Um grupo de funcionários da Cavo, empresa de coleta de lixo, teve a companhia de um personagem insólito em abril de 2011, em Curitiba. Era nada menos do que o empresário paulista Wilson Quintella Filho, hoje com 56 anos, dono da Estre, que um mês antes havia adquirido a Cavo, do grupo Camargo Corrêa, por R$ 610 milhões. Vestido com roupa de gari, Quintella Filho passou o dia com eles, ajudando-os no serviço na capital paranaense. “Aprendi muito com os colegas com quem trabalhei naquele dia e até hoje essa experiência serve de base para algumas decisões”, disse à DINHEIRO. O episódio é até hoje lembrado por executivos próximos ao empresário como um retrato fiel do seu estilo informal de comandar o negócio, avesso à formalidade e ao distanciamento hierárquico. 

 

 

122.jpg

Quintella Filho: o empresário adquiriu sete empresas, nos últimos cinco anos,

e mira uma receita de R$ 5 bilhões até 2016

 

“Nosso traje para todas as ocasiões é calça jeans, sapato e camisa”, afirma Alexandre Alvim, diretor de desenvolvimento da Estre. “Nem o diretor jurídico usa gravata.” A simplicidade no vestir, no entanto, é diametralmente oposta à ambição de Quintella Filho. Há quase 14 anos, ele acha muito dinheiro no lixo. Mais precisamente: R$ 2 bilhões. Esse é o valor do faturamento da Estre em 2012, segundo Alvim, 10% do que é movimentado anualmente nesse setor no Brasil. Até 2016, a meta é ser uma companhia de R$ 5 bilhões, resultado que a transformaria em uma das cinco maiores do mundo em sua área. “Existe uma grande oportunidade de expansão desse setor no Brasil”, diz Quintella Filho. 

 

“Cerca de 50% do lixo do País não é destinado de forma correta.” Hoje, a Estre é dona de 23 aterros sanitários, incluindo um na Argentina e outro na Colômbia. No Brasil, cerca de 25% de todos os resíduos recolhidos e enviados para tratamento têm como destino um dos aterros da companhia. “O mundo trata o lixo como um fim. Para nós, é o começo”, diz Quintella Filho, naquela que se transformou em uma de suas frases preferidas, repetida à exaustão para seus executivos. A frase, que virou um dos lemas da Estre, se materializou na estratégia da empresa. Tanto que nenhuma oportunidade de negócio escapou do faro apurado de Quintella Filho. A companhia atua em quase todas as áreas da cadeia do lixo: limpeza pública, coleta, transporte, reciclagem e tratamento final. 

 

123.jpg

Olacyr de Moraes: o ex-rei da soja foi um dos primeiros investidores da Estre,

que teve uma sobrinha como sócia majoritária

 

A presença em tantos segmentos se deve a uma agressiva política de aquisições. Nos últimos cinco anos, a Estre assumiu o controle de sete concorrentes (confira mais informações no quadro “Mercado verde”). Além disso, arrematou, por estimados US$ 100 milhões, uma fatia de 11% da americana Star Atlantic Waste Holdings, uma gigante que fatura US$ 1,5 bilhão e administra 47 aterros sanitários e 26 usinas de reciclagem nos Estados Unidos. Por conta dessas transações, sua receita quintuplicou em apenas dois anos – era de R$ 400 milhões, em 2010. 

 

O número de funcionários cresceu ainda mais: pulou de três mil para 20 mil. Esse crescimento foi apoiado pelo BTG Pactual e pela Angra Infraestrutura, que compraram 27,41% e 8,21%, respectivamente, da Estre, em 2011. Quintella Filho manteve-se majoritário, com uma fatia de 50,50%. Mas o tempo de aquisições, ao que tudo indica, chegou ao fim. Pelo menos por enquanto. “Criamos praticamente uma torre de babel de culturas”, afirma Alvim. “Precisamos colocar a máquina para funcionar de acordo com as nossas estratégias.” E no melhor estilo de que no lixo nada se perde, tudo se transforma, a companhia quer usar o resíduo de seus aterros para gerar energia. 


