No mundo do vinho, o Chile se diferencia dos demais países por suas peculiaridades. Com solo rico em cobre e parreirais geograficamente isolados pelos limites do Oceano Pacífico, da Cordilheira dos Andes e do Deserto do Atacama, ele foi um dos raríssimos locais a não sofrer com o flagelo da filoxera, a praga que dizimou vinhedos de toda a Europa em meados do século 19. Imune à devastação, o Chile não apenas salvou a vitivinicultura mundial ao fornecer mudas de videiras para os demais países produtores. Ele se tornou o maior exportador global de vinho no critério volume. Em 2020, 53 milhões de caixas (com seis garrafas cada) foram despachadas para o exterior por 347 empresas chilenas. Juntas, elas faturaram quase US$ 1,5 bilhão.

Segundo dados da Wines of Chile, entidade que congrega o setor no país, nada menos que 23,2 milhões de taças de vinho chileno são bebidas a cada dia no mundo. Uma das razões para isso é o preço. Em média, uma caixa de vinho chileno custa US$ 27,70 (ou US$ 4,61 por garrafa). O lado ruim disso é que, embora lidere em volume, o país fica no sétimo lugar quando se leva em conta a receita gerada pelas exportações do setor. Para melhorar essa posição, os produtores querem agregar valor aos seus rótulos. “É importante ser líder em imagem, algo que se constrói com vinhos de alta qualidade”, afirmou à DINHEIRO a diretora comercial da Wines of Chile, Angelica Valenzuela. “Muita gente ainda não conhece os produtos de 90 pontos ou mais.”

Divulgação CONCHA Y TORO A empresa que controla a maior importadora de vinhos do Brasil é também líder em produtos de alta gama e maior valor. (Crédito:Divulgação)

A mudança de percepção que ela pretende gerar tem como foco prioritário o Brasil, mercado que mais importou vinho chileno no ano passado. Foram 8,3 milhões de caixas (15,7% do total exportado pelo Chile), que somaram US$ 183,8 milhões. Embora as importações brasileiras em 2020 tenham aumentando 39,3% na comparação com o ano anterior, o preço médio caiu 11,1%, com uma média de US$ 22,1 por caixa. Em 2013, o valor era US$ 29,2. “Nos últimos anos o Brasil foi o mercado mais importante para o Chile, mas o segmento ultrapremium representa apenas 1% das vendas. Queremos chegar a 7%”, disse Valenzuela.

Entre os desafios para alcançar essa ambiciosa meta está o câmbio, que não tem sido favorável a produtos importados. Para compensar essa desvantagem, a Wines of Chile criou uma estratégia que prevê a valorização de atributos como qualidade, sustentabilidade e inovação. “Vamos buscar maneiras de educar o consumidor”, afirmou a diretora comercial da entidade.

PROVA DE BERLIM Em janeiro de 2004, o produtor chileno Edward Chadwick revolucionou a imagem do vinho de seu país ao criar um evento tão ousado quanto educativo. Ele reuniu 36 dos mais influentes críticos e especialistas para degustar às cegas vinhos de sua autoria e compará-los com grandes rótulos da França e da Itália. A Prova de Berlim, como ficou conhecida, colocou lado a lado ícones da região de Bordeaux, como Château Lafite, Château Margaux, Château Latour, e os italianos Tignanello, Sassicaia, Solaia e Guado al Tasso. Para surpresa geral, os chilenos Viñedo Chadwick 2000 (produzido pela Viña Errázuriz no Valle del Maipo), e Seña 2001 foram selecionados em primeiro e segundo lugar, respectivamente. Em terceiro lugar ficou o Château Lafite 2000. Mais do que uma decisão histórica, o resultado comprovou que os vinhos do Chile podem se igualar ou superar alguns dos mais prestigiados da Europa, mesmo custando uma fração do preço. Na ocasião, o crítico inglês Steven Spurrier, que em 1976 havia comparado vinhos franceses e californianos na célebre Prova de Paris (em que os franceses levaram a pior), escreveu o seguinte comentário sobre a iniciativa de Chadwick: “Foi uma experiência pedagógica muito além do que ele havia planejado, pois não só educou as pessoas presentes na sala como o mundo inteiro”.

Sebastian Utreras

“Nos últimos anos, o Brasil foi o mercado mais importante para o Chile, mas o segmento ultrapremium representa apenas 1%. Queremos chegar a 7%” Angelica Valenzuela diretora comercial da Wines of Chile.

