Na última década, o Mercosul pouco avançou em termos institucionais. Nenhum acordo de integração importante saiu do papel e a negociação com a União Europeia não foi para a frente. Em compensação, o comércio no interior do bloco prosperou. As exportações brasileiras para Argentina, Paraguai e Uruguai cresceram quase dez vezes. Em 2012, porém, a bruxa ronda o sul do continente. Primeiro foi a Argentina. Sufocada por um crescimento pífio e pela escassez de dólares, o país tenta reduzir suas importações por meio de uma pesada burocracia para a entrada de produtos estrangeiros. O resultado foi uma queda de 10,6% nas exportações brasileiras para a Argentina nos primeiros cinco meses do ano. 

 

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Barrado no Mercosul: novo presidente do Paraguai, Federico Franco, foi impedido

de participar da reunião do Mercosul.

 

Na semana passada, o ruído veio do Paraguai, parceiro comercial muito menor, mas importante pela sociedade na usina hidrelétrica de Itaipu, que fornece quase 20% da energia consumida no Brasil. Depois do impeachment do presidente Fernando Lugo, num processo que provocou desconfianças internacionais pela inusitada rapidez de seu desfecho, o Paraguai foi suspenso do Mercosul e o novo presidente, Federico Franco, se viu impedido de participar da reunião da sexta-feira 29, em Mendoza, na Argentina. Com tantos problemas, o Mercosul vale a pena para o Brasil? Para empresários e especialistas, a resposta é simples: ruim com ele, pior sem ele. 

 

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Barrado no porto: Piccadilly, de Paulo Grings, não consegue exportar

sequer um par de sapatos para a Argentina.

 

“Com o Mercosul, o Brasil teve acesso aos mercados da região, com tarifas preferenciais, que não teria de outra forma”, diz o consultor Welber Barral, que foi secretário de Comércio Exterior no governo Lula. Nos primeiros cinco meses deste ano, no entanto, as exportações brasileiras para o bloco caíram 10,2%, e a participação do Mercosul no total das exportações brasileiras já passou de 11%, no ano passado, para 9,6% (veja quadro ao final da reportagem). Diante desse cenário, o diretor do Departamento de Relações Internacionais da Fiesp, Roberto Gianetti da Fonseca, alerta que, embora o Mercosul tenha sido importante para abrir novos mercados para a indústria brasileira, o momento atual é perigoso e requer atenção do governo brasileiro, especialmente com a ameaça de ruptura com o Paraguai. 

 

“O Mercosul está numa fase de regressão”, afirma Gianetti da Fonseca . “Está perdendo dinamismo e qualidade no entendimento entre os parceiros.” A despeito da redução dos volumes, a qualidade das exportações brasileiras não se deteriorou. Os industrializados ainda representam cerca de 90% dos embarques, o que explica a enorme tolerância do Brasil com os humores do governo argentino, especialmente do secretário de Comércio Exterior, Guillermo Moreno, o mentor do protecionismo do governo de Cristina Kirchner. “A paciência é necessária porque o Brasil ainda consegue um superávit elevado”, diz o consultor Thiago Aragão, especialista em América Latina da Arko Advice. 

 

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Barrado no poder: Ex-presidente do Paraguai, Fernando Lugo foi tirado do cargo

em tempo recorde pelo Congresso.

 

Nos últimos tempos, o governo brasileiro já deu mostras de que a política de leniência total não será mais admitida, e passou a usar o licenciamento não automático para alguns produtos perecíveis. A reação, porém, é tímida se comparada com a situação enfrentada pelos calçadistas brasileiros. De janeiro a maio, as exportações para a Argentina caíram 59%. “A situação da Argentina é incompreensível”, diz Milton Cardoso, presidente da Vulcabras e da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). Atualmente, há 1,5 milhão de pares esperando autorização para embarcar – em alguns casos, a demora chega a quase dois anos. “São produtos que servirão só quando voltar uma moda retrô”, ironiza Cardoso. A fábrica de calçados femininos Piccadilly é uma das vítimas do protecionismo argentino. 

 

No ano passado, um terço das exportações da empresa gaúcha foi para o país vizinho, o seu principal mercado no Exterior. Neste ano, a empresa não conseguiu embarcar um par sequer e não está aceitando novas encomendas vindas do país. Parte da produção foi redirecionada para o Chile e Paraguai cuja atual crise política preocupa os negócios. “Um cliente nosso paraguaio adiou suas compras na semana passada à espera do que vai acontecer”, diz Paulo Eloi Grings, presidente da Piccadilly. Outra empresa prejudicada pela instabilidade na região foi a fabricante de camisas Dudalina. Sem conseguir vender para a Argentina, teve de se contentar com o pequeno mercado paraguaio. “E agora, com a crise política, provavelmente as vendas para lá vão cair pela metade”, diz Rui Hess, diretor de Varejo e Exportações da empresa. 

 

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Colaborou: Cristiano Zaia