A propaganda é algo poderoso demais para vender apenas produtos.” A afirmação é do fotógrafo italiano Oliviero Toscani, responsável pelas polêmicas campanhas da grife de roupas Benetton nas décadas de 1980 e 1990. A mais recente delas, divulgada na quarta-feira 16, não contou com a assinatura de Toscani, mas se utiliza de sua máxima. A empresa investiu € 10 milhões em seis cartazes criados para promover uma campanha contra o ódio, da recém-criada Fundação Benetton. Nas montagens, todos os personagens aparecem se beijando. O presidente americano, Barack Obama, está em duas delas – uma com o líder venezuelano Hugo Chávez e outra com o presidente chinês Hu Jintao. Nem a dama de ferro da Alemanha, a chanceler Angela Merkel, escapou da brincadeira: foi colocada num beijo no presidente francês Nicolas Sarkozy. 

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Mea-culpa: a Benetton retirou de circulação a fotomontagem dos dois líderes religiosos.
Mas o Vaticano anunciou que vai processar a grife italiana 

Em comum está o fato de todos serem políticos, acostumados a críticas e com uma imagem longe de idealizada. As críticas são sobre imagem entre o papa Bento XVI e o imã Mohammed Al Tayeb, da mesquita Al-Azhar, uma autoridade religiosa dos muçulmanos no Egito. O Vaticano considerou “uma falta de respeito, assim como ofensa aos sentimentos dos fiéis”, e entrou com uma ação contra a Benetton. No mesmo dia do lançamento, a grife italiana retirou de circulação a foto. Os cartazes foram colados em prédios em Tel Aviv, Nova York, Roma, Milão, Paris, mas a campanha ganhou projeção global. “Ingenuidade da Benetton não foi”, diz Eduardo Tomyia, diretor-geral da consultoria paulista de marcas BrandAnalytics. “Sempre esteve no DNA da empresa ser questionadora, mas há valores que têm de ser respeitados, como a religião.” Não é a primeira vez que as campanhas da grife italiana provocam inquietação. 

 

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Falem mal, mas falem de mim: o principal alvo da campanha foram os políticos, como Barack Obama e

Hugo Chávez (à esq.) e Angela Merkel e Nicolas Sarkozy

 

Em 2000, uma peça mostrava o rosto de condenados à morte nos Estados Unidos. A péssima repercussão derrubou a venda de produtos da empresa, que teve de pedir desculpas publicamente às famílias dos condenados e demitir Toscani. A partir daí, a empresa passou a exibir adolescentes em seus comerciais. “A Benetton tem mirado em todo mundo e em ninguém ao mesmo tempo”, disse à DINHEIRO Magdalena Kondej, especialista em varejo da consultoria inglesa Euromonitor. “A empresa precisa de foco para voltar a crescer.” A grife italiana está num cenário mais competitivo com o avanço de marcas como a sueca H&M e a espanhola Zara. Desde 2004, a Benetton aumentou o número de lojas em apenas 15%, enquanto suas concorrentes mais do que dobraram. De lá para cá, a italiana perdeu três posições no ranking global de vendas, ficando com o 18º lugar. A reincidência da Benetton corre o risco de ter o efeito contrário ao objetivo da campanha: em vez de combater o ódio, pode estimular a raiva dos consumidores e, de novo, derrubar as vendas da empresa. Com certeza, algo que a Benetton não quer.

 

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