07/08/2015 - 9:00
O Brasil reúne todas as credenciais para fazer bonito na Conferência do Clima da ONU (COP21), marcada para dezembro, em Paris, Quem diz isso não é nenhum integrante do governo federal,mas Marina Grossi, presidente-executiva do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), uma das mais atuantes ONGs empresariais do País, que reúne companhias do porte da Coca-Cola, Alcoa, Ambev, Banco do Brasil, Gerdau, Grupo Boticário, Suzano e Vale, entre outras. Economista de formação, Marina se tornou uma referência na discussão sobre o impacto das mudanças climáticas nos negócios. Para ela, a Conferência é oportunidade para que o Brasil se firme como uma liderança global neste tema. “A preservação das florestas é a forma mais barata para reduzir as emissões de CO2 no País”, afirma.
DINHEIRO – Quem vai pagar a conta da transição da economia do modelo atual para o de baixo carbono?
MARINA GROSSI – Uma das alternativas para resolver a questão seria definir o valor das emissões de dióxido de carbono (CO2) por meio da precificação do carbono. Trata-se de uma bandeira forte que está no centro da mesa de discussão. A iniciativa foi lançada pelo Banco Mundial e é endossada pelo setor empresarial. No Brasil, o CEBDS está liderando esse debate como integrante da coalizão We Mean Business, uma plataforma global que reúne o setor privado em torno de propostas que serão debatidas na Conferência do Clima (COP21), em Paris. Apesar de todas as controvérsias que envolvem temas com a taxação das atividades mais poluentes, ou a venda de créditos de carbono, acredito que este tema tem de ser discutido. Há diversos modelos para fazermos isso, mas creio mais no modelo chinês, por sua simplicidade, porque ele se baseia na transferência de recursos das empresas que mais poluem para aquelas que emitem menos CO2.
DINHEIRO – A sra. defende uma espécie de imposto que ajudaria a financiar negócios menos poluentes. É isso?
MARINA – Seria algo desse tipo, sim. Atualmente, os grandes defensores da precificação, e isso é um sinal dos tempos, são empresas petrolíferas, como a Shell. Os gestores e acionistas dessas empresas sabem que elas serão cobradas por suas emissões no futuro e a forma com a qual eles conseguem lidar com o problema é dentro do próprio setor. As ações são voluntárias, mas motivadas por uma pressão cada vez maior da sociedade. Recentemente, participei de um seminário na Febraban, em São Paulo, no qual um especialista em finanças disse que, em 10 anos, a participação de papéis de empresas petrolíferas no portfólio dos fundos de investimentos de bancos será reduzida para menos de 25%. Ou seja, os riscos associados à emissão de CO2 estão aumentando e a precificação do carbono é um dos mecanismos para fazer essa compensação, bem como estimular projetos de energia renovável e outras iniciativas sustentáveis.
DINHEIRO – A sra. poderia citar um exemplo de pressões sobre as atividades poluidoras?
MARINA – Existem muitas coisas acontecendo nessa área. Uma delas ocorre no âmbito do conceito fossil free, defendido por alunos da Universidade Harvard e do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Os estudantes dessas universidades fazem campanha para que as universidades retirem recursos aplicados em fundos que incluam empresas petrolíferas. Eles sabem que, na prática, o fóssil free não poderia ser praticado de imediato, mas sua mobilização funciona como um instrumento de pressão. Além disso, fundos de investimentos, ligados às grandes fundações vêm adotando postura semelhante. Um deles foi o da família Rockefeller, que fundou a Standard Oil Company. Isso mostra que estamos diante de movimentos simbólicos, que estão vindos de centros de excelência na área da educação e também de ações concretas que partem de fundações respeitadas.
DINHEIRO – E qual seria a contribuição do Brasil para esse debate e o que está acontecendo de efetivo por aqui nessa área?
MARINA – Acho que uma das manifestações mais importantes foi a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, na qual estamos definindo as propostas que serão apresentadas na COP21. O grande mérito desse fórum, que reúne cerca de 90 entidades, foi o fato de o CEBEDS ter conseguido juntar na mesma mesa desde o Greenpeace até os ruralistas. Acho que isso é um sinal dos tempos e ajudou a colocar uma questão crucial, que é a floresta, e para a qual o Brasil não pode ficar sem respostas, pois ela funciona como sumidouro de carbono. Ou seja, sua preservação é a forma mais barata para reduzir as emissões de CO2 do País. O debate contou com a ativa participação do setor florestal e vamos apresentar, em Paris, 17 propostas bastante competitivas neste sentido. Por outro lado, vamos aliar a agricultura, que é uma área importante para a economia brasileira, com a pauta de redução da emissão de carbono.
DINHEIRO – Mas de onde viriam os recursos, de forma efetiva, para descarbonizar a economia brasileira?
