Antes de chegar aos cargos de liderança do setor de turismo que tem ocupado nos últimos anos, o catarinense Vinicius Lummertz havia dedicado sua carreira ao desenvolvimento econômico, com foco no crescimento sustentável com geração de emprego e renda. Formado em Ciências Políticas pela Universidade Americana de Paris, ele estudou gestão na Kennedy School da Harvard University (EUA) e no IMD de Lausanne (Suíça). Dirigiu o Sebrae de Santa Catarina, estado em que ocupou também o cargo de secretário de Articulação Internacional e de Planejamento, Orçamento e Gestão no governo de Luiz Henrique da Silveira. Na função, criou e presidiu a SC Par, empresa voltada a projetos estruturantes e Parcerias Público-Privadas. Foi com essa bagagem que chegou a Brasília, onde ocupou o cargo de secretário nacional de Políticas de Turismo nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer, presidiu a Embratur e se tornou ministro do Turismo.

Desde 2019, comanda a Setur, secretaria estadual de Turismo e Viagens de São Paulo. Na terça-feira (30) a pasta apresentou os resultados de uma série de estudos realizados em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para apoiar a retomada do setor e seu crescimento no longo prazo. Lummertz falou à DINHEIRO sobre esse programa e outros desafios do Brasil para aproveitar sua vocação turística.

DINHEIRO — A contribuição do turismo para o PIB brasileiro foi da ordem de 7,7% em 2019, antes de a pandemia levar o setor a uma retração. Estamos bem atrás de México, Chile, Argentina e até do Irã. Por quê?
VINICIUS LUMMERTZ — O turismo deveria ser prioridade estratégica do País. E não é. O Brasil vem perdendo tempo ao investir muito pouco em promoção e marketing internacionais, o que atrairia mais turismo e incrementaria sua imagem. Até 2004, tínhamos um pequeno superávit anual na balança de gastos de turistas [a diferença entre o que entra com as visitas de estrangeiros e as despesas dos brasileiros em viagens internacionais]. Desde 2005, a conta inverteu e virou um enorme déficit, acumulando US$ 156,5 bilhões até 2021. Temos todas as condições para reverter esse quadro.

Aproveitar as vantagens competitivas do Brasil no turismo não parece ser uma prioridade do atual governo e nem dos candidatos…
Falta a esta campanha presidencial entender que a guerra mundial por empregos passa pelo turismo, que vai gerar um terço das novas vagas no planeta pelos próximos dez anos, segundo projeção do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, na sigla em inglês). O gasto da União com promoção e marketing do turismo no mercado nacional despencou de R$ 38 milhões em 2018 para R$ 1,3 milhão este ano [os dados estão no Portal da Transparência]. Temos que apertar o botão do turismo.

O que significa apertar o botão do turismo e como isso pode ser feito?
O turismo pode ser o novo agronegócio em termos de potencialidade econômica, porém, com ainda mais efeitos positivos urbanos e sociais, mais qualidade de vida, empregos e oportunidades, como estamos buscando fazer em São Paulo e como fazem a Serra Gaúcha (RS) e Foz do Iguaçu (PR). O Brasil, que até 40 anos atrás era importador de alimentos, hoje é um dos maiores exportadores. Tanto no agro quanto no turismo, o Brasil está no topo das vantagens comparativas mundiais. No agro, elas se tornaram competitivas com a integração à economia global. O acesso à tecnologia e ao conhecimento surgiu pelas cooperações internacionais da Embrapa e pelos efeitos dessa integração na chamada ‘revolução verde’, liderada pelos conglomerados internacionais, além dos bilionários investimentos em crédito. As políticas de apoio ao turismo não têm sido prioritárias nas direções estratégicas do País. Não aproveitamos uma das megapotencialidades que vem da mesma matriz: o tamanho do Brasil. Temos o maior potencial natural para o desenvolvimento do turismo no mundo e um dos dez maiores potenciais culturais do planeta.

“Estamos investindo em place branding, a construção de marcas locais, como já fizemos no Vale do Ribeira com a campanha Vem pro Vale” (Crédito:Divulgação)

E como transformar esse potencial em oportunidades?
Um exemplo é nosso programa Mais Turismo, resultado da cooperação técnica com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que tem como foco o Turismo e o Meio Ambiente. A cooperação técnica custou US$ 250 mil, financiados pelo BID a fundo perdido, com o objetivo de estabelecer as bases para a implementação de um plano de recuperação e retomada para o setor de turismo, tendo em vista os impactos da pandemia. Um dos resultados dessa cooperação é um programa de investimento e um fundo de financiamento no valor total de US$ 300 milhões que irá beneficiar as regiões do Vale do Ribeira, Litoral Norte e Mantiqueira Paulista.

