Você pode não estar familiarizado com o nome Sólon, mas ele é um dos responsáveis por criar a democracia como conhecemos hoje. Governador de Atenas, na Grécia, em 594 a.C, ele foi o homem que rompeu a barreira da nobreza no poder. Deu direito a voto aos trabalhadores livres, proibiu escravidão como pagamento de hipoteca e perdoou dívidas de camponeses. Em sua revolucionária métrica de governo, uma nova diretriz: não mais os nobres, mas sim os ricos, deveriam guiar a sociedade. De lá para cá a democracia se popularizou pelo mundo, se adaptou ao tempo e às nações.

Enquanto a polarização dividiu o País nas figuras de Lula e Bolsonaro, outros dois presidentes já articulavam como será jogada a partida em 2023. Esses donos da bola, ou “ricos de poder”, parafraseando Sólon, estão no Congresso. São o deputado Arthur Lira (PP) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD). Ambos seguem na cena e farão de tudo se manter na presidência das respectivas casas. Deles dependem as decisões sobre a economia da Nação.

As demandas não são poucas. Uma nova âncora fiscal, a atenção ao meio ambiente, o crédito para investimentos da União, o reajuste dos salários dos servidores, uma reforma tributária eficiente, tudo isso passará pelo Congresso, onde ganha força o plano de tornar o Brasil semiparlamentarista ­ — sistema que, na prática, já vigora por aqui. “O presidente da República tem poderes cada vez mais limitados. Quem decide é o Legislativo e a polarização presidencialista só beneficia os políticos fisiológicos”, disse Alvin Klevorick, professor de economia da Universidade de Yale e especialista em relações de poder na América Latina.

Mateus Bonomi

“Você quer Orçamento feito pelo relator, distribuindo pelos senadores e deputados, a volta do mensalão ou aquela humilhação que o parlamentar leva um chá de cadeira de cinco horas de um ministro para pedir recurso?” Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados.

Nas mãos de Lira, a concentração de poder tem nome e sobrenome: Orçamento secreto. São R$ 19 bilhões com destino pouco transparente. Com eles, o parlamentar consegue mexer e remexer na rotina das Casas, acelerar projetos, travar pautas e sustentar sua própria importância. Sobre o tema, o deputado falou abertamente à Agência Câmara: “Você quer Orçamento feito pelo relator, distribuindo pelos senadores e deputados, a volta do mensalão ou aquela humilhação que o parlamentar leva um chá de cadeira de cinco horas de um ministro para pedir recurso?” É uma falsa questão, já que a gestão desse dinheiro dá ao parlamento, indiretamente, o controle sobre o Executivo. Uma prática perigosa e que, segundo a agenda do Supremo Tribunal Federal (STF), deve ser apreciada e corre risco de extinção em 2023. Caso isso ocorra, estratégias de manutenção do poder seguirão rondando. Além da discussão sobre um semiparlamentarismo, o Senado também possui cartas na manga. A principal delas envolve pedidos de impeachment de ministros do Supremo. Pacheco, ainda que repudie a possibilidade, deixou claro que o tema precisa ser reavaliado.

TETO DE GASTOS Se restam dúvidas quanto ao poder dos deputados e senadores sobre a agenda econômica basta olhar para as demandas de 2023. A mais urgente é a criação de uma nova régua fiscal, já que o teto de gastos não terá como se manter. É aí que os problemas começam. O governo federal iniciará o ano no vermelho, devendo R$ 63,7 bilhões. E isso sem abarcar um aumento real do salário, manutenção do benefício de transferência de renda na casa dos R$ 600 e os reajustes do funcionalismo público.

Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), caso seja mantido o teto, será necessário redirecionar mais R$ 51,8 bilhões apenas para o benefício social. Isso apertaria as despesas discricionárias (não-obrigatórias) do governo, de R$ 115,7 bilhões para 2023. Na prática, os gastos só com esses itens poderiam superar R$ 100 bilhões, tornando inviável a execução de um ano fiscal com apenas R$ 15 bilhões disponíveis. Daniel Couri, diretor-executivo do Instituto Fiscal Independente defende que a primeira medida seja definir a regra fiscal. “No cenário atual o teto de gastos se torna inviável e incompatível com o foi prometido em campanha.”

