11/09/2015 - 11:39
Para Pierre-André de Chalendar, CEO global do grupo francês Saint-Gobain, a recuperação da indústria deve ser uma das preocupações prioritárias do governo brasileiro. Segundo ele, todos os setores têm condições de se recuperar da crise, como o mercado de construção, um dos que mais contribuem para os resultados da companhia. Mas a indústria, se continuar perdendo competitividade internacional, pode causar danos irreversíveis para a economia do País. O executivo, que assumiu o comando do centenário grupo, conversou com a DINHEIRO, no Rio de Janeiro. O executivo veio para inaugurar a 58ª fábrica da empresa no Brasil, no município de Seropédica, na Baixada Fluminense. Segundo Chalendar, a Saint-Gobain atua como se fosse brasileira. “Investimos com o dinheiro do caixa gerado no Brasil”, disse. “Quase 90% do que vendemos é produzido localmente”. Há bons motivos para isso: historicamente, a subsidiária é uma das mais lucrativas do grupo, numa proporção até superior à sua participação de 7% no faturamento global.
DINHEIRO – A Saint-Gobain está inaugurando mais uma fábrica no Brasil. Por que tanta atenção ao Brasil?
PIERRE-ANDRÉ DE CHALENDAR – A relação da empresa com o País é histórica. Em 1937, inauguramos a primeira fábrica no Brasil, que foi o primeiro país fora da Europa em que passamos a produzir. Esta nova unidade, em Seropédica, no Rio de Janeiro, é a 58ª fábrica erguida aqui, e vai produzir telhas da marca Brasilit. Serão quatro novas unidades de produção apenas neste ano. E fazemos esses investimentos a partir do próprio caixa gerado localmente.
DINHEIRO – Quanto a empresa está investindo atualmente?
DE CHALENDAR – No ano passado, foram R$ 550 milhões. E, neste ano, serão mais R$ 500 milhões.
DINHEIRO – A crise não atrapalha o programa de investimentos?
DE CHALENDAR – Estamos analisando os investimentos que foram programados para este período de crise. Queremos avaliar como ampliar a capacidade da melhor forma e sem desperdícios. Não estamos cortando gastos. Só vamos diluir os investimentos durante um período maior de tempo. Vamos atrasar alguns gastos um pouco mais, em especial, em áreas em que somos mais novos no mercado. Mas, para o futuro, temos planos ainda maiores para o Brasil.
DINHEIRO – A crise não preocupa?
DE CHALENDAR – Em todas essas décadas que atuamos no Brasil, passamos por muitas crises. Não estamos particularmente preocupados agora. Temos marcas fortes e bem estabelecidas, como Quartzolit e a Telhanorte, que podem ajudar a continuar atraindo clientes. Sempre fomos bem sucedidos no Brasil. É uma regra geral termos lucros aqui, onde sempre tivemos boas equipes no comando das operações. O Brasil sempre foi mais um provedor de talentos do que recebeu executivos de fora. Os brasileiros estão bem equipados para lidar com situações difíceis. A nossa principal operação, na China, voltada para a produção de tubo, é comandada por um brasileiro.
DINHEIRO – Como funciona a operação local e por que é importante produzir aqui?
DE CHALENDAR – Dizemos que a Saint-Gobain é, em qualquer lugar que atuamos, uma empresa nacional. Cerca de 90% do que vendemos é produzido no próprio País. Isso acontece porque, no nosso setor, uma grande parte dos produtos não viaja bem, mesmo dentro do próprio país. Por exemplo, sai muito caro embarcar telhas. Até por isso fizemos essa fábrica nova. Atendíamos os mercados do Rio de Janeiro e Minas Gerais através de nossa fábrica em Capivari (SP). Mas isso saía caro, e agora temos um mercado grande o suficiente, nesses Estados, para receber uma produção própria na região.
DINHEIRO – Que outras regiões passaram a ser atraentes?
DE CHALENDAR - Investimos muito, nos últimos anos, no Nordeste. Principalmente, em relação a produtos de construção. Mas também em insumos para fábricas. A economia perdeu a competitividade, mas não nos preocupamos.
DINHEIRO – A empresa pretende chegar com mais força em outros Estados?
DE CHALENDAR – Podemos crescer para outros Estados, como para o Nordeste. Estamos discutindo essas estratégias neste momento. No Rio de Janeiro, por exemplo, existe demanda por tubos. Há cinco meses, se falava demais da crise hídrica, e agora a preocupação parou. Os governos, inclusive, mesmo com a crise hídrica, têm investido menos na estrutura de tubulação, o que poderia ajudar a evitar desperdícios. Isso não pode acontecer. Esse problema da água ainda vai crescer.
DINHEIRO – O que o preocupa mais na economia brasileira?
DE CHALENDAR – Estamos sofrendo mais com os artigos industriais. O Brasil está reduzindo atividades em áreas que seria muito importante que fossem mantidas fortes. Existe uma preocupação geral com o custo da energia. A inflação da energia tem sido alta. A mão de obra também tem ficado mais cara. Em geral, os custos são uma questão importante do momento. O custo de produção aqui é maior do que em outros países. Então, estamos investindo numa maior automatização do trabalho. O Brasil precisa ficar mais competitivo. Precisa resgatar rapidamente a competitividade da indústria, porque, diferentemente do que acontece no mercado de construção, que se recupera com velocidade de crises, a manufatura pode se mover para outros países. E isso causaria danos mais permanentes à economia local. O real enfraquecido ajuda nas exportações, mas não é o suficiente. Estamos no Brasil há muito tempo, de olho no longo prazo, mas o longo prazo é feito de uma sucessão de pequenos prazos. Então, temos de agir.
DINHEIRO – Os resultados do grupo foram muito afetados pela crise?
DE CHALENDAR - Na primeira metade de 2015, tivemos até crescimento no Brasil. A principal razão para isso é que, mesmo que o mercado de construção não está indo bem, existe uma compensação nos investimentos de renovação das casas. E os nossos produtos estão ganhando participação de mercado, substituindo soluções de outras empresas. Estamos nos dando melhor por estarmos liderando algumas tendências de construção, como o uso de dry wall. E, no mercado brasileiro, a penetração das líderes de mercado ainda é muito baixa. Para o segundo semestre, esperamos um aumento do faturamento, mesmo com uma queda de volume. Isso porque as pessoas, entre eles os consumidores da nova classe média, estão preferindo utilizar produtos melhores em suas obras.
DINHEIRO – O que o brasileiro tem buscado de melhor qualidade?
DE CHALENDAR - Existe uma tendência da nova classe média de querer mais conforto. Ela quer mais proteção, segurança e isolamento acústico. A participação de produtos nossos nas residências está aumentando. Com isso, o Brasil já contribui para 7% das nossas vendas globais e ainda mais do que isso para os lucros. Já estamos em 64 países, agora que abrimos operações na Tanzânia e em Gana, e o Brasil está entre os cinco com o maior número de unidades de produção. Fica atrás só de França, EUA, Alemanha e Reino Unido.
DINHEIRO – E as perspectivas para 2016?
DE CHALENDAR – Não estou muito otimista em relação ao próximo ano. Mas, a médio prazo, eu honestamente acredito que a crise econômica será resolvida. O Brasil quase sempre reage mais rapidamente do que outros países. Os brasileiros costumam encontrar um caminho.
DINHEIRO – Alguns analistas preveem uma tendência global de mais estabilidade para os países desenvolvidos e de incertezas para os emergentes. O Sr. concorda?
DE CHALENDAR - Não vejo uma situação muito preto no branco, em que tudo vai bem para um perfil de países e mal para outro. Existem situações muito diferentes para cada país. A Rússia e o Brasil, por exemplo, estão passando por momentos difíceis. A China passa por uma diminuição de ritmo de crescimento. Já a Índia está crescendo. Parte da Europa está se recuperando bem, com a França e Alemanha ficando mais atrás. Já os Estados Unidos estão realmente mostrando um desempenho muito bom, o que ajuda o México, que vai extremamente bem. Também vejo a Colômbia e Argentina em um momento favorável. Mas é fato que o mundo passa por uma época muito volátil, com preços de energia em alta e movimentos de câmbio complexos e que mudam rapidamente.
DINHEIRO – Qual será o impacto da desaceleração da China?
DE CHALENDAR - O difícil é saber qual será a extensão da redução do ritmo de crescimento econômico da China. Mas o maior problema, para nós, é o impacto indireto que ela causa em outras economias por todo o mundo. Somos muito maiores no Brasil do que na China. Temos o dobro de tamanho de faturamento aqui, em comparação com o nosso resultado lá. As nossas vendas de tubo não estão sofrendo na China, mas o impacto indireto no Brasil é um problema. No entanto, de qualquer forma, estamos bem posicionados para nos darmos bem em diversos cenários.
DINHEIRO – O que significa esse bom posicionamento da empresa?
DE CHALENDAR - Estamos posicionados para aproveitar oportunidades. No Brasil, construímos o nosso primeiro centro de pesquisas e desenvolvimento do Hemisfério Sul, em Capivari, no interior de São Paulo. São 25 pessoas trabalhando em inovação. A ideia é fazer produtos avançados e focados no mercado local. Em cada centro nosso, temos um foco diferente. Aqui observamos questões específicas para o Brasil.
DINHEIRO – Há investimentos planejados para a Telhanorte? O varejo de construção não vai muito mal no momento?
DE CHALENDAR - Estamos aprimorando os nossos serviços e expandindo a rede. Foram inauguradas duas lojas, no ano passado, e mais três neste ano. O varejo vai mal, mas estamos crescendo. A competição do setor é muito fragmentada, com grande presença das pequenas lojas. Nos EUA, elas representam 25% do mercado, no Brasil, ainda chegam a 95%. O principal motivador para o crescimento da Telhanorte é a expansão de gastos da classe média. Os brasileiros gostam de investir em banheiros. O País é o que tem o maior investimento per capita em produtos para banheiros. Estamos investindo, em especial, em São Paulo.