No filme Campo dos sonhos, de 1989, estrelado pelo ator americano Kevin Costner, um fazendeiro resolve construir um campo de beisebol em suas terras depois de ouvir vozes que diziam: “Se você construir, ele virá.” Ele acreditava que, ao abrir mão de parte de sua plantação de milho, ressuscitaria o lendário Shoeless Joe Jackson, considerado um dos melhores jogadores do esporte nos Estados Unidos, o que acabou acontecendo. Situação semelhante – mas com um desfecho, em princípio, bem diferente – está ocorrendo no Brasil com as empresas sucroalcooleiras. Assim como Ray Kinsella, o fazendeiro da ficção hollywoodiana, executivos de companhias como Cosan, São Martinho, Guarani, ETH e Paraíso foram convencidos pela empresa americana de biotecnologia Amyris a investir em um tipo de negócio revolucionário. 

 

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Energia verde: a cana-de-açúcar é a base para a produção do farneseno, insumo

que abre um novo mercado aos usineiros

 

Tratava-se da produção de farneseno, uma molécula modificada a partir de leveduras em contato com o açúcar da cana, que pode dar origem a um diesel de origem vegetal semelhante ao combustível fóssil. Ela também pode ser usada como componente para a fabricação de pneus, plástico, sabão em pó, lubrificantes automotivos e até cosméticos. O atrativo para essas empresas foram as perspectivas de lucro propagadas pelo CEO da Amyris, o americano John Melo. O que parecia ser um negócio dos sonhos acabou se transformando em um pesadelo para a Amyris, cuja sede fica em Emeryville, no Vale do Silício. Os projetos com as usinas brasileiras não andaram na velocidade esperada por Melo. 


A fábrica de farneseno que estava sendo construída em Pradópolis, interior de São Paulo, com a usina São Martinho, foi interrompida com as obras pela metade. Prevista para ser inaugurada neste ano, só deve ser concluída em 2015. A joint venture com a Cosan ainda não decolou. Segundo a empresa controlada pelo empresário Rubens Ometto, o projeto encontra-se em fase de pesquisa e desenvolvimento. Guarani e ETH, do grupo Odebrecht, não quiseram se pronunciar, apenas confirmaram que os acordos de desenvolvimento de produtos a partir do farneseno estão parados. Só o projeto com a Paraíso Bioenergia, o menor de todos, avançou. A previsão, afirma Dario Costa Gaeta, presidente da Paraíso, é começar a produzir o insumo no primeiro semestre de 2013. 

 

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“Houve um atraso na produção e o mercado ficou pessimista”, afirma Gaeta. O executivo, no entanto, estima que, nos próximos anos, o farneseno vai concentrar até 30% da produção de cana no País. Esses contratempos poderiam ser considerados normais, em especial para uma indústria de ponta, como é o caso da Amyris, que está na vanguarda da pesquisa biotecnológica. O problema é que Melo fez previsões otimistas demais. De acordo com ele, seriam fabricados nove milhões de litros do produto em 2011. Mas apenas 1,3 milhão de litros saíram de uma unidade que a companhia opera nos EUA. Neste ano, ele acreditava que a produção da molécula chegaria a 50 milhões de litros. Baseados nesses dados, os investidores apostaram pesado na Amyris. 

 

Cinco meses após abrir o seu capital na bolsa eletrônica americana Nasdaq, em setembro de 2010, os papéis da Amyris chegaram a ser cotados em US$ 33, quase o dobro do valor inicial. Neste ano, com o indício de que as promessas não seriam cumpridas, eles desabaram 72%, sendo vendidos a US$ 2,97 no pregão de 18 de dezembro. Procurada, a Amyris não quis se pronunciar. Para minimizar os efeitos do atraso de produção – e não perder a credibilidade –, Melo alugou galpões em Piracicaba, no interior de São Paulo. Nesse local, ele instalou uma fábrica improvisada, com grandes tonéis para a fermentação da cana. O pequeno volume de insumo produzido foi colocado à venda no mercado por US$ 7,80, um valor que não cobria todos os custos da Amyris, de acordo com a revista americana Fast Company. 

 

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Otimista demais: John Melo, CEO da Amyris, ganhou a confiança

dos investidores, mas não cumpriu suas promessas 

 

Melo mais uma vez teve de enfrentar a realidade dos fatos e anunciou que deixará esse promissor mercado. “Eles tomaram a decisão acertada ao deixar o mercado de combustíveis”, afirma Gaeta, da Paraíso. “Existem setores mais rentáveis para o farneseno.” Entre eles está o de cosméticos. Em 2011, o presidente da usina São Martinho, Fábio Venturelli, disse que toda a produção prevista para 2012 já estava vendida para clientes como a francesa L’Oréal e a americana P&G. Procurada, a empresa não informou se esses contratos são válidos. Se a Amyris conseguir vencer esse pesadelo inicial em suas operações – cujo faturamento foi de US$ 146 milhões em 2011, mas com prejuízo de US$ 179,5 milhões –, ela poderá inverter a lógica de que uma usina de cana-de-açúcar produza apenas etanol e açúcar. 

 

Afinal, pelo menos em seus primeiros tempos, em 2002 , a Amyris foi bafejada pela sorte e é possível que ela volte a lhe sorrir. A empresa foi formada a partir do trabalho de um grupo de cinco cientistas que estavam pesquisando a cura para a malária, com apoio financeiro da fundação Bill e Melinda Gates, do bilionário Bill Gates, fundador da Microsoft. Nesse processo, eles descobriram que a tecnologia desenvolvida na pesquisa poderia ser usada para outros fins. A ideia de entrar no mercado de biodiesel surgiu quatro anos depois e atraiu diversos investidores, entre eles Vinod Khosla, entusiasta de tecnologias verdes, do Khosla Ventures. A Votorantim Novos Negócios e o grupo brasileiro Cornélio Brennand, de Pernambuco, também apostam na empresa.

 

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