A crise econômica que assola o País parece não ter tirado o sono do executivo João Carlos Brega, presidente da multinacional americana Whirlpool na América Latina, dona das marcas Brastemp, Consul e Embraco. Embora seja um crítico ferrenho do aumento de impostos e da recriação da CPMF, conduzido pelo ministro Joaquim Levy,  Brega  acredita que, mesmo com o fraco desempenho deste ano, o País não perderá investidores e a possibilidade de novos negócios. Após um período no exterior, com passagem nas operações da companhia na Argentina, no Chile, no México e no Canadá, Brega retornou ao Brasil em 2009, para liderar a Embraco e, em abril de 2012, assumiu a presidência da Whirlpool na América Latina.  Em entrevista à DINHEIRO, o executivo analisou os impactos da recessão econômica no desempenho da empresa e como a crise política afeta a recuperação do País.

DINHEIRO – O segundo semestre está melhor ou pior que o primeiro?
JOÃO CARLOS BREGA – 
Não sei se está pior, ou não. Mas não vejo mudanças. Muito se fala de exportação e a Embraco, nossa empresa de compressores para geladeiras, por exemplo, está entre as 50 maiores exportadoras. Todos sabem da carga fiscal que o Brasil tem. Em dezembro de 2014, o governo, já reeleito, reconhecendo que a carga fiscal tira nossa competitividade, apresentou o crédito fiscal chamado Reintegra, em 3%. Já em janeiro, esse mesmo governo informou que não tinha mais como manter esse valor e derrubou para 1%. Em seguida, esse mesmo governo anunciou a reoneração da folha. Veja bem, um País que tem 38% de carga tributária, coloca PIS e Cofins sobre a receita financeira? Agora, há a questão da volta da CPMF. Isso tudo sem aviso. Você, simplesmente, acorda de manhã com essa notícia. É preciso ser um herói para deixar uma empresa em pé no Brasil. 

DINHEIRO – Como o sr. avalia as medidas do ajuste fiscal que foram aprovadas pelo Congresso? 
BREGA –
 Eu não sei o que você chama de ajuste fiscal. Em relação ao aumento de carga tributária, sim, há muita coisa aprovada, mas ajuste fiscal, para mim, tem de ter a linha de receita e despesa. Em contrapartida, fico até um pouco otimista, porque começo a ver algumas discussões de temas que têm de ser tratados, como as despesas vinculadas ao orçamento.

DINHEIRO – O sr. é favorável à diminuição dos ministérios? 
BREGA –
 Sim. A redução de ministros, sem dúvida nenhuma, é importante. Porque, como está, fica difícil. Eu conheço o Joaquim Levy de encontros, o respeito por sua formação e trajetória. Mas precisamos ter cuidado com isso, porque eu vejo muitos tentando matar o mensageiro, e o ponto não é esse. Ele é ministro da Fazenda, existem outros 38 ministros que, junto com a presidente, têm de coordenar. Vejo que é saudável essa redução, até para gerenciar.

DINHEIRO – Que mudança o sr. faria  no ajuste fiscal, se fosse o ministro da Fazenda?
BREGA –
 Não me aventuro a isso, não. Não tenho competência e nem conhecimento. Valorizo e apoio o Levy, porque reconheço que ele faz o possível pelo bem do País. A ele é dada a missão de equilíbrio das contas, mas não a autonomia para colocá-la em prática. Ele não tem, por exemplo, autonomia para mexer nas despesas. E esse é o ponto que tem de ser discutido. 

DINHEIRO – Além disso, o que deve ser debatido para retomarmos o crescimento econômico?
BREGA –
 Precisamos colocar em pauta a questão da previsibilidade. Eu me refiro ao governo como um todo, sem distinção e sem apontar nomes. A princípio, foi traçado que teríamos um superávit primário de um ponto vírgula alguma coisa. Depois, mostraram um resultado negativo. Há, também, o próprio envio do orçamento de 2016, que parte de uma premissa de algum crescimento para o PIB. Porém, muitas projeções indicam que será pior do que está lá. Essa mudança contínua causa instabilidade no mercado.

DINHEIRO – Essa falta de previsibilidade prejudica os investimentos? 
BREGA –
 O Brasil não vai acabar. A crise, sim, acaba. Começa e acaba. Ela não foi a primeira, tampouco será a última. Agora, o que acontece é que, quando há uma crise econômica, ligada diretamente a uma crise política, o resultado é a crise na confiança. E confiança de quê? Quando você olha para frente, o que você tem? É essa instabilidade no horizonte que provoca dúvidas e receios. Não significa que nunca mais se vai investir. Mas é um período de freada, que demorará mais para ser retomado. 

DINHEIRO – O Brasil perderá o grau de investimento? 
BREGA – 
Vou colocar de outra maneira. Eu acho importante manter o grau de investimento. Embora ele seja consequência, não pode ser objetivo. Ele é consequência da confiança na economia, e essa confiança se traduz em investimento. E esse investimento se alimenta de custo de dinheiro mais barato, prazos mais longos, perfil de investidor que aceita um retorno mais longo. O que traduz o grau de investimento é isso. Então, acho importante, sim, mantê-lo. Mas não sei responder se vamos manter, não consigo prever, mas concordo que é muito importante.

DINHEIRO – O dólar caro vai impulsionar as exportações? 
BREGA – 
Não. Isso é um engano. Dizer que o dólar caro vai impulsionar as exportações é uma falácia total. Todas as moedas se ajustaram. Ainda mais porque, do outro lado, nem o México, nem a China, nem a Colômbia tiveram Reintegra, reoneração da folha e PIS/Cofins sobre receita financeira. Nós tivemos tudo isso. E nós ainda temos a carga fiscal. Fora a volatilidade. O que todos precisam é de estabilidade e confiança. É apenas dessa maneira que conseguiremos ajustar, seja o mercado doméstico ou o de exportação. Uma coisa é ser exportador de commodities, outra é ser de produto manufaturado, que agrega valor. Para exportar manufaturado, é preciso estabilidade e conquistar mercados. Isso não acontece de um dia para o outro.

DINHEIRO –  A indústria vem perdendo cada vez mais participação no PIB, o que gera reação das entidades empresariais. Elas estão no caminho certo?
BREGA –
 Nós, da Whirlpool, estamos na indústria e temos de nos posicionar. Quero valorizar o trabalho do Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), e do Glauco José Côrte, da Força da Indústria Catarinense (Fiesc). Sentimos que estamos muito bem representados por eles, que tentam demonstrar como o setor se sente. Porém, estou preocupado com a posição da Confederação Nacional da Indústria. Não estou vendo a CNI na ponta.

DINHEIRO – A desaceleração chinesa tem afetado as bolsas mundiais. Há um risco global?
BREGA –
 A crise é cíclica. A China é um grande mercado, que consome bastante e, que, ao mesmo tempo, exporta muito. Nesse novo rearranjo, há muita turbulência. Acredito que, globalmente, não experimentaremos um crescimento muito grande, mas ele vai existir. Em um primeiro momento, será puxado pelos Estados Unidos. Posteriormente, pela própria China. Não vejo uma recessão global

DINHEIRO – Os planos da Whirlpool contam com a permanência da presidente Dilma Rousseff no governo, até 2018?  
BREGA –
 Sem dúvida que sim. Somos uma democracia com regras estabelecidas. Ela foi eleita corretamente, então tem de manter o mandato. Não somos uma republiqueta que tira alguém do poder só porque não gostamos. Temos leis e uma Constituição para seguir.

DINHEIRO – Quando a Whirlpool traçou o planejamento para 2015, previa um cenário tão frágil quanto o atual?  
BREGA – 
Não. Voltando a 2014, nós sabíamos que, independentemente de quem ganhasse a eleição, o governo teria de fazer um ajuste. Sabíamos que o governo americano teria de subir os juros e, que, então haveria um ajuste das moedas. Sabíamos que o primeiro trimestre seria difícil, mas acreditávamos que depois iríamos recompor. Mas, não contávamos com essa crise política. Ela fez com que o ajuste econômico virasse crise. A soma desses dois fatores resultou na crise de confiança. E esse é o grande ponto que temos hoje.

DINHEIRO – Para 2016, as projeções da empresa estão mais positivas? 
BREGA – 
Acredito  que há uma diferença entre o absoluto e o relativo. Então, o que é o absoluto, é o tamanho. Vamos dizer que tínhamos uma economia de 100, que caiu para 95. Se crescermos um ponto nos 95, não chegaremos aos 100. Esse é o cenário que avaliamos para 2016. Ele está até certo ponto alinhado com o mercado financeiro, que prevê uma pequena retração do PIB. O que acreditamos é que as eleições para prefeitos e vereadores serão um marco para o ano. Normalmente, aprendemos com a crise. Somos uma democracia muito jovem, precisamos levar uns tombos para aprender a votar  melhor e ter consciência da importância do voto. Os resultados das eleições de agora serão um espelho do que esperar para as eleições para presidente, em 2018. 

DINHEIRO – Como a crise afetou os negócios da Whirlpool?  
BREGA –
 Todos os dias tomamos decisões que impactam no curto e no longo prazo. Temos uma estratégia muito clara e bem definida, como liderança de marca e de produto, através de pessoas competentes e com excelência operacional. Não estamos cancelando nenhum lançamento de produto. Neste mês, por exemplo, estamos lançando uma linha de fogões Consul. Em outubro, lançaremos uma cozinha completa Brastemp. Não alteramos o plano de lançar 200 produtos em 2015 e, no ano que vem, pretendemos continuar nesse ritmo. Isso não muda. Mas fizemos ajustes, como o redirecionamento da estrutura para conviver no curto prazo, nunca comprometendo o longo prazo.

DINHEIRO – Em que consistem esses ajustes de curto prazo? 
BREGA – 
Nós fomos os únicos da nossa indústria que entramos em férias coletivas em fevereiro, porque percebemos que a demanda não estava nos níveis que deveria. Então, ajustamos o estoque antes da concorrência. Demos férias coletivas no escritório, em julho. Também estamos nos adequando ao volume e ao tamanho de indústria que imaginamos. Não significa que não vamos crescer, pois vamos sempre buscar aumento participação de mercado. Embora planejadas, as férias coletivas não são boas. Fábrica e indústria precisam de continuidade.

DINHEIRO – A empresa demitiu cerca de três mil funcionários no período de um ano…
BREGA –  
Nós fomos mais seletivos na contratação, o que é uma saída natural. Há dois momentos distintos: passar pela crise sendo pego de surpresa, ou ter capacidade de prever o que iria acontecer. Sabíamos que o governo faria um ajuste, então fomos devagar e monitorando. À medida que vimos que a crise ficaria aguda, passamos a ser restritivos. É um remédio amargo, mas foi preventivo. Não estamos investindo em aumento de capacidade, mas mantivemos em produto e marcas, o equivalente a 3% ou 4% do nosso faturamento.

DINHEIRO  – Como a matriz da Whirlpool, nos Estados Unidos, avalia a crise no Brasil?  
BREGA – 
As multinacionais com fábricas no Brasil estão com um desempenho inferior ao do ano passado. Primeiro, em receita, porque os mesmos reais serão divididos por uma taxa maior de câmbio, o que irá gerar menos dólares. Segundo, pelo próprio tamanho. No nosso caso, a Whirlpool tem 104 anos, e mais de 50 anos no Brasil. Eles já acompanharam outras crises e ciclos em solo brasileiro. Por isso, continuam confiantes no Brasil e sabem que iremos superar os problemas. O difícil é a dor causada no momento.