Primeiro vai produzir energia com o gás metano resultante da decomposição do lixo orgânico. Esse filão deverá ser explorado em 80% dos aterros da Estre. Em 2016, quando já estiverem com todas as turbinas funcionando, a operação deverá gerar R$ 200 milhões adicionais aos cofres da empresa. “Aproveitaremos uma demanda que já existe em nossa cadeia”, afirma Dirceu Pierro Jr., diretor da Estre. A companhia também importou da Finlândia uma máquina de R$ 50 milhões para triturar detritos, que depois serão usados em altos-fornos. O equipamento recebeu o apelido de tiranossauro, no melhor estilo Fred Flintstone. 

 

124.jpg

Alvim, da Estre: ”Nosso traje é calça jeans, sapato e camisa. Nem

o diretor-jurídico usa gravata”

 

É fácil entender a razão. Semelhante ao feroz dinossauro, ela é capaz de triturar e separar mil toneladas de detritos por dia. No final do processo, os materiais com elevado poder de combustão parecem confetes de Carnaval e são vendidos para indústrias do setor de cimento e siderúrgicas. Por enquanto, os testes estão sendo feitos em algumas unidades da Votorantim Cimentos. “Será uma opção para as indústrias que hoje utilizam o óleo combustível”, diz Pierro Jr. O preço, de acordo com ele, ainda está em estudo, mas deverá ser um terço do valor do combustível fóssil, comercializado por R$ 150 a tonelada. 

 

VISIONÁRIO As perspectivas do setor do lixo são ainda mais otimistas quando se leva em conta a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê o fim dos antiquados lixões até 2014. “As empresas só começaram a se preocupar com a gestão de seus resíduos nos últimos anos”, diz Clovis Benvenuto, presidente da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública. “Quintella Filho foi um visionário ao apostar no segmento, quando poucos acreditavam que o lixo poderia dar lucro.” Sua história, no entanto, poderia ter sido diferente não fosse a falência da trading de soja Cutrale Quintella, formada por José Cutrale, um dos maiores fabricantes de suco de laranja do mundo, e seu pai, Wilson Quintella, que foi presidente da construtora Camargo Corrêa por 30 anos. 

 

“Foi uma fase traumática, mas que colaborou com sua formação como empreendedor”, afirma o empresário Olacyr de Moraes, grande amigo e tido como um mentor por Quintella Filho. Com o fim da empresa de seu pai, na qual era diretor, Quintella Filho deu expediente na GP Investments, fundo de private equity formado pelo trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Só deixou o emprego em 1999 para criar a Estre com Gisele de Moraes, sobrinha de Olacyr de Moraes. O ex-rei da soja, que hoje atua na área de mineração, chegou a colocar dinheiro para construir o primeiro aterro da companhia, em Paulínia (SP). 

 

126.jpg

 

 

Gisele, na ocasião, era a sócia majoritária – hoje, ela detém uma pequena fatia da companhia. Da época da GP, Quintella Filho herdou parte de seu estilo de gestão, como a cultura de simplicidade, da informalidade e da aposta em jovens talentos. “Aqui a média de idade dos executivos é de 35 anos”, diz Alvim. Ganhou também um de seus primeiros clientes: a Ambev, controlada por Lemann, Telles e Sicupira. Para pessoas próximas, o fundador da Estre é definido como uma usina de ideias. “Ele tem o talento de inspirar os funcionários”, afirma Adriano Stringher, ex-diretor-financeiro e membro do conselho de administração da companhia até 2011. 

 

“Cerca de 20 minutos de conversa com o chefe era suficiente para voltar ao trabalho mais motivado.” Algumas dessas ideias, no entanto, podem ser consideradas polêmicas. Nos primeiros tempos da Estre, Quintella Filho adotava uma estratégia agressiva de expansão do negócio. Ele tinha o hábito de alugar helicópteros para sobrevoar as regiões em que estava interessado para identificar lixões e aterros contaminados. Quando os encontrava, enviava uma proposta ao dono do terreno ou comprava outra área na cidade para construir seu aterro. Muitas horas voadas depois, construiu seu império do lixo.

 

125.jpg