Chicago, Londres, Paris, Amsterdã, Milão e Lisboa. No Brasil, não há esse imposto. O anfitrião paga ao governo apenas o Imposto de Renda como renda de locação.

Questionado, o Uber cita o Cade, órgão responsável por questões de concorrência no Brasil, que avaliou que “a inovação que a tecnologia trouxe neste segmento acabou aumentando este mercado”. Sobre questões trabalhistas, a empresa afirma que “não é o Uber que contrata os motoristas, mas sim os motoristas que contratam o Uber“.

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A lei é dura, mas é a lei

Confira algumas decisões que regulamentam serviços da economia compartilhada ao redor do mundo:

Estados Unidos

• O Uber tentou pagar US$ 100 milhões a motoristas dos Estados de Massachusetts e Califórnia que requerem reconhecimento como funcionários. A Justiça recusou o acordo em agosto, por ser muito abaixo dos US$ 854 milhões que a empresa pagaria a milhares de motoristas, caso perdesse a ação que pede reconhecimento enquanto funcionários

• No Estado de Nova York, nos Estados Unidos, o governador Andrew Cuomo assinou no dia 21 de outubro uma lei que restringe o anúncio de aluguel por período menor que 30 dias, atingindo diretamente o Airbnb. A empresa entrou na Justiça e está negociando com o Estado

Brasil

• Correm três ações na Justiça contra o Uber, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Um grupo de nove motoristas exige o reconhecimento do vínculo empregatício com o aplicativo americano.

• A Prefeitura de São Paulo promulgou decreto autorizando o transporte por meio de aplicativos como Uber e Cabify. As empresas são obrigadas a pagar concessão por km rodado com passageiro que custa, em média R$ 0,10

Europa

• No dia 28 de outubro, um tribunal decidiu que os motoristas do Uber no Reino Unido são funcionários da empresa e não prestadores de serviço, com direito a salário mínimo e a férias remuneradas. O Uber vai recorrer contra a decisão

• Em setembro de 2016, a União Europeia afirmou que vai estender as regras aplicadas às empresas de telecomunicações aos aplicativos como WhatsApp, Skype e Face Time (Apple). O objetivo seria garantir a segurança na troca de mensagens e exigir plano de contingência dos aplicativos.

• Em outubro de 2015, a Prefeitura de Paris fechou um acordo com o Airbnb pelo qual a startup pagaria uma taxa de 0,83 euros por noite e por hóspede que encontrou acomodação por meio da plataforma na cidade