Todos os anos, centenas de jovens que acabaram de ter sua carteira assinada pela primeira vez participam de um treinamento intensivo no Bradesco, batizado de período de integração. Durante três meses, esses novos funcionários conhecem as áreas e funções do banco e aprendem a atender o cliente. Além do treinamento específico para a função que irão ocupar na agência, eles recebem, entre outras coisas, noções básicas de português e matemática, conteúdos que já deveriam ter sido aprendidos no ensino médio, mas que se tornaram mais uma responsabilidade da empresa por causa da má qualidade da educação brasileira. 

 

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Na sala de aula: funcionários do Bradesco recebem treinamento na Cidade de Deus, em Osasco

 

“Não gostamos tanto de pensar no que há de errado na educação brasileira, mas no que podemos fazer para amenizar essas deficiências”, afirma Glaucimar Peticov, diretora de recursos humanos do Bradesco. No entanto, o treinamento não se limita às novas contratações. Só no ano passado, o banco da Cidade de Deus, em Osasco, investiu R$ 132 milhões para capacitar seus 104 mil funcionários em todo o País, esforço que culminou na instalação, em maio, de sua universidade corporativa, com sede em 14 capitais. Em média, cada empregado do banco passou 113 horas em cursos, o equivalente a 19 dias de trabalho, a maioria em programas a d­istância. O exemplo do Bradesco revela uma das facetas do custo Brasil: a deficiência no aprendizado pelos jovens brasileiros. 

 

De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) divulgado na segunda-feira 29, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com base em dados de 2010, apenas 41% dos brasileiros com idade entre 18 e 20 anos possuem o ensino médio completo. O dado mais preocupante, no entanto, é que 45% dos que têm acima de 18 anos não concluíram sequer o ensino fundamental. “Estamos correndo o risco de desperdiçar o bônus demográfico”, diz Marcelo Neri, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Ele prevê uma janela de mais nove anos para essa conjuntura favorável, na qual o número de pes­soas em idade economicamente ativa é maior do que o de crianças e idosos. 

 

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Glaucimar, do Bradesco: tentando amenizar as deficiências

da educação no País

 

Apesar de baixo, o indicador de educação melhorou consideravelmente nas duas últimas décadas. Em 1991, apenas 13% dos jovens de 18 a 20 anos tinham completado o ensino médio, um terço do número atual. Na educação básica, o avanço também foi significativo. A parcela de crianças de 5 a 6 anos frequentando a escola saltou de 37,3% em 1991 para 91,1% em 2010 (leia quadro ao final da reportagem). Esses incrementos levaram o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, a fazer uma avaliação otimista dos indicadores. “A educação foi o componente que mais avançou no Brasil”, afirmou ao divulgar os dados do IDHM. 

 

No entanto, outros países em desenvolvimento, concorrentes do País no mercado internacional, progrediram numa velocidade ainda maior, o que piorou a posição brasileira no ranking de educação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre 2000 e 2010, da 95ª para a 114º colocação. Para superar as deficiências no sistema educacional, assim como o Bradesco, outras companhias buscam caminhos alternativos para reforçar os conteúdos que não foram bem aprendidos na escola. A rede de hotéis Accor, por exemplo, incluiu em seus cursos aulas de redação e gramática e periodicamente recicla parte de seus 9,7 mil empregados em todo o País. 

 

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Viriato, da Accor: aulas de redação e gramática

para os funcionários da empresa

 

“Ao todo, 93% dos nossos funcionários já passaram por algum tipo de treinamento”, afirma Fernando Viriato, diretor de recursos humanos da Accor na América Latina. Nos hotéis da rede francesa, os cursos variam de aulas a distância, que duram de uma a duas horas, sobre como melhorar o atendimento ou manipular alimentos, até extensos treinamentos presenciais para que os recém-chegados conheçam o padrão de serviço de cada bandeira da Accor – no Brasil, estão presentes as marcas Pullman, Mercure, Sofitel, Íbis e Formule 1. Somente no ano passado, os funcionários da cadeia hoteleira completaram 20 mil cursos na América Latina, a maior parte deles no Brasil, que emprega 9,7 mil trabalhadores de um total de 11,5 mil funcionários contratados pelo grupo na região. 

 

Além de ensinar a execução de funções e tarefas específicas, relacionadas ao trabalho na empresa, o setor privado investe para suprir a má qualidade da educação brasileira, num sentido mais amplo. A Accor estimula os funcionários e seus parentes que ainda não completaram os estudos, fornecendo material didático para cursos a distância. Atualmente, só 13% dos funcionários da companhia têm apenas o ensino fundamental, proporção muito abaixo da média brasileira. O problema, para a competitividade brasileira, é que diploma não é sinônimo de boa formação. 

 

De acordo com a ONG Todos pela Educação, apenas 10,3% dos jovens que concluem o ensino médio têm conhecimentos adequados de matemática e somente 31% aprendem o mínimo esperado dos conteúdos de português. Num mercado de trabalho como o nacional, que desfruta de taxas de desemprego no menor nível histórico, essa deficiência acaba resultando em queda de produtividade da economia. “As empresas são obrigadas a contratar pessoas menos qualificadas por causa da falta de profissionais adequados”, diz Luiz Edmundo Rosa, diretor de educação da Associação Brasileira de Recursos Humanos. A consequência mais evidente desse processo é a perda da qualidade no atendimento. “Basta reparar na qualidade dos call centers”, diz Rosa. 

 

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