MARINA – O Brasil possui vantagens competitivas para atrair investimentos de empresas globais que desejem reduzir suas emissões. Por outro lado, ainda na agricultura, a consolidação dos dispositivos do Novo Código Florestal está destravando uma série de questões que poderão abrir espaço nesta área. Temos uma avenida de possibilidades e opções para criar mecanismos que respondam às questões ligadas ao clima.
DINHEIRO – O que marcou a última viagem da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos foi o anúncio do compromisso com o fim do desmatamento ilegal, até 2030. No que o setor produtivo, que está longe da floresta, pode contribuir para que alcancemos esta meta?
MARINA – Entre os integrantes do CEBDS nós já conseguimos construir um consenso em relação ao desmatamento líquido zero. No âmbito da Coalizão, esse foi um dos pontos abordados. Sem dúvida, o desmatamento ilegal ainda acontece. As empresas de construção civil têm muito a ganhar com uma regulação mais firme do mercado de madeira, pois teriam como saber de onde vem um de seus principais insumos. Acredito que o grande indutor dessas políticas tem de ser o Estado. Imagine se programas de compras públicas e grandes obras, como o Minha Casa, Minha Vida, exigissem não só a certificação das matérias primas, como também a ampliação do grau de rastreabilidade dos insumos florestais até que chegássemos à sua totalidade. Não é fácil, mas se trata de um cenário que precisa ser construído a partir do diálogo da União com Estados e municípios. A Coalização ajuda nesta luta ao defender o desmatamento líquido zero, e uma de nossas propostas é a criação de mecanismos e políticas que permitam que implementemos esse objetivo.
DINHEIRO – Por conta disso, pode-se dizer que o Brasil, tanto pelo setor privado, quanto pelo governamental, está preparado para fazer a diferença na COP21?
MARINA – O que temos feito no CEBDS é buscar que nossos associados capitaneiem o que chamamos de Low Carbon Technology Partnerships Initiative (Iniciativa para Parcerias de Tecnologia de Baixo Carbono) que é um arcabouço global em diversos temas como energia renovável, eficiência energética na construção civil, agricultura inteligente, florestas e mobilidade. O sucesso destas iniciativas depende de parcerias para serem implementadas. Começamos com 30 empresas globais e agora são 80.
DINHEIRO – Graças ao uso intensivo da hidroeletricidade, o Brasil se destaca em energias renováveis. A sra. acredita que o investimento em novos projetos de hidrelétricas são os grandes diferenciais do País na agenda global sobre mudanças climáticas?
MARINA – O País se encontra em uma posição confortável. Por conta disso, caberá ao governo escolher um desses dois caminhos: ou tem a grandeza de assumir a liderança mundial no debate sobre economia de baixo carbono e aprofundar suas metas nesta área, ou se acomodar por considerar que sua posição é confortável. Embora o País seja um grande emissor de carbono, suas florestas e os projetos hidrelétricos ajudam a reduzir o impacto. O pulo do gato é, justamente, enxergar aí uma oportunidade e definir com que velocidade essa transição será feita e se apresentar ao mundo como uma opção para investimentos com esse perfil. Gestores de fundos de investimentos já enxergam as empresas mais sustentáveis como opção financeira, e o mesmo pode acontecer com os investidores em geral.
DINHEIRO – Neste contexto, a sra. acredita que empresas brasileiras como Natura e O Boticário, reconhecidas por suas práticas sustentáveis, deveriam perder a timidez e ir ao mercado internacional buscar o valor dessa postura?
MARINA – O CEBDS é formado por inúmeras empresas de grande porte. Muitas delas já estão prontas para mostrar o que fizeram e também que valorizam a responsabilidade socioambiental porque acreditam nisso, além de saberem que esses compromissos serão cobrados no futuro. Elas estão se reinventando em seu processo produtivo e no jeito de fazerem negócios para responder aos desafios oriundos dos ecossistemas nos quais estão operando.
DINHEIRO – Recentemente, a Coca-Cola anunciou a utilização de uma embalagem produzida integralmente de plástico biodegradável. Iniciativas dessa natureza mostram que as empresas estão saindo na frente ou apenas se movendo para evitar sua própria extinção?
MARINA – Para serem efetivas, as ações têm de combinar tudo isso. As empresas já sabem que, para prosperar, terão de adotar outro modelo negócio. Mas, sobretudo, terão de entender a visão do que é moderno e do que é antigo. Isso vale quando se fala de economia de baixo carbono, porque são questões mais complexas do nosso padrão de comportamento e de desenvolvimento que estão sendo questionadas pelos consumidores. Não existe apenas um responsável. As empresas têm de ter um papel de protagonismo, mas não podem fazer tudo sozinhas. Mas é evidente que aquelas que não estiverem atentas aos dilemas da sociedade vão ficar defasadas. No caso dos fabricantes de refrigerantes, esses dilemas vão desde a questão do CO2 até o problema da obesidade e da própria saúde dos consumidores.