A tarde do dia 23 de fevereiro foi especial para o Esporte Interativo (EI). O canal esportivo fez a primeira transmissão de um jogo da Liga dos Campeões da Europa para os assinantes da NET, a maior operadora de TV a cabo do País, que detém 51,8% de participação de um total de 19,1 milhões de clientes. A negociação entre EI e NET durou mais de uma década e se intensificou no segundo semestre do ano passado, quando o mais importante torneio de futebol do planeta teve início e outras emissoras pagas, como SporTV, ESPN e Fox Sports, não tinham o direito de passar os jogos.

A partida entre o inglês Arsenal e o espanhol Barcelona, a primeira das oitavas-de-final da competição, marcou essa estreia com chave de ouro: o Esporte Interativo alcançou o primeiro lugar em audiência de toda a TV fechada, segundo medição do Ibope. Mais: nem a audiência somada de todos os canais de esporte superou a exibição exclusiva da vitória dos catalães por 2 a 0, com gols do argentino Messi. “Tenho um defeito que preciso corrigir: fico emocionado, mas tenho dificuldade de comemorar as conquistas”, diz Edgar Diniz, cofundador do EI e atual vice-presidente de esportes da Turner América Latina, grupo americano, dono da CNN, que adquiriu o canal em janeiro do ano passado.

“Estou sempre vivendo o próximo desafio, porque nossa vida foi construída assim. Não fomos convidados para essa festa, somos os penetras.” O próximo desafio de Diniz está em curso. Desde setembro do ano passado, o EI estuda os contratos dos direitos de transmissão do futebol brasileiro na TV paga. A primeira oportunidade foi no Campeonato Paulista, que estava com o acordo vencido. A oferta de R$ 90 milhões por ano era três vezes maior que o valor pago no contrato anterior. A Federação Paulista não divulgou essa proposta, mas anunciou a renovação com o Grupo Globo, em TVs aberta e fechada e no pay-per-view (PPV) por cerca de R$ 100 milhões, até 2021.

Se não teve êxito com a Federação, o EI resolveu cortar caminho e negociar diretamente com os clubes. Foi o que aconteceu em novembro, quando Diniz sacudiu o mercado ao investir em conversas com os clubes nacionais pelos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, exclusividade da Globo há mais de duas décadas, a partir de 2019. O EI reuniu 18 dos 20 times da série A (Corinthians e Botafogo já tinham renovado os contratos) e mostrou que no acordo combo assinado por eles com a Globo, a TV paga tinha um retorno irrisório.

De um total de R$ 800 milhões anuais recebidos por todos os clubes, apenas R$ 60 milhões vinham das transmissões que acontecem via SporTV. De calculadora em mãos, Diniz viu quanto conseguiria gerar de receita com os direitos de transmissão e chegou à proposta de R$ 550 milhões, por temporada. “A Globo tinha uma cesta pronta muito favorável a ela e desfavorável aos clubes”, diz Anderson Gurgel, especialista em gestão do esporte e professor do Mackenzie. “O Esporte Interativo quebrou essa zona de conforto.” E seduziu Santos, Internacional, Atlético-PR, Coritiba, Figueirense, Ponte Preta e Santa Cruz, da série A do Campeonato Brasileiro.

Dos 20 times que participarão do torneio neste ano, seis clubes (São Paulo, Grêmio, Atlético-MG, Cruzeiro, Fluminense e Sport), além de Corinthians e Botafogo, aceitaram a proposta da Globo e terão seus jogos transmitidos pelo SporTV na TV paga. A disputa entre os canais está, agora, por Flamengo, Palmeiras, América-MG, Vitória e Chapecoense, que ainda não definiram com quem vão assinar. “Ainda temos um prazo e não queremos fazer um mau negócio”, diz o cartola de um desses cinco clubes, que falou com a DINHEIRO, mas pediu anonimato. “O tempo pode nos ajudar a conseguir uma condição melhor.”

Assim que todos os clubes assinarem os contratos, SporTV e EI terão de negociar como serão transmitidos os jogos dos times que ficaram com o concorrente. A proposta do EI, de fato, modifica uma série de vícios adquiridos pelo futebol brasileiro nos últimos anos. A começar pelo modelo de remuneração. Atualmente, a Globo faz uma divisão que beneficia Flamengo e Corinthians, que recebem cerca de 30% a mais que o São Paulo, o terceiro mais bem pago da lista. O canal da Turner se inspirou no modelo do futebol inglês e utilizou critérios técnicos e de resultados em campo: 50% do valor é repartido igualmente entre todos os clubes, 25% por critério técnico e 25% pela audiência.

