23/03/2015 - 19:00
Os Estados Unidos figuraram como o principal parceiro comercial do Brasil durante quase oito décadas, de 1930 a 2009. Há seis anos, a China passou a ocupar o posto, em função do apetite do gigante asiático por commodities, que representam, atualmente, 63% dos embarques brasileiros ao país. No entanto, a recente alta do dólar e a retomada da economia americana têm feito a terra do Tio Sam voltar a povoar o sonho das empresas brasileiras. Os motivos para isso não estão somente nos ganhos repentinos em função do câmbio.
As características do comércio entre Brasil e EUA favorecem o setor que mais sente a desaceleração econômica nacional: a indústria. Mais da metade das compras americanas no País é composta de bens manufaturados ou semimanufaturados. No ano passado, o maior mercado consumidor do planeta foi o principal destino dos produtos industrializados brasileiros, movimentando um total de US$ 15 bilhões e superando a combalida Argentina. A nova realidade econômica já provocou mudanças na política externa do País.
Em fevereiro, mês em que o Brasil registrou um déficit de US$ 2,8 bilhões na balança comercial, o pior resultado desde 1980, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, desembarcou nos Estados Unidos para tentar estabelecer as bases para uma visita da presidente Dilma Rousseff a Barack Obama. Em 2013, Dilma cancelou uma viagem oficial ao país após o ex-funcionário da NSA, a agência de segurança americana, Edward Snowden, revelar que diversos cidadãos brasileiros, inclusive a própria presidente, haviam sido espionados pelos serviços de inteligência ianques.
Segundo João César Lima, diretor da Câmara de Comércio Americana do Rio de Janeiro (AmCham Rio), a necessidade chinesa pelas commodities brasileiras fez a relação com os Estados Unidos ficar em segundo plano. Erro que, provavelmente, não será cometido novamente. “E o dólar mais caro acaba facilitando os acordos para os dois lados”, diz Lima. Enquanto Dilma e Obama não fazem as pazes, as empresas brasileiras tentam como podem conquistar o sonho americano. A fabricante gaúcha de ônibus Marcopolo, por exemplo, comprou, em 2013, uma fatia de 19,99% da canadense New Flyer, fabricante de ônibus urbanos com unidades no Canadá e nos Estados Unidos.
A ideia inicial era, neste ano, adquirir uma parcela maior da empresa, assumindo seu controle. “A desaceleração do Brasil impediu que a gente colocasse o plano em prática”, afirma Ruben Bisi, diretor de negócios internacionais da Marcopolo. Caso tivesse conseguido fazer a compra, os EUA praticamente dobrariam o faturamento da empresa brasileira, que foi de R$ 3,4 bilhões no ano passado. O plano B é exportar a partir do México, onde a empresa opera uma fábrica. Há quem esteja vendo os EUA como o salvador da lavoura, ou melhor, da produção. A catarinense Tupy, uma das maiores fabricantes de ferro fundido do País, viu suas receitas despencarem 17,6% no mercado interno, em 2014.
Em contrapartida, suas exportações cresceram 8,3%, sendo cerca de 60% do montante para os países do Nafta – bloco formado por Estados Unidos, México e Canadá. “Estamos nos beneficiando da alta do dólar”, diz Luiz Tarquínio, presidente da Tupy. Assim como a companhia de Santa Catarina, a gaúcha Randon, fabricante de autopeças e lonas, desabou no mercado interno. Os negócios com os americanos, porém, surgem como a salvação. “O nosso mercado está muito aquecido nos Estados Unidos”, diz Daniel Randon, vice-presidente da companhia. Em 2014, a participação do Nafta nas receitas da Randon subiu oito pontos percentuais, para 31%, igualando-se ao Mercosul.
Os ganhos financeiros não são o único benefício de competir no mercado americano. A concorrência força as empresas a elevarem o padrão de qualidade. A subsidiária brasileira da americana 3M ilustra bem esse movimento. “Nosso foco é o mercado nacional, mas, por conta das exportações, acabamos adquirindo padrão de qualidade global, o que nos favorece”, afirma Alexandre Norberto Rodrigues, gerente de negócios de exportação da 3M. Os EUA são o principal destino das exportações da 3M, representando 12% do total.