Um batalhão de jornalistas brasileiros aguarda a saída do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o segundo dia da reunião de cúpula do G20,  o grupo dos países desenvolvidos e emergentes mais influentes da economia global. O clima é de guerra cambial e Lula aproveitou o encontro com os líderes das grandes potências para apresentar sua sucessora, Dilma Rousseff. 

Na véspera, quinta-feira 11, a presidente eleita do Brasil e seu maior cabo eleitoral jantaram no Museu Nacional da Coreia com Barack Obama, Angela Merkel, Hu Jintao, David Cameron, Nicholas Sarkozy e outras figuras relevantes do cenário internacional.  
 

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Tapete vermelho: Dilma Rousseff chegou a Seul acompanhada do presidente Lula e se 
encontrou com líderes internacionais, como o francês Nicolas Sarkozy e o sul-coreano Lee Myung-Bak

Lula sai do elevador do Imperial Palace Hotel com o semblante fechado, pois recebera pouco tempo antes a notícia do enfarte do miocárdio sofrido pelo vice-presidente, José Alencar. Os enviados especiais da imprensa nacional correm ao seu encontro, mas só fazem perguntas para quem está a seu lado, no melhor estilo “o rei morreu, viva a rainha”. 

 

Dilma roubou a cena de Lula no hotel da delegação brasileira, mas tomou o cuidado de não fazer o mesmo na última grande aparição do seu padrinho político no grande palco do poder mundial – afinal, ele ainda é o presidente. 

 

Nos poucos momentos em que apareceu em público, a presidente eleita falou pouco e evitou dar declarações bombásticas que pudessem tirar os holofotes de Lula. Também não alimentou a imprensa com detalhes que pudessem ampliar sua mística, como é comum em Brasília. 

 

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Ainda sem acordo: os líderes das 20 nações mais ricas do mundo não chegaram 
a um entendimento sobre a guerra cambial e formas de conter a queda do dólar

 

Nenhuma palavra vazou do breve diálogo que manteve com o presidente dos Estados Unidos, que na reunião do G20 em Londres, em abril de 2009, classificou Lula de “o presidente mais popular do mundo” e o chamou de “o cara”. Ao ser perguntada pelos jornalistas brasileiros como se sentia diante do título de atração do G20 em Seul – a revista Forbes a classificou como a 16a pessoa mais poderosa do mundo –, Dilma contemporizou: “Olha, eu acho que atração é o presidente no exercício do cargo. Presidente eleita não é atração, é notícia só.”

 

Será? Ela também disse que não iria engrossar a voz no evento contra a guerra das moedas, por um motivo simples: “Ainda não tenho voz.” Não é bem assim. Cada palavra sua já é anotada e passada adiante como a opinião de quem vai governar o Brasil a partir de 2011 e pode, conforme seus atos, afetar as finanças de pessoas e empresas com aplicações ou negócios no País.

 

Nas últimas semanas, o governo teve de tomar medidas preventivas contra a entrada de capitais especulativos, como a elevação do IOF para aplicações em renda fixa. Dilma deixou claro o que pensa sobre a desvalorização do dólar e a apreciação do real, que ajuda a manter a inflação baixa, mas diminui a lucratividade das empresas exportadoras: “Isso não é bom para o Brasil. Vamos ter de olhar cuidadosamente, tomar todas as medidas possíveis”, afirmou. E que medidas seriam estas? “Se eu tivesse as medidas, não diria aqui”, respondeu.

 

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Lula e Obama: a decisão do governo americano de despejar US$ 600 bilhões na economia foi criticada pelo Brasil

 

O País estuda novos mecanismos para conter a invasão de dólares que tende a ser reforçada diante dos US$ 600 bilhões recém-liberados por Barack Obama para estimular a economia cambaleante dos Estados Unidos. O diferencial de juros (taxa básica de até 0,25% ao ano por lá e de 10,75% no Brasil) funciona como um ímã do capital especulativo e deve ser combatido para evitar a formação de bolhas de ativos. 

 

Obviamente, a presidente eleita está acompanhando de perto o arsenal de armas em estudo pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, com quem viajou para a capital coreana em avião de carreira. Lula recomendou a Dilma a manutenção do economista no cargo, mas ela mantém segredo sobre seu ministério e nega que tenha tratado do assunto na longa viagem até o outro lado do mundo. 

 

“Não tratamos disso não. Nem tinha sentido tratar dessa questão”, insiste a presidente eleita, mas aposta-se cada vez mais que ele permanecerá no cargo no futuro governo Dilma. Sobre o que teriam conversado em quase 30 horas de viagem, ninguém sabe ao certo,  mas assunto é o que não falta. Foi Mantega quem propagou a expressão “guerra cambial” na reunião anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, em outubro passado. 

 

Dias antes da reunião de cúpula do G20, Mantega criticou os Estados Unidos pela desvalorização do dólar e pela injeção bilionária de liquidez, que comparou a “jogar dinheiro do helicóptero”. Sua franqueza e língua afiada não pouparam nem a China, que “só pensa em si própria” ao manter o yuan praticamente atrelado ao dólar e, portanto, subvalorizado. 

 

Declarações como essa esquentaram os bastidores e deram o tom belicoso do encontro em Seul, num sinal de que o espírito de cooperação internacional mostrado nas reuniões anteriores do G20 foi ofuscado pelas desavenças cambiais e comerciais entre os países. O fraco comunicado final, divulgado no final da tarde da sexta-feira 12, não encerra a guerra cambial.

 

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Nas palavras do Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, apenas “empurrou o problema com a barriga” para o ano que vem. Os Estados Unidos queriam que fossem impostos limites aos superávits comerciais dos países, mas foram derrotados pela forte oposição da China e da Alemanha (os maiores exportadores do mundo) e saíram de Seul com o vago compromisso de que, no primeiro semestre de 2011, o G20 definirá “parâmetros indicativos” para medir os desequilíbrios das economias de alto crescimento. 

 

Obama não acusou o golpe e viu um certo avanço na reunião de cúpula. “Aos poucos, vamos construindo mecanismos internacionais mais fortes e instituições que ajudarão a estabilizar a economia, garantir crescimento econômico e reduzir algumas tensões”, afirmou ao final do encontro.

 

Respondendo às pressões para que a China valorize o yuan, mas sem irritar Pequim com metas e números, o grupo concordou em mover-se em direção a taxas de câmbio baseadas nas forças dos mercados. Os presidentes também aprovaram a adoção de cuidadosas medidas de controle de fluxo de capitais – uma vitória do Brasil e dos outros países que queriam referendar suas políticas de restrições aos dólares especulativos.

 

Lula, com Dilma a tiracolo, voltou ao Brasil logo após a assinatura do comunicado, na tarde da sexta-feira, seguro de que fez a sua parte. Antes, claro, deixou seu último recado eloquente no G20. Disse que o Brasil vive o melhor momento em décadas, criticou o governo do antecessor Fernando Henrique Cardoso e elogiou quem receberá seu bastão. 

 

“A presidenta Dilma não vai fazer discurso algum dizendo que recebeu uma herança maldita do presidente Lula, porque ela ajudou a construir tudo que nós fizemos até agora.” Nessa linha de raciocínio, a presidente eleita está com a faca e o queijo na mão e não tem o direito de errar a partir de 2011. Deve ter voltado ao Brasil com os ombros pesados.

Enviado especial a Seul (Coreia do Sul)