Imagine um mercado em franco crescimento, ampla produção de petróleo, forte demanda por consumo e que vê o produto brasileiro com bons olhos. Esse foi o cenário que a gaúcha Brinox, segunda maior fabricante de utilidades domésticas no Brasil, encontrou em Angola em 2004, quando começou a investir no país. Desde então, as vendas cresceram em média 15% ao ano e hoje representam 10% das exportações da empresa, que agora quer fazer do país africano seu ponto de partida para a expansão das operações no continente. Pelos números da balança comercial, o esforço de venda valerá a pena.

Desde 2003, as exportações brasileiras para a África saltaram 287% e chegaram a US$ 11 bilhões no ano passado. Na semana passada, a Brinox integrou uma missão com cerca de 40 empresas brasileiras para participar de seminários de oportunidades comerciais em Moçambique, Angola e África do Sul, organizada pela Agência Brasileira de Promoção e Investimentos (Apex-Brasil). A expectativa é de que as rodadas de negócio gerem cerca de US$ 180 milhões em vendas ao Exterior nos segmentos de alimentos, casa e construção, além de máquinas e equipamentos.

Esses países foram escolhidos pela agência exatamente por seu potencial em compras de produtos com maior valor agregado. Em 2013, além das usuais exportações de açúcar e carne de frango, eles compraram grandes quantidades de tratores, calçados, aviões e máquinas brasileiras. A África subsaariana oferece inúmeras oportunidades de vendas de industrializados. É um quadro bem diferente do existente nos vizinhos do norte, onde a influência muçulmana é muito forte e as dificuldades de fazer negócio são ainda maiores, restringindo-se a commodities como açúcar, minério e carnes.

Já no Quênia e na Nigéria, outros dois grandes compradores de itens brasileiros, os principais produtos vendidos são veículos, aviões e chassis de automóveis. Por causa da língua portuguesa, angolanos e moçambicanos são fãs de novelas, da música e até das igrejas brasileiras, diminuindo os gastos com marketing e tornando, já de saída, o produto nacional superior a um similar chinês aos olhos dos africanos. “O Brasil é o caminho do meio em um mercado que tem sido abastecido por produtos asiáticos de menor qualidade e preço e por europeus de alta qualidade e muito mais caros”, afirma Aguinaldo Fantinelli, diretor comercial da Brinox.

Boa parte da expansão das empresas brasileiras no continente acompanhou o crescimento das economias africanas, de 5,1% em média nos últimos dez anos. Esses números atraíram a atenção de gigantes do comércio global, acirrando a competição entre os que querem se tornar fornecedores desse mercado. “Os chineses têm política arrojada para a África, os europeus nunca saíram de lá e até mesmo a Índia está criando uma política comercial de Estado para intensificar as trocas comerciais”, afirma Pio Penna, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

Por isso, alerta, é importante que o plano das empresas brasileiras em descobrir novos clientes seja acompanhado por um esforço de diplomacia. Esse esforço, que foi muito intenso no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, arrefeceu nos últimos anos, levando junto parte do comércio. No primeiro semestre deste ano, as exportações do Brasil para a África caíram 14,5% em relação ao mesmo período do ano passado, para US$ 4,4 bilhões. Já as exportações de um modo geral caíram 3,4%, totalizando US$ 110,5 bilhões.

Ou seja, o mercado africano perdeu espaço e hoje representa apenas 4% do total. “Todo mundo sabe que a África é um grande mercado para a exportação de manufaturados, mas esse mercado está sendo abocanhado pela China”, afirma José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Mesmo os empresários que já exportam para o continente reconhecem que os fracos laços diplomáticos estabelecidos dificultam a concretização dos negócios. Sediada em Guarulhos, na Grande São Paulo, a Fanem, líder na fabricação de equipamentos para recém-nascidos, quase perdeu uma licitação de US$ 1,8 milhão no Quênia por falta de relação interbancária entre os países.

Apesar das dificuldades, o grupo tem negócios com 27 países do continente, que hoje representa 30% das suas exportações. A empresa se beneficiou das semelhanças entre Brasil e África na precariedade da infraestrutura para tornar seus produtos mais competitivos. “Em países como o Quênia e a Etiópia, vendemos incubadoras que funcionam por até cinco horas com um gerador embutido, sem estar ligada a uma fonte de energia”, diz Djalma Luiz Rodrigues, diretor-executivo da empresa. Em um país onde as estradas precárias tornam as distâncias ainda maiores, uma incubadora com essa autonomia é um ativo valioso, explica Rodrigues.

Assim como acontece no caso da Fanem, grande parte das vendas é feita diretamente ou com interferência das autoridades africanas, tornando ainda mais importante a atuação do governo brasileiro ao apresentar esse mercado para as empresas nacionais. Mesmo nas negociações com o setor privado, os chineses muitas vezes saem na frente porque oferecem crédito subsidiado através de seus bancos estatais. “Quando você não tem uma escala, é importante ter apoio, financiamento e incentivo do governo”, diz José Humberto Prata Teodoro Junior, diretor de desenvolvimento de negócios da gigante BRF, detentora das marcas Sadia, Perdigão e Batavo.

A empresa, uma das maiores exportadoras mundiais de aves do mundo, vende para 35 dos 54 países do continente africano, o equivalente a 10% de suas vendas externas. No ano passado, a BRF criou um departamento de marketing regional para desenvolver campanhas para a marca Sadia, com foco em alimentos processados como margarina e alimentos prontos. “Não é simplesmente vender o que é mais barato”, diz Teodoro. “Temos ambição de construir uma marca.” As oportunidades estão lá. É só atravessar o Oceano Atlântico.