10/06/2016 - 20:00
O recente chamado da matriz alemã da BMW recrutando a fábrica de Araquari, em Santa Catarina, para enviar carros aos Estados Unidos neste ano foi recebido com uma boa dose de alívio pela operação local diante das projeções de queda no mercado interno. Mais do que garantir a ocupação de um terço da capacidade produtiva do grupo no País e atestar a qualidade da manufatura nacional, o lote de 11 mil unidades despertou na subsidiária brasileira a esperança de inaugurar uma frente regular de vendas ao exterior. Novos estudos foram encomendados visando outros mercados, mas antes mesmo de estarem prontos, já geram suspeitas do que pode atrapalhar na disputa com outras fábricas da marca ao redor do mundo. “O Brasil ainda é muito fraco nos acordos comerciais, precisa focar isso”, afirma Gleide Souza, diretora de relações governamentais da BMW no Brasil.“Temos de ultrapassar as barreiras que se colocam.”
Como na exportação da fábrica catarinense, que marca o primeiro embarque de veículos nacionais ao mercado americano em 11 anos, o câmbio desvalorizado vem ajudando a abrir portas e, somado à recessão brasileira, inaugurou uma nova onda de exportações no País. Além da BMW, a Hyundai, por exemplo, passou a destinar parte da produção para o Paraguai. Mas as companhias sabem que só o novo patamar da moeda não é suficiente para garantir uma posição global sustentável. Falta avançar em temas como a infraestrutura, a burocracia e o acesso a mercados. O entusiasmo corporativo com o exterior ganhou mais um impulso com a reorientação da política externa do governo Michel Temer. A nomeação do senador José Serra para o comando do Itamaraty deu mais peso ao tema e corroborou a intenção de colocar as estratégias internacionais no centro da política econômica. Serra, um dos primeiros ministros a ser nomeado após o impeachment, reorganizou rapidamente a estrutura de comércio exterior em Brasília e disparou contra políticas vigentes até então.
Sua postura efusiva gerou críticas da oposição e alguns protestos em missões no exterior, mas injetou estímulo no setor privado. “Vamos recolocar o Brasil no mapa do comércio internacional”, afirmou Serra à DINHEIRO (leia mais na página 26). Os empresários se animam. “O Brasil tem de voltar a trabalhar com o mundo inteiro”, diz Décio da Silva, presidente do conselho de administração da WEG. “O momento, com o novo Ministério das Relações Exteriores, pode trazer um alento para todos nós.”
Para deixar claro o caráter prioritário, Temer passou a incorporar a presidência da Câmara de Comércio Exterior (Camex), antes sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento, e delegou a Serra a secretaria-executiva do órgão, que é responsável por desenhar as diretrizes da política comercial. A mudança dá um novo status para a área. O novo chanceler levou ainda Agência de Exportação e Promoção Comercial (Apex), dotada de orçamento próprio e próxima à iniciativa privada, ao guarda-chuva do Itamaraty, para alinhar uma ofensiva conjunta com a estrutura de promoção comercial das representações diplomáticas. O sinal mais nítido de uma nova posição, porém, está mais no que foi dito do que o realizado até agora. Desde o início, Serra indicou a pretensão de adotar uma linha mais pragmática e menos ideológica na questão de comércio. O foco principal é buscar um número maior de acordos comerciais, dando mais ênfase a mercados desenvolvidos, como EUA e Europa, e às negociações bilaterais. “A grande guinada é fazer com que o Brasil participe de acordos, inclusive os bilaterais”, afirma o ex-secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, da Barral M Jorge Consultores. “Ele vai ser muito agressivo.” Será uma forma de ajudar a evitar entraves como o notado pela BMW no seu ensaio exportador.
Nos últimos anos, o Brasil esteve mais centrado na defesa do multilateralismo, via Organização Mundial de Comércio (OMC), e na aposta de concretização de grandes negociações como a Rodada Doha, avançando pouco nos temas bilaterais. A agenda vinha privilegiando também o eixo Sul-Sul, de países em desenvolvimento. “O Brasil ficou parado”, afirma Lucas Ferraz, professor da FGV. “Há uma indicação de forte mudança na política externa, mais em busca de resultados econômicos, com alteração de Sul-Sul, para Norte-Sul, onde há maior potencial de ganhos.” Em uma de suas primeiras missões, o novo chanceler buscou pressionar a União Europeia por uma resposta ao acordo com o Mercosul, recém-retomado pelas partes. Antes disso, esteve na Argentina, num sinal de que pretende se aproximar do vizinho para além do Mercosul e em busca de discutir um resgate à vocação econômica do bloco regional, além de uma flexibilização que permita negociações bilaterias com mais liberdade. “O Mercosul faz sentido se for uma base para as empresas adquirirem musculatura para a competição global”, diz Serra.
A expectativa é que possa haver um avanço mais célere também nas negociações que vão além de tarifas, como na convergência de normas e compras governamentais. Além do acordo com a União Europeia, outros temas que podem caminhar são a ampliação do comércio com o México e um acordo para por fim à bitributação com os Estados Unidos. Nos últimos meses, um esforço liderado pelo ex-ministro do Desenvolvimento, Armando Monteiro, no âmbito do Plano Nacional de Exportações, ajudou a firmar acordos automotivos com a Colômbia e com o Peru. Os empresários, porém, reclamavam um empenho maior da presidente Dilma Rousseff na área internacional.
Para Roberto Azevêdo, diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), a busca de negociações em várias frentes ao mesmo tempo faz sentido. “É importante que os países emergentes influenciem a definição das novas regras para o comércio e a OMC pode ser a plataforma para isso”, afirmou à DINHEIRO. “É claro que também pode, em paralelo, negociar acordos bilaterais.” Declarações de Serra na Europa chegaram a ser interpretadas como uma crítica à entidade, por sugerir uma baixa eficiência na evolução dos temas das barreiras nos últimos anos. O discurso de ambos mostra um alinhamento sobre a necessidade de reforçar a importância do comércio exterior. “O Brasil precisa seriamente de mais competitividade e a abertura internacional é fundamental nesse processo”, diz Azevêdo. “O mercado externo precisa deixar de ser visto como algo circunstancial, como um plano C ou D.”
A mensagem vem ganhando eco no Brasil. É cada vez mais comum escutar setores priorizando um esforço para aumentar exportações. O volume vendido ao exterior cresceu 15% de janeiro a maio deste ano, contribuindo para um superávit acumulado de R$ 19,7 bilhões da balança comercial. O resultado foi destaque no PIB do primeiro trimestre e ajudou a reduzir o impacto da recessão. “Passamos muitos anos com câmbio sobrevalorizado, que impedia os esforços de exportação e nos fazia voltar ao mercado interno”, diz Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Foi um erro que o Brasil cometeu para manter a estabilidade da inflação. É preciso adotar medidas duradouras para ter o comércio internacional como política de longo prazo.”
Se as novas diretrizes do Itamaraty sinalizam um cenário mais favorável no futuro, a queda na atividade vem se encarregando em dar o impulso no curto prazo. O número de exportadores cresce com mais força, depois de um período de retração (leia quadro na pág. 24), alcançando um espectro maior de produtos. Na empresa de comércio exterior Martins Logística, por exemplo, houve avanço de 35% em novos clientes de exportação, com mais da metade buscando a sua primeira venda ao exterior. A tendência, segundo o presidente Lourival Martins, é que os novatos mantenham a área externa no futuro. “Acabam criando uma filosofia de exportação.”
Além dos tradicionais gargalos de infraestrutura, o aumento das vendas ao exterior esbarra em restrições como a oferta nos navios. Com a queda nas importações, o número de linhas para a Ásia caiu de cinco para três frequências por semana e cerca de 20% dos exportadores de grãos encontram dificuldades para embarcar os produtos, um problema que pode se repetir com cargas refrigeradas de carne, segundo a Maersk, operadora de comércio global. A mudança de rumos indica um novo capítulo na inserção internacional do Brasil, mas como se pode ver será preciso mais do que vontade para ocupar o espaço deixado de lado nos últimos anos.