27/10/2022 - 19:20
Às vésperas do segundo turno das eleições, o ministro da Economia, Paulo Guedes, roubou a cena. Não para ajudar o chefe Jair Bolsonaro a renovar o mandato presidencial, mas sim para expor um no sombrio de desvinculação entre o salário mínimo e a inflação, em caso de sua permanência no cargo. Em vez de aplicar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior, como é feito atualmente, o governo utilizaria uma conta complexa e cujo resultado poderá trágico para os mais pobres.
O estudo rascunhado de forma sigilosa na Esplanada dos Ministérios foi revelado pela Folha de S.Paulo, que teve acesso aos documentos que mostram a estratégia de calcular os reajustes a partir de uma fórmula que une expectativa de inflação, meta de inflação e Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Com ela, o governo poderia corrigir os benefícios em porcentuais menores que a inflação real. Se a regra cogitada por Guedes estivesse em vigor desde 2004, o salário mínimo seria hoje em R$ 502, menos da metade dos atuais R$ 1.212.
De acordo com o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, a proposta de Guedes traz consequências imediatas para 57 milhões de pessoas — 24 milhões de aposentados e 33 milhões de trabalhadores ativos. Caso seja aprovada, o Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera os critérios de reajuste irá achatar o poder de compra das famílias, especialmente em períodos de alta generalizada dos preços. “Vai diminuir as condições de vida já difíceis para grande parte do povo brasileiro, especialmente os de menor renda”, disse Augusto Júnior.
Ao contrário do que costuma fazer Bolsonaro, de negar o inegável, Guedes admitiu que há estudos sobre o tema, mas ainda sem definição. O ministro culpou o vazamento das informações a petistas infiltrados no governo. “Alguém, possivelmente um petista de dentro, e entre 160 mil pessoas, faz um trabalhinho interno. Eles mesmos assinam e passam para os jornalistas”, disse, durante evento com a OCB (Organização das Cooperativas do Brasil), na terça-feira (25). “Toda Arca de Noé tem um pica-pau tentando furar o chão para afundar o barco. Aqui no Ministério também tem sempre um petista com uma picareta na mão, vazando estudo que já foi abandonado”, afirmou, sem apresentar nomes.
57 milhões de brasileiros seriam prejudicados pela mudança nos critérios de reajuste do piso nacional
TIRO NO PÉ Tão nociva quanto os tiros de fuzil e as granadas do aliado Roberto Jeferson contra policiais federais no fim de semana, a proposta em estudo no Ministério da Economia caiu como uma bomba na campanha de Bolsonaro. Embora pareça positiva para as contas públicas, é politicamente inviável. Segundo João Beck, economista e sócio da BRA Investimentos, a ideia seria modernizar o reajuste do salário mínimo, trocando o indexador. “Oscilando menos, o governo consegue planejar melhor o Orçamento”, afirmou.
Ao pagar menos para serviores e aposentados, o governo teria mais dinheiro no caixa. Mas salários menores aumentam a desigualdade e a miséria, podendo condenar a economia no médio prazo, segundo o professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Daniel Negreiros Conceição. “Essa ideia de desvincular o salário mínimo e as aposentadorias é tão absurdamente desumana que até economistas ortodoxos têm se posicionado contrários”, afirmou. “Trata-se de uma aberração sustentada em uma avaliação incompetente de como funciona a engrenagem de políticas monetárias.”