Como esses recursos serão investidos?
Em estruturação de produtos turísticos, marketing e posicionamento, fomento à inovação, sustentabilidade e fortalecimento da governança turística, gestão socioambiental e financiamento à cadeia produtiva do turismo. Foram desenhadas propostas para adequar a demanda e a oferta de crédito para o setor, incluindo a criação de fundo especial de investimento, financiamento e novo motor de análise de crédito em parceria com fintechs.

A ideia é torná-los distritos turísticos, modelo que já tem sido implementado em algumas regiões do estado?
Até a gestão anterior, o governo de São Paulo tinha apenas um programa de fomento que levava recursos para os municípios promoverem o turismo, chamado Dadetur. O orçamento era de R$ 200 milhões. Nós lançamos novos programas e elevamos esse valor para R$ 550 milhões com o objetivo de promover e estruturar as regiões com a política de distritos. Estamos investindo em place branding, a construção de marcas locais, como já fizemos no Vale do Ribeira com a campanha Vem pro Vale. O place branding ocorre em paralelo à criação dos distritos turísticos, caso do Portal da Mata Atlântica, com base no Legado das Águas, do Instituto Votorantim, que envolve cinco municípios. Ou na Mantiqueira, que contempla Campos do Jordão, Santo Antônio do Pinhal e São Bento do Sapucaí. A partir desses investimentos todos estamos projetando para os próximos quatro anos a geração de 750 mil empregos, sendo 250 mil diretos e 500 mil indiretos, e aumentar o PIB do turismo no estado dos atuais R$ 220 bilhões para R$ 270 bilhões.

E onde não há atrativos naturais ou interesse cultual, o que fazer para incentivar o turismo?
É possível criar a atração, como em Andradina, no encontro dos rios Tietê e Paraná. Lá está sendo construído um parque temático com investimento de R$ 500 milhões da iniciativa privada. Foi assim em Olímpia, onde a infraestrutura hoteleira tem 30 mil leitos. Ou na região da Rota das Frutas, onde já exitem parques como o Hopi Hari e Wet’n’Wild. Estão sendo investidos R$ 200 milhões na contrução de uma ciclovia na Rodovia dos Bandeirantes.

Como esses distritos vão atrair turistas?
A demanda em São Paulo já é maior que a oferta. A criação do distrito, por meio de lei, estabelece uma governança em cogestão dos municípios e três secretarias de governo: a de Turismo e Viagens, a de Transportes e a de Infraestrutura e Meio Ambiente. É um trabalho de estruturação que nunca foi feito em nenhum estado e muito menos pelo governo federal. Quando falamos de distritos turísticos, entendo que o Brasil poderia implementar vários, em todos as regiões, principalmente junto a lugares que já reunem as condições ideais para isso, como a Rota das Emoções, que vai do Ceará ao Delta do Parnaíba e ao Maranhão, nos Lençóis Maranhenses, além de centros históricos, como São Luís, Salvador ou Tiradentes, e áreas de preservação natural, como Amazônia, Pantanal, Jalapão, Serra da Mesa, Serra Catarinense, Serra Gaúcha e Aparados da Serra.

“Holambra, com 17 mil habitantes, recebe 1,5 milhão de turistas por ano valorizando a produção de flores e a colonização holandesa” (Crédito:Istock)

O turismo pode ser uma plataforma para várias dimensões da economia, como a produção de bens artesanais ou alimentos regionais. Como incentivar essa vocação?
Estamos percorrendo o estado com um programa chamado São Paulo em Ação. Um estudo de todos os gargalos das regiões turísticas para entender quais são as obras necessárias e quais as intervenções possíveis do ponto de vista institucional, desde a criação de conselhos até planos de marketing. Estamos mexendo nessas estruturas para entender a economia do visitante. Eu cito como exemplo Holambra, que tem percebido cada vez mais seu potencial para atrair visitantes tanto por meio da produção de flores quanto da colonização holandesa. É um município de 17 mil habitantes que recebe 1,5 milhão de turistas por ano. São consumidores que podem transformar a economia local ao gastar em produtos e serviços no Brasil.

Esse seria o caminho para reverter o déficit de quase R$ 160 bilhões acumulado desde 2005 na balança do turismo?
Temos tudo para gerar superávit no turismo, mas é preciso promover, estruturar e ter metas robustas. Como desenhamos no plano Turismo SP 20-30. A primeira questão que os distritos nos trouxeram foi a redução do ICMS para equipamentos de parques temáticos, que pode ser tanto uma roda gigante quanto um software.

Se o setor pede redução de impostos, o que fazer se não houver incentivo?
Enfatizo que o sucesso do agribusiness foi sua integração nas cadeias de produção internacionais, e essa deverá ser a meta central da economia do turismo nacional. Não é novidade que as bandeiras internacionais de hotéis hoje estão mais presentes nos demais países da América Latina do que no Brasil. Ficamos de fora do boom mundial de parques temáticos, mas ainda é possível nos posicionarmos muito bem se houver entendimento do significado da dimensão da indústria do turismo.

Cujo resultado seria…
Lançar o Brasil na rota de aproveitar seu grande potencial de desenvolvimento.