11/11/2022 - 2:40
Aquele maluco de camisa amarela pendurado na frente de um caminhão é o retrato indefectível, apesar de deprimente, do Brasil da safra 2022/2023. Ele mostra que temos cidadãos dispostos a bizarrices inimagináveis. É nossa contribuição no padrão Estado da Arte para o Campeonato Mundial de Realismo Fantástico. Se fizesse parte de um roteiro ficcional que narrasse a batalha definitiva entre DC e Marvel ninguém acreditaria. Mas, como escreveu Shakespeare na fala de Polonius em Hamlet, “embora seja loucura, há método nela”.
Por esse motivo, tratar esses convescotes não palacianos que começam na casa dos R$ 150 bilhões como se fossem mera questão de unanimidade nacional é de uma inocência perigosa. Por trás das discussões do Dindim da Transição que o novo executivo e o velho Congresso estão armando há um acerto político que antecede o acerto financeiro. E nele os atores se comportam exatamente como isso: atores. Para citar outro gênio inglês, o jornalista e autor George Orwell (1903-1950), é quando “a linguagem política destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável”.
A partir de Shakespeare e Orwell devemos acompanhar, fiscalizar e cobrar o que está sendo armado. Não haverá como, nos próximos 45 dias, dissociar economia de política. Para o bem da verdade, nunca foi possível essa separação. Só que na condição atual de fervura do País o termômetro no caldeirão subiu vários graus — o Patriota do Caminhão saiu fisicamente ileso e virou piada, mas ainda há estradas bloqueadas há duas semanas, assim como pequenas multidões fazendo saudações nazistas em frente a quartéis, pedindo golpe militar ou estudantes adolescentes se atacando em escolas de elite.
Não haverá como remover essas cenas abomináveis do que se negocia em Brasília. Nem como tirar do palco Arthur Lira, o comandante-em-chefe da Câmara dos Deputados e mentor intelectual do Orçamento Secreto, que negocia com o time de Lula para permanecer à frente da Casa a partir de fevereiro.
Se conseguir, ele será o dono da porteira do que é ou não discutido no parlamento. Lula aceitará? Ou faz cena de que aceitará? Sim ou não é preciso colocar o senador Renan Calheiros na equação. Um velho bróder do futuro presidente, o alagoano Calheiros é inimigo do alagoano Lira. E um deles (ou o nome indicado por um deles) será o cara que vai mandar na dinheirama, no Orçamento 1, no Secreto, nas emendas de relator, na decisão de pautar ou não Reformas. Alia-se ao festival de risco desse menu não harmonizado um jogo que Lula adora jogar, o de trazer para o mesmo grupo de trabalho o líder da Gaviões da Fiel e o líder da Mancha Verde. Mais ou menos assim a gente pode falar de um time com André Lara Resende e Pérsio Arida & Nelson Barbosa e Guilherme Mello. Por mais que se entendam, usam cores intelectuais distintas.
Não dá para discutir sobre quem ficará à frente da Economia ou elogiar equipes de transição sem olhar para onde se deve olhar: como ficará essa instituição fracassada e insensível chamada Congresso Brasileiro. É no Congresso que reformas são travadas. Assim como é nele que aberrações ideológicas conseguem unir PT e PL de um lado e deixar PSOL e Novo do outro, como nas votações de fundões partidários e eleitorais. A Casa Grande em que farras fiscais são paridas. Também é nele, com o hipócrita argumento de que orçamentos da educação e da saúde são sagrados, que nascem desvios do dinheiro público via kit robótica, licitação viciada para comprar laptops ou equipamentos hospitalares com sobrepreço. Aqui mete-se a mão na escola e no hospital sem dó e vergonha alguma. Por isso o desafio do Brasil não é definir o tamanho da grana. O desafio é cuidar da grana. E jamais esquecer que a verdadeira matança de brasileiros e motto da desigualdade é a inflação, filha legítima de incontinências fiscais. Que Lula, Alckmin e seu exército transicional não descuidem da verdadeira batalha.
Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.