Outra mudança é o fim dos adiantamentos das cotas de televisão, que funcionavam como um empréstimo. O Santos, primeiro clube a aceitar a oferta do EI, recebeu R$ 40 milhões de bônus, por dois anos de contrato. Pelo mesmo período, a Globo ofereceu empréstimo de R$ 30 milhões, com prazo de devolução de cinco anos. “Os direitos de transmissão são a parte mais importante na receita dos clubes, que podem ficar financeiramente mais fortes, sem depender de empréstimos”, diz Diniz. “Os grupos de mídia vão pagar mais caro, mas por um produto melhor. É um saldo positivo.”

Com um concorrente indo ao ataque, a Globo armou sua defesa e fez uma série de mudanças nas suas propostas. A oferta aumentou de R$ 60 milhões para R$ 100 milhões e o que foi oferecido como empréstimo passou a valer como bonificação. A partilha da receita segue o modelo do EI, mas com divisão diferente: 40% repartido entre todos, 30% por critério técnico e 30% pela audiência. “A entrada de um concorrente é saudável em qualquer ambiente, desde que seja para melhorar o ambiente do futebol”, diz Pedro Garcia, diretor da Globo Esportes, em nota enviada à DINHEIRO.

“Estamos discutindo e avançando nesse processo de negociação desde o início de 2015. Ajustes e evoluções em negociações como essa não podem ser feitos irresponsavelmente.” A entrada de um concorrente ligou o sinal de alerta do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). No início de março, o órgão de defesa da concorrência enviou para todos os envolvidos um questionário pedindo o detalhamento das propostas. A preocupação do Cade é evitar que os clubes que fecharam com o EI sejam prejudicados nas negociações de TV aberta com a Globo, que ofereceu R$ 1 bilhão. O medo é de retaliação para os clubes, que ficariam sem exposição na TV aberta.

Como proteção, o EI colocou nos contratos uma cláusula de segurança que garante aos times a compra dos direitos de transmissão em TV aberta. A Globo, porém, já afirmou publicamente que não haverá qualquer problema. O que mais chama a atenção no EI é que o canal tenta não confrontar os seus interesses comerciais com os do torcedor. Por esse motivo, eles falam de todos os campeonatos. Um exemplo é que o maior engajamento nas redes sociais do EI aconteceu com um post no Facebook de uma imagem da Copa do Mundo, torneio que eles não podiam transmitir.

“O EI, além de um pacote melhor para os clubes, faz uma promoção de seu produto mais interessante, com muitas chamadas criativas dentro da programação”, diz Marcelo Sant’Ana, presidente do Bahia, que está na Série B mas assinou com o EI. “A Globo tem uma exibição mais discreta dentro de sua grade.” A americana Turner, empresa fundada por Ted Turner, na década de 1970, que hoje faz parte da Time Warner, aceitou investir R$ 80 milhões em 2013 por uma participação de 37% no canal brasileiro. O Esporte Interativo, que nasceu nas parabólicas e se popularizou pela internet em São Paulo e Rio de Janeiro, tem acumulado grandes conquistas.

A Liga dos Campeões da Europa, que está disponível no EI Maxx nas TVs a cabo (menos , ainda, na Sky), foi a principal, desbancando o consórcio favorito, formado por SporTV, e ESPN, controlada pela Walt Disney Company, com uma oferta de US$ 40 milhões por ano. A aquisição do controle do EI pela Turner, em janeiro do ano passado (o valor não é divulgado), foi o passo decisivo para dar musculatura financeira para o canal disputar qualquer direito de transmissão com seus principais concorrentes no Brasil.

Mérito, principalmente, de Edgar Diniz, sque se manteve à frente da operação e continua encontrando motivação para convencer os executivos da Turner a investir no País. “O Edgar tem a capacidade de enxergar as oportunidades de mercado e traduzi-las em negócios”, diz Sérgio Lopes, ex-sócio do EI que saiu para ser investidor de empresas de mídia. “Ele faz diferente porque também sabe alinhar a execução das ideias.” Mesmo que Diniz afirme que não sabe comemorar, suas recentes conquistas mostram que jogar no ataque é a melhor estratégia.