São Pedro, conhecido por comandar as “torneiras” do céu, e São José, padroeiro dos agricultores, são evocados todo início de safra para que as condições climáticas não atrapalhem o desempenho do campo no Brasil. No ano passado, quando a economia já dava sinais claros de desaceleração, as orações incorporaram um dos ativos mais voláteis e imprevisíveis do mercado financeiro: o câmbio. Num ambiente de queda nos preços das principais commodities agrícolas, causada pelo excesso de oferta mundial, a variação do dólar entre o momento do plantio e a hora da colheita seria determinante para o sucesso ou o fracasso do negócio.

E, de fato, foi crucial. Como se todas as preces dos agricultores tivessem sido atendidas, o clima ajudou e o câmbio sofreu uma desvalorização de 25%, ao longo da safra de grãos 2014/2015. Este percentual mais do que compensou a queda de 18%, em média, dos preços agrícolas no mercado internacional. O resultado prático foi o aumento da renda do setor, o único do Produto Interno Bruto (PIB) que cresceu no primeiro trimestre. “A desvalorização cambial afeta alguns custos agrícolas, mas, por outro lado, impulsiona 100% das receitas”, diz José Carlos Hausknecht, diretor da consultoria paulista MB Agro.

“Por isso, a alta do dólar é sempre bem-vinda.” Não por acaso, o setor escapou quase ileso da tesoura do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com o aumento de 20% nos recursos do Plano Safra, divulgado na terça-feira 2, pela presidente Dilma Rousseff, em Brasília. Em meio a tanta má notícia, como a queda de 0,2% do PIB, no primeiro trimestre, e a alta dos juros pelo Banco Central, Dilma precisa manter em alta o dinâmico setor do agronegócio, que evita um colapso ainda maior da economia nesse conturbado início de segundo mandato.

No ano passado, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o campo movimentou R$ 1,1 trilhão, o equivalente a 20% do PIB do País. A safra recorde de grãos superou os 200 milhões de toneladas – os números definitivos serão conhecidos ao final do semestre – e a produção de carnes chegou a 26 milhões de toneladas. O agronegócio também exerce um papel de protagonista no comércio internacional, com um saldo positivo de US$ 80 bilhões, em 2014. “O agronegócio salva o comércio exterior brasileiro”, afirma Afonso Arthur Neves Baptista, conselheiro do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP).

Comparado aos demais setores da economia, o sucesso dos agricultores neste início do ano é de causar inveja. Segundo o IBGE, o PIB do agronegócio cresceu 4,7%, no período de janeiro a março, enquanto a indústria e os serviços encolheram 0,3% e 0,7%, respectivamente, na comparação com o mesmo período de 2014. A safra recorde grãos e a desvalorização cambial ajudam a explicar a prosperidade no campo em tempos de crise econômica. “A vantagem do agronegócio neste momento é depender mais do mercado internacional do que do mercado interno”, diz Paulo Molinari, analista da consultoria gaúcha Safras & Mercado.

Não são apenas as questões conjunturais positivas, no entanto, que explicam o sucesso do agronegócio brasileiro. Na avaliação do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, o setor saiu fortalecido após dois choques gigantescos provocados pelo Plano Collor, em 1990, e pelo Plano Real, 1994. “Os que sobreviveram foram obrigados a buscar tecnologia e a melhorar a gestão”, afirma Rodrigues. “Isso se traduziu em ganhos de produtividade.” Nos últimos 25 anos, a área plantada cresceu cerca de 50% enquanto a produção disparou 234%, tornando o produto brasileiro extremamente competitivo no mercado internacional.

“As fazendas viraram verdadeiras indústrias, com gestão profissional”, diz Luiz Carlos Aguiar, presidente da CGG Trading, grupo de capital nacional criado há cinco anos, com atuação na produção, comercialização e logística de commodities agrícolas. “Só pode dar certo, não tem como dar errado.” Segundos os especialistas ouvidos pela DINHEIRO, os valiosos estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também conferem enorme diferencial competitivo ao setor, que está constantemente inovando e investindo. “Não perdemos para ninguém, no mundo, em termos tecnológicos”, diz Aurélio Pavinato, CEO da SLC Agrícola, uma das principais produtoras de soja, milho e algodão do País, e a primeira do ramo a abrir o capital.

“Internamente, desenvolvemos toda uma tecnologia de manejo das culturas, de manejo do solo, que é considerada de ponta no mundo.” O Brasil é atualmente o segundo maior produtor de grãos, atrás apenas dos Estados Unidos. Os dois principais produtos são a soja e o milho, que representam 90% de tudo o que é colhido no País. Além dos tradicionais Estados produtores na região Centro-Sul, há uma nova fronteira agrícola denominada Ma­­topiba, um acrônimo de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que já representa mais de 10% de tudo o que é produzido no Brasil.

RISCOS E DESAFIOS Após o êxito da última safra, os produtores se preparam para um cenário mais difícil no período 2015/2016. No âmbito internacional, não há perspectiva de uma forte recuperação dos preços das commodities agrícolas por conta dos estoques elevados. Como o plantio da safra americana foi considerado um sucesso, a colheita volumosa no segundo semestre deve manter as cotações achatadas. Com o novo patamar do dólar, acima de R$ 3,00, os custos dos insumos agrícolas, como fertilizantes e defensivos, já estão 15% mais altos, segundo cálculos da MB Agro. 

A dúvida é sobre a cotação da moeda americana no momento da colheita, em 2016. “Acredito que o câmbio será neutro na próxima safra”, diz Pavinato. O Plano Safra 2015/2016 prevê um volume de crédito 20% maior que o da safra anterior, num total de R$ 187,7 bilhões em novos recursos. Os juros, porém, serão mais altos nesse ano. Num cenário de ajuste fiscal, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, venceu parcialmente a batalha interna com a equipe econômica, que está cortando até vento, e agradeceu o “gesto de humildade e grandeza” do ministro Levy. Embora o volume disponível para o financiamento agrícola seja recorde, há uma pegadinha no plano.

“Quase 95% do aumento de crédito ocorreu nas linhas com juros livres, que são captadas por meio de LCAs (letras de crédito agrícola), que, na prática, custam o dobro dos juros subsidiados pelo governo”, diz Hausknecht, da MB Agro. “Portanto, haverá aumento no custo cambial e no custo financeiro.” Ciente de que as condições serão menos favoráveis, os agricultores estão mais cautelosos na hora de renovar seus equipamentos. De janeiro a abril, as vendas de máquinas agrícolas caíram 22,9%, numa clara demonstração de freada nos investimentos.

A prioridade é destinar o capital próprio para o plantio, sem depender tanto dos juros de mercado, pois o crédito subsidiado pelo governo normalmente só é suficiente para financiar uma parte da produção. Outro efeito previsto pelos analistas é o adiamento de projetos que previam a ampliação da área plantada, atualmente em torno de 57 milhões de hectares. Sendo assim, a safra 2015/2016 só irá quebrar o recorde de produção se os ganhos de produtividade permanecerem em ritmo elevado e se o clima não atrapalhar. Há, ainda, incertezas sobre os efeitos que o El Niño pode causar na produção mundial. Até agora, o fenômeno climático atrapalhou os produtores asiáticos, mas pode beneficiar a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e o Brasil, com exceção da região Nordeste.

Em relação aos gargalos da infraestrutura, que rouba parte da produtividade das fazendas no escoamento da produção, há sinais de melhoria após as primeiras concessões de rodovias promovidas pelo governo federal. São aguardados para os próximos dias novos leilões, incluindo ferrovias e portos, que podem reduzir o custo dos fretes no futuro próximo. Apesar de todas as dificuldades previstas, há algumas certezas que garantem o brilho do agronegócio. O setor continuará liderando o PIB – por mérito próprio e demérito dos demais setores –, e permanecerá como o fiel da balança comercial, gerando empregos e até ajudando no controle da inflação. É, em boa hora, o espantalho da crise econômica.