07/11/2014 - 20:00
Um longa-metragem editado em um computador pessoal pode parecer uma banalidade nos dias de hoje. Mas, nos anos 1990, era uma tarefa épica. O primeiro a realizar esse feito foi o americano Paul Budnitz, formado em artes pela Yale, uma das cinco mais badaladas universidades dos Estados Unidos. Aos 28 anos, em 1996, ele hackeou o seu equipamento de filmagem e um Macintosh. Por meio de um programa da Adobe, voltado para filmagens caseiras, Budnitz conseguiu montar o filme 93 Million Miles from the Sun (93 Milhões de Milhas do Sol, em tradução livre), que participou de diversos festivais.
“Não aconselho ninguém a fazer o mesmo”, disse ele à Wired, que noticiou o feito à época. “Vai te deixar louco.” Talvez a tarefa realmente tenha tirado um parafuso ou outro da cabeça do californiano, que agora tenta construir a Ello, uma rede social que é a antítese do gigantesco Facebook, plataforma que conta com 1,3 bilhão de usuários ativos. A maluquice ganhou ares de sensatez quando o império de Mark Zuckerberg irritou drag queens do mundo todo ao exigir os nomes de batismo nos perfis. No meio do barraco, veio à tona a Ello e seu curioso manifesto, destacado logo na página inicial.
“Sua rede social é dominada por anunciantes”, diz o texto. “Nós acreditamos que há outro caminho.” A promessa da Ello é de jamais exibir propaganda e nunca vender dados de seus usuários – o que na prática é a fonte do faturamento bilionário do Facebook. Para ingressar na Ello, é necessário obter um convite de outro usuário que já esteja dentro. No auge da polêmica, a Ello diz ter chegado a receber 50 mil solicitações de entrada por hora, muito mais do que o planejado. “Nunca pensamos em fazer um serviço público, era apenas um site para nossos amigos e familiares”, disse Budnitz à DINHEIRO.
“Então com mais e mais pessoas entrando, era hora de construir uma comunidade.” Quem conseguiu os convites, que chegaram a ser vendidos por mais de US$ 100 no eBay, se deparou com um site de desenho minimalista, que parece valer-se de alguns preceitos do Facebook, como a possibilidade de postