As recentes declarações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, trazem um tom de desabafo. Deixam escapar, com maior frequência, a impressão de um profissional exausto, cansado de repetir diversas vezes os mesmos argumentos para tentar convencer parlamentares e membros do Executivo da importância das reformas que permitam garantir a solidez do Estado. Prestes a completar um ano no cargo, Levy parece, no entanto, mais próximo da estaca zero, lutando pela aprovação de medidas essenciais para estancar a piora das finanças públicas.

A demora em concretizar as alternativas coloca a equipe econômica na constrangedora posição de admitir novas derrotas. Sem poder contar com boa parte do pacote de ajuste, o governo oficializou na terça-feira 27 a previsão de encerrar o ano com um déficit de ao menos R$ 48,9 bilhões, o segundo seguido. Se incluídas as pedaladas, o rombo pode superar R$ 100 bilhões. Mais do que escancarar a dificuldade de um acerto político para a questão fiscal, a cifra lança uma ameaça sobre a meta de superávit de 2016 e eleva o risco de que o País perca o grau de investimento por mais uma agência de classificação.

Na terça-feira 27, em apresentação a executivos, em São Paulo, Levy ponderou que a situação ainda não é de desorganização generalizada, mas alertou que há um limite para a resistência da economia. “Precisamos ter coragem de dar uma sacudida geral na economia”, afirmou Levy. “Cada dia que passa sem ter uma solução tem um custo.” O ministro cobrou mais clareza dos partidos da base sobre as medidas, citando as alterações no projeto de repatriação de recursos do exterior que ajudaria a formar um fundo para a reforma do ICMS, colocando fim à guerra fiscal.

“O projeto está virando outra coisa muito diferente.” Trata-se de apenas um exemplo das dificuldades enfrentadas por Levy no Congresso. Desde o início do ano, parlamentares vêm impondo derrotas seguidas às propostas econômicas, como a resistência em aprovar a CPMF , as mudanças feitas no projeto de reforma do sistema de pensões, o fim do fator previdenciário, além da ameaça de derrubar vetos da chamada pauta-bomba. O documento com a nova meta fiscal, enviado ao Congresso no mesmo dia em que o ministro esteve em São Paulo, expressa o desânimo da equipe econômica.

Destaca, por exemplo, a dependência da aprovação da reforma do Conselho Administrativo da Receita Federal (Carf) pelo Congresso e os riscos de um novo rebaixamento da economia brasileira. Como alerta, o texto traz dados que mostram como os países que perderam o selo de bom pagador tiveram uma queda de 65% no volume de investimentos diretos e de 98% nos ingressos financeiros. O documento tenta mostrar que a previsão de déficit se deu como consequência da recessão e que o limite de cortes possíveis foi atingido.

“Um novo contingenciamento criaria sérios riscos ao funcionamento de cada ministério”, afirma o texto. Levy prefere usar a linguagem do mercado para esclarecer o esforço: “Para quem gosta dessa metáfora shakesperiana de cortar na carne, nós cortamos na carne.” A nova meta negativa da União, de R$ 51,8 bilhões, representa um déficit de 0,9% do PIB. Se combinada com um esforço de poupança de R$ 2,9 bilhões por parte de Estados e municípios, levará a um rombo total de R$ 48,9 bilhões, ou 0,85% do PIB, ante 0,8% de superávit previsto anteriormente.

O buraco, porém, pode ser bem maior porque o cálculo inclui R$ 11 bilhões em receitas previstas com o leilão de hidrelétricas, que podem não se confirmar. Além disso, o governo deixou aberta a possibilidade de regularizar débitos acumulados com o BNDES e outros programas oficiais do passado, prática que ficou conhecida como “pedaladas fiscais”. O passivo é estimado em R$ 55 bilhões. Para Monica de Bolle, do Instituto Peterson de Economia Internacional, o anúncio praticamente sela um novo rebaixamento da nota brasileira e a perda do grau de investimento por mais uma agência de classificação de risco.

“O problema é que, agora, para alcançar a meta de 0,7% de superávit em 2016, o governo terá de fazer um esforço de quase 2% do PIB”, afirma Monica. “A saída para a questão fiscal não depende dos economistas, só da política.” Para o diretor da consultoria de riscos políticos Eurasia Group, João Augusto de Castro Neves, a política brasileira enfrenta uma tempestade perfeita que deve atingir seu auge no primeiro semestre de 2016. “O governo teria de apresentar junto com o déficit reformas para o longo prazo, para criar um argumento positivo”, afirma Neves.

“O problema é que para isso precisaria de liderança política.” A fragilidade do Planalto deixa margem para uma hostilidade maior a um ministro que precisa aprovar medidas impopulares. E não é só no Congresso que o complexo jogo da política pesa contra o Levy. O ministro tem sido alvo de membros do PT que discordam da condução da política econômica. Em meio aos ataques, sua permanência no cargo é fonte de dúvidas. Na quarta-feira 28, em entrevista a rede CNN, Levy teve de negar mais uma vez que tenha intenção de deixar o governo. Na quinta-feira 29, em reunião do diretório do PT, o ex-presidente Lula fez um mea culpa sobre a política econômica e saiu em defesa do ministro.

“Tem companheiro que fala fora Levy com a mesma facilidade com que falávamos fora FMI”, disse Lula. “Não é a mesma coisa.” O semblante de exaustão do titular da Fazenda é o retrato de toda uma economia cansada, à espera de um acerto político capaz de deixar a atividade destravar de vez. “Não vejo um cenário melhor até o final de 2016”, afirma Fernando Freitas, diretor financeiro da Red Bull. “Anunciar o Orçamento com déficit nos passa uma péssima impressão.” Uma das principais preocupações das empresas é a tendência do dólar, que também reflete o cenário de incertezas.

Na quarta-feira 28, o Banco Central americano (Federal Reserve) sinalizou que pode subir os juros em dezembro. O movimento coloca mais pressão sobre as moedas de emergentes porque provoca uma saîda de recursos de investidores. O presidente do Conselho de Administração da JBS, Joesley Batista, prevê um cenário de alta continuada do dólar, influenciada também pela desaceleração da China. “Para nós, 10% do impacto do câmbio tem a ver com o problema político e 90% com a China”, diz Batista. A JBS deve aproveitar a desvalorização do real para focar as aquisições no Brasil.

Já a BRF, ao mesmo tempo em que se beneficia da alta do dólar no exterior, demonstra preocupação com os custos em moeda estrangeira. “Temos uma pressão de custo das commodities”, diz Pedro Faria, presidente da BRF. Faria lembra, porém, que mais importante que o curto prazo são as reformas necessárias para a competitividade do País. “A gente não se sente jogando no mesmo nível de nossos competidores.” O ministro Levy também tem batido nessa tecla. Será que os parlamentares vão entender? Para empresas cujos negócios estão mais concentrados no Brasil, o cenário é mais desafiador. Além das pressões inflacionárias, soma-se ainda a queda na demanda.

O próprio governo passou a admitir uma retração maior, de 2,8%, e alguns bancos já enxergam tombo semelhante em 2016. “Não vamos nos iludir: é um cenário que tráz impacto”, diz Pedro Moreira Salles, presidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco. “Temos visto isso em grandes e médias empresas.” Como se pode perceber, as armadilhas que Levy enfrenta são, na verdade, armadilhas contra a situação do Estado brasileiro e cobram um preço da população. Como sintetizou o ministro, em Londres, na quinta-feira 29: “ O desemprego e a inflação são sintomas de que o problema fiscal ainda não foi tratado com a energia que precisa ser tratado.”