Daqui a um mês, exatamente no primeiro dia de abril, a Índia vai passar a China em número de habitantes, segundo as projeções demográficas oficiais da ONU. No campo econômico, ela já superou a Inglaterra e se tornou o quinto maior PIB do mundo (2021, World Bank). Não é pouca coisa. Ao mesmo tempo, de forma isolada esses dois dados não significam nada. Há sinais opostos na narrativa. Pelo lado positivo, é inescapável a qualquer player do xadrez global um mercado consumidor de 1,4 bilhão de pessoas muito mais poroso ao mundo ocidental que a China. Isso já traz dinâmicas que movimentam números expressivos, tornando a Índia o segundo maior consumidor mundial de aço e o terceiro maior de grãos. Pelo lado negativo, sua trajetória ainda segue uma cartilha bem brasileira e aparentemente paradoxal: cresce potencializando a pobreza. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), está na 132ª posição, atrás de todos os pares de Brics. E a quantidade de indianos que vive com até US$ 2,15 por dia bate em 140 milhões de pessoas — 100 vezes mais que na China. Em resumo, um lugar muito rico e ainda muito mais pobre. Dicotomia que bem conhecemos, mas em volumes muito superiores aos nossos.

É isso que começa a moldar a fase atual da economia Brics. Se juntarmos os dados de seus cinco integrantes há uma espécie de nova ordem a ser construída. No PIB, essa galera de países soma 33% da economia mundial (contra 42% das economias desenvolvidas) e deve crescer em média 4,7% entre 2022-2026 (contra 2,1% dos ricos). Isoladamente, porém, nada iguala uns aos outros. Chineses e indianos brigam por fronteiras, ambos não têm nada a ver com russos, que desconhecem a África do Sul, que em pouco se assemelha ao Brasil — e este, por sua vez, desconhece igualmente e na mesma proporção todos eles. Esse imenso pagode (arquitetônico e não musical) irá costurar seus projetos estratégicos a partir de uma instituição com apenas oito anos de vida e que deverá ser decisiva nos caminhos de equilibrar economias e fazer do crescimento do bloco algo harmônico: o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), o banco do Brics.

Países do Brics têm 42% do PIB global — mas a China sozinha representa 72% da economia do bloco

Até quarta-feira (22) ainda era presidido por Marcos Troyjo, mas deverá ter Dilma Rousseff à frente. Existe um evidente potencial de crescimento econômico e de conquista de espaço nas relações geopolíticas globais para os cinco países do bloco. Mas isso somente irá vingar caso ocorra uma improvável harmonização de crescimento entre seus integrantes e acordos estratégicos que extrapolem o bloco. Hoje, a China disparou. Seu PIB de US$ 17,7 trilhões (dados sempre de 2021) representa 72% do total da turma ­— Índia (US$ 3,2 trilhões), Rússia (US$ 1,8 trilhão), Brasil (US$ 1,6 trilhão) e África do Sul (US$ 420 bilhões) vêm muito atrás. No campo do PIB per capita a disparidade também é profunda. No alto temos China (US$ 12.556) e Rússia (US$ 12.195). No meio, Brasil (US$ 7.507) e África do Sul (US$ 7.055). No fim, bem distante, a Índia (US$ 2.256). Outro dado que mostra muito como cada um lidou com problemas que eram parecidos havia poucas décadas é o acesso a saneamento básico (água e esgoto). Nas China, atinge 70% da população. Cai para 61% na Rússia, 49% no Brasil, 46% na Índia e para a África do Sul nem dados confiáveis disponíveis existem. As disparidades ocorrem em todas as linhas. De expectativa de vida à formação educacional. De número de patentes a avanços tecnológicos. De cadeias para veículos elétricos a infraestrutura e logística funcionais.

Na prática, a China avança, a Índia ganha tração pela população e PIB em alta e o resto tenta chegar. Um bloco com esse nível de estresse não irá gerar oportunidade, e sim desperdício. Mesmo nesse contexto, porém, o Brasil de Lula III tem tudo para fazer de 2023/24 um biênio de golaço. E a resposta, nesse caso, não estará na diplomacia ou nos palcos internacionais de que nosso presidente tanto gosta. Estará dentro de casa. Ela se resume a doses generosas de bons modos fiscais, elegância inflacionária e educação reformista. Ou isso ou outra década perdida. Com ou sem Brics como protagonista global.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.