28/02/2014 - 21:00
Aviagem quase foi adiada pelo temor, do lado brasileiro, de que não houvesse o que discutir. Mas, no fim das contas, foi um sucesso a visita da presidenta Dilma Rousseff a Bruxelas, na segunda-feira 24. A conversa com o presidente da Comissão Europeia, o português José Manuel Durão Barroso, e o presidente do Conselho Europeu, o belga Herman Van Rompuy, começou tensa, com a reclamação dos europeus sobre a política de incentivo à indústria nacional ainda sobre a mesa. Mas Dilma conseguiu desarmar os argumentos dos anfitriões e ainda arrancar uma data – 21 de março – para a reunião técnica que precede a troca de propostas para o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.
Olho no olho: a presidenta Dilma Rousseff disse ao belga Rompuy (ao centro) e ao português
Durão Barroso que estranhava as reclamações do europeus na OMC
Aos representantes europeus, a presidenta disse que causou “estranheza” a reclamação deles à Organização Mundial do Comércio (OMC), no fim de dezembro, sobre os incentivos fiscais na Zona Franca de Manaus e o programa Inovar-Auto, que aumentou a tarifa para veículos e autopeças importados, para incentivar a produção nacional. “Falei que achava contraditória a posição de defesa do meio ambiente e a consulta sobre a Zona Franca”, disse Dilma aos jornalistas, depois do encontro. Ela lembrou que a intenção do governo é ampliar a Zona Franca, para gerar empregos na região e ajudar na preservação da Floresta Amazônica.
Além disso, as montadoras europeias são beneficiadas pelo Inovar-Auto, que dificulta a invasão de carros importados – a China é o alvo principal. Xeque-mate. No final, a delegação brasileira ficou com a impressão de que o recado foi entendido. Porém, mais do que defender os programas brasileiros, Dilma tinha outra missão em Bruxelas: avançar as negociações do necessário acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Em seu primeiro compromisso na capital belga, no domingo à noite, Dilma participou de um jantar oferecido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
No salão do Hotel Steigenberger, ela ouviu dos cerca de 30 representantes da indústria e do agronegócio que o acordo é fundamental para ampliar o mercado brasileiro no Exterior. A União Europeia é o principal destino das exportações brasileiras, com 18,7% do total, mas o volume vem caindo nos últimos dois anos e, em 2013, o Brasil teve o primeiro déficit em 14 anos (leia quadro ao final da reportagem). A CNI, que já foi contra a abertura do mercado brasileiro aos europeus, agora vê oportunidades na negociação.
“Nossa indústria tem um nível de qualidade e preço que nos permite concorrer com os europeus”, diz o presidente da entidade, Robson de Andrade. “Além disso, vamos ganhar acesso ao mercado deles.” Enquanto Dilma se reunia na sede do Conselho da União Europeia com Durão Barroso e Rompuy, os empresários participavam do 7º Encontro Empresarial Brasil-União Europeia. Em dezembro farão um novo encontro para discutir as dez medidas, de cada lado, que mais dificultam o comércio bilateral.
Para o Brasil, uma das mais onerosas é o Reach, o programa de registro de produtos químicos que podem ser exportados para o bloco. De acordo com empresários brasileiros, a inclusão de um produto na lista custa cerca de R$ 500 mil. Iniciadas em 2000 e paralisadas em 2004, as negociações foram retomadas em 2010, mas a última reunião ocorreu em janeiro do ano passado. Desde então, cada lado está encarregado de elaborar sua proposta de abertura de mercado, mas dentro do próprio Mercosul ainda não há consenso – embora a Argentina tenha avançado na sua oferta na última reunião, há três semanas.
“Não será uma negociação fácil e um acordo não deve sair em menos de dois anos, mas é muito importante avançar para abrir novos mercados”, diz o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior. É bom lembrar que os Estados Unidos negociam com os europeus a formação do maior bloco de livre comércio do mundo. Dilma está otimista. “Nunca vi tão próxima essa possibilidade, tanto da nossa parte, porque a evolução é significativa, quanto da parte deles”, afirmou a presidenta. Durão Barroso também quer aproveitar o momento para selar um casamento. “Num momento em que a Europa está avançando em tantos acordos comerciais, seria uma pena não termos um com nossos amigos do Mercosul”, disse ele.