O passar dos anos confirmou que não são apenas os vinhos chilenos consagrados em Berlim que merecem elogios da crítica. Famosa por seus “reservados” que chegam ao mercado brasileiro por preços bastante competitivos, a Viña Concha y Toro, que controla a maior importadora de vinhos do Brasil, possui em seu portfólio alguns dos produtos de alta gama com os quais Angelica Valenzuela quer mudar a imagem do Chile. Recentemente, a empresa divulgou por aqui os rótulos que integram sua exclusiva seleção The Cellars Colection. Fazem parte o Carmin de Peumo (95 pontos pela revista Adega) e o Gravas del Maipo (95 pontos pelo Guia Descorchados). Para a Wines of Chile, é com produtos assim que a percepção de qualidade poderá alcançar novos patamares. Acima deles estão os ícones, caso dos cobiçados Almaviva (feito em parceria pela Concha y Toro com a família Rothschild) e Don Melchor (também criado pela Concha y Toro e hoje a cargo de uma vinícola excusiva dentro do grupo). Ambos já obtiveram 100 pontos em avaliações de críticos influentes e são regularmente citados pela imprensa especializada como exemplos daquilo que de melhor a América do Sul produz.

BRANCOS E ROSÉS Reforçar a percepção de qualidade é um dos pontos-chave da estratégia de agregar valor ao vinho chileno, mas não é o único. A ela se soma uma questão que tem ganhado relevância entre os consumidores: a sustentabilidade. A demanda por produtos que respeitem o meio ambiente e beneficiem as comunidades tem redefinido os apelos de venda de todas as categorias de produtos. Não é diferente no vinho. Criada em 2020, a vinícola Veroni entendeu essa realidade e buscou o certificado Fairtrade International, organização reconhecida por fomentar melhores condições de trabalho para produtores de países em desenvolvimento. Segundo a empresa, 70% de seu quadro de colaboradores é formado por mulheres. A Veroni também se encaixa em outro pilar do programa da Wines of Chile para o Brasil: a diversidade de estilos. “Temos o desafio de incrementar o consumo de brancos e rosados. Mesmo em um país quente, o brasileiro consome mais tintos”, disse Valenzuela.

Divulgação SUSTENTÁVEL E INOVADOR O Veroni Rosé, criado para atender aos millenials e entrantes no mundo do vinho, obteve o certificado Fairtrade Interntional por fomentar melhores condições de trabalho na cadeia produtiva do vinho. (Crédito:Divulgação)

Isso está mudando. Segundo dados da Ideal Consulting, o consumo de vinho rosé no País saltou de 1 milhão de litros em 2014 para 5 milhões de litros em 2018. Para o CEO da Veroni, Leonardo Mencarini, os millennials e entrantes no mundo do vinho são muito mais abertos para novos estilos e experiências. “Esse público está crescendo de forma exponencial e já representa uma participação significativa do consumo”, disse. Além de pegar carona no boom do vinho rose, a Veroni está desenvolvendo um novo rótulo para o próximo verão.

A ofensiva chilena sobre o crescente mercado consumidor no Brasil se justifica também pelos números. Enquanto por aqui as vendas da bebida seguem em elevação, com alta de 38,9% no primeiro semestre deste ano na comparação com 2020, a China, que é o maior mercado para o Chile em valores, tem comprado menos. No ano passado a queda foi de 26%. Não é por acaso que vem aí a terceira edição do Wines of Chile on the Road, evento que combina uma feira virtual com apresentações pensadas para os profissionais do setor e masterclasses temáticas a cargo de dois experts: o tricampeão brasileiro de sommellerie Diego Arrebola e a gerente de experiências da Evino, Jessica Marinzeck. “Com a pandemia, deixamos de receber turistas nas vinícolas. Mas os canais de venda mudaram e o e-commerce ganhou muita força. Por isso planejamos eventos on-line no Brasil, enquanto aguardamos que os presenciais possam ser realizados”, afirmou Valenzuela.

“LUXURY TASTINGS” – Para apresentar melhor as qualidades dos vinhos ícones de seu país ao público brasileiro que ainda não as conhece, a Wines of Chile criou o programa Luxury Tastings. Em uma série de 12 lives promovidas a partir de encontros na sede da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo e no restaurante Bazzar, no Rio de Janeiro, a entidade reúne cerca de 15 das principais vinícolas chilenas, entre elas Casa Silva, Concha y Toro, Los Boldos, Santa Carolina, Santa Rita, Ventisquero, Viña Carmen, Viña Vik e Viu Manent. Ao todo, cerca de 60 rótulos serão degustados e comentados por especialistas, reunidos pela primeira vez num grande evento on-line. As lives são transmitidas nas páginas do Wines of Chile Luxury Tastings no Facebook e no Youtube, onde os conteúdos podem ser acessados a qualquer momento. A programação, que teve início em junho, será retomada no dia 11 de agosto. E, para encerrar com chave de ouro, haverá um jantar de gala para convidados no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, no dia 30 de setembro. Segundo a Wines of Chile, estarão presentes os “ícones dos ícones”.