Ton Molina

“Não há espaços para ruptura democrática porque o Legislativo hoje é uma força motriz do andamento da República. Daqui saíram os projetos determinantes para sustentar a economia nos últimos dois anos” Rodrigo Pacheco, presidente do Senado.

Um dos responsáveis pela construção do teto, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles entende que os gastos precisarão ser feitos, então é necessário agir com responsabilidade. “É impossível fazer tudo a tempo de manter os pagamentos do Auxílio Brasil no início do próximo ano”, disse Meirelles. “O mais provável é que seja necessário solicitar uma dispensa de gastos no Congresso e tentar aprovar essas medidas.”

Mais uma vez, aí entram os parlamentares. Com o Legislativo dividido, aprovar qualquer medida depende de quantos amigos o governo central conseguir fazer. Neste momento, pela diretriz dos partidos, é possível que o número de deputados e senadores que se consideram “liberais na economia” tenha saltado 12% entre 2018 e 2022, e já some a maior bancada nas duas Casas. São 348 deputados e 45 senadores que abertamente defendem o liberalismo econômico — pelo menos na teoria.

Na prática, a aprovação de uma âncora fiscal nova, seja ela uma nova versão do teto ou a criação de uma regra de ouro calculada pela capacidade do governo de reduzir dívidas, depende do Orçamento secreto. Com R$ 19 bilhões destinados a emendas do relator, o fim dessa política pode deixar os parlamentares de mau humor com o governo. Quando isso acontece, o Brasil todo para. Segundo o presidente do Senado, a Casa está aberta ao diálogo com todos os governos. “Não há espaços para ruptura democrática porque o Legislativo hoje é uma força motriz do andamento da República. Daqui saíram os projetos determinantes para sustentar a economia nos últimos dois anos”, afirmou Pacheco.

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MEIO AMBIENTE Só falta combinar com os russos. Ou melhor, com o resto do mundo. Isso porque podem ficar parados no Congresso alguns dos marcos legais e programas de promoção da sustentabilidade de suma importância para os grandes produtores do agronegócio brasileiro. Por exemplo, a questão da mineração em terras indígenas. Dependendo do que o Parlamento decidir, o Brasil pode ganhar ou perder parceiros comerciais. Na Europa, uma lei trata diretamente da responsabilidade dos produtores de commodities no que diz respeito a manutenção do meio ambiente e aos povos originários. O tema foi aprovado na Zona do Euro no início de outubro e será apreciado e ajustado em cada um dos países que integram o bloco. A expectativa é que a França e a Alemanha liderem um processo que busque diminuir drasticamente o consumo de produtos vindos de países com uma política ambiental frágil.

Dependem dos senadores outros temas com potencial efeito negativo nos próximos acordos comerciais brasileiros. São eles a Lei Geral do Licenciamento Ambiental e os Projetos de Lei relacionados à regularização fundiária. Há ainda o PL 1.459/2022, que revoga a atual Lei dos Agrotóxicos e altera as regras de aprovação e comercialização desses produtos. Se aprovadas, podem prejudicar a imagem do Brasil lá fora, já que versam contra as normas de boas práticas que devem ser indicadas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022, em novembro, no Egito.

Uma saída seria incluir os Projetos de Lei na Comissão do Meio Ambiente (CMA), como defende seu presidente, o senador Jaques Wagner (PT-BA). O mesmo vale para a lei de Licenciamento Ambiental que reduz drasticamente a exigência e trâmites para obter direito em áreas preservadas. “Tudo isso torna essencial a discussão dentro da Comissão”, disse Wagner.

Ex-ministra da Agricultura, a senadora Kátia Abreu (PP-TO) defende uma mudança de postura e entedimento do setor rural para retomar a relevância internacional do País. “A diplomacia brasileira está muito apreensiva, pois a opinião geral é a de que a imagem do Brasil na área ambiental se deteriorou progressivamente no exterior”, disse a senadora. “Somos considerados um país irresponsável no que diz respeito às mudanças climáticas. Hoje, este é o verdadeiro risco Brasil.”

MAIS EMPREGO Programas de renegociação de dívidas e crédito para pequenos e médios empresários terão que passar pelo Congresso.

EMPREGO E INVESTIMENTOS Também passa pelo crivo dos parlamentares algumas medidas com potencial de alavancar ou derrubar a renda do brasileiro. Na mesa de Lira, há um projeto que trata da desindexação do Orçamento, o que levaria o governo a não precisar mais corrigir o salário mínimo pela inflação do ano anterior. Na prática isso segura a renda do brasileiro, mas abre espaço no Orçamento do governo.

A expectativa é que a depender da relação entre o Executivo e o Legislativo, o tema pode ser levado à votação. O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, entende que houve um endurecimento do centrão na eleição parlamentar e isso dará ainda mais poder de barganha para os partidos que integram esse grande bloco. “É difícil saber se há força e autonomia para o presidente diante desse Congresso eleito”, afirmou Appy.

O primeiro ano de um novo ciclo de governo sempre oferece ao chefe da República uma espécie de lua de mel com o Legislativo. Referendado e validado pelo povo, é normal que essa harmonia resulte em textos de interesse do presidente da República. Mas 2023 não é um ano comum. Com o Brasil dividido e o Congresso também, a resistência será um desafio. Professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), Sérgio Lima e Nunes entende que o próprio presidencialismo de coalizão está chegando perto do esgotamento. “Em 2023 será possível ver como o excesso no número de partidos não serve à democracia, serve apenas aos políticos”, disse.

O mesmo vale para a geração de emprego. Para conseguir reativar obras públicas, o presidente precisará de aprovação de crédito no Congresso. Para atrair investimento, possivelmente terá que trazer benesses aos empresários por meio de Medidas Provisórias, que também dependerão do Legislativo. E tudo isso tendo que negociar com mais de 20 partidos. Muitos deles com ideais parecidas, mas interesses diferentes. “Tudo exigirá um capital político tão alto que sufoca o próprio presidencialismo”, disse o professor.

ALERTAS DO EXTERIOR Para melhorar as relações internacionais, a forma como o Brasil trata a mineração será decisiva em 2023. (Crédito:Moacyr Lopes Junior)

REFORMAS E PRIVATIZAÇÕES E assim chegamos aos pontos mais sensíveis da relação entre os Três Poderes. As reformas estruturantes e as privatizações. Ainda que o governo federal tenha autonomia para dar os primeiros passos nessas duas questões, o destrave oficial só se dá com anuência do Legislativo e crivo do Judiciário, e aí o futuro se torna mais nebuloso. Desde a redemocratização, a briga pela paternidade dos projetos estruturantes é diuturna. Isso se manterá 2023. Entre a Câmara e o Senado já existe uma disputa sobre qual reforma tributária seria melhor. A que cria um imposto único ou a que redivide a carga tributária e reequilibra de acordo com o lugar da cadeia produtiva e renda do contribuinte. Nenhuma delas prosperou nos últimos dez anos.

Para o professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo Carlos Martions, que atuou como técnico da campanha da presidenciável Simone Tebet, a melhor estratégia para o governo seria unir as duas propostas: “Quando o Executivo assume o papel de conciliador entre Câmara e Senado ele ganha pontos nas Casas”. Essa retórica também pode ser usada para as privatizações. “Nesse caso, a mediação pode acontecer tanto para aprovar a privatização quanto para pedir mais tempo antes de o Congresso dar este passo”, disse o acadêmico.

Em um período de incertezas globais. o Executivo terá de se entender com as duas Casas Legislativas para que seu projeto de País dê certo. Dos “ricos de poder” que dominam a política brasileira depende o êxito das propostas que poderão recolocar a economia na rota de crescimento da qual se desviou há anos.