Nada na infância e na juventude de Mohed Altrad, filho de um estupro praticado por um líder de uma tribo beduína, no deserto sírio, indica a trajetória de um líder empresarial. Seu pai violentou a sua mãe mais de uma vez e não vacilou em assassinar o filho mais velho. Altrad nasceu no mesmo dia que sua mãe morreu, aos 13 anos de idade, e teve uma vida dura. Proibido de estudar pela avó que o criou, ele espiava as aulas por uma fresta na parede da escola, até ser flagrado pelo professor e convidado a frequentar as aulas.

Quase morreu ao ser enterrado no deserto por colegas de classe que tinham inveja de sua inteligência e de seu desempenho escolar. Ele fugiu da cidade de Raqqa, no Norte da Síria, foi adotado por um casal sem filhos e acabou conseguindo uma bolsa de estudos na tradicional Universidade de Montpellier, no Sul da França, para onde se mudou mesmo sem saber falar a língua local. Com idade indefinida – supõe ter mais de 60 anos de idade –, o sírio é dono de uma fortuna estimada em US$ 1 bilhão, o que coloca entre as 50 pessoas mais ricas da França. Sua fortuna foi criada com o grupo Altrad, baseado em Montpellier, que atua na fabricação de andaimes, betoneiras e caminhões.

No começo de junho, Altrad recebeu, em Monte Carlo, o prêmio de empreendedor global do ano, oferecido pela consultoria EY. “Não olhe para a sua empresa como um lugar de gerar dinheiro”, disse, durante a cerimônia de premiação. “Você se tornará um robô. Esse não é o objetivo da vida. Mas, sim, ajudar as pessoas.” Em 30 anos, a pequena indústria que comprou com um sócio, graças às economias feitas à época em que trabalhava em empresas de tecnologia e de petróleo, tornou-se um grupo com 170 empresas, faturamento de mais de US$ 1 bilhão e 17 mil empregados.

Agora, o conglomerado está se ampliando com a aquisição de uma rival holandesa e com a execução de seus planos de expansão para as Américas. O Brasil está na mira do grupo, que planeja parceria ou aquisições para atuar no mercado de construção. Para vencer o prêmio da EY, ele superou rivais de respeito, como o brasileiro Pedro Lima, do grupo de café 3 Corações, e o italiano Oscar Farinetti, fundador da rede de supermercados gastronômicos Eataly. “Avaliamos empresários que comandam suas companhias no dia a dia, com princípios de governança, ética e transparência”, diz Marly Parra, diretora de marketing da EY.

Além de empresário, Altrad é escritor, com três livros publicados. É também um dos proprietários do time de rúgbi Monpellier Hérault. O estádio da equipe foi batizado com seu sobrenome. Raqqa, a cidade em que nasceu, é hoje a base de operações do grupo extremista Estado Islâmico, o que torna a possibilidade do surgimento de novos Altrads ainda mais difícil. Em entrevista para a BBC, o empresário, pai de cinco filhos, demonstrou tristeza com essa situação e com a sua trajetória sofrida. “Tenho uma dívida com a vida que sei que nunca poderei pagar”, disse. “Devolver a vida da minha mãe, que teve uma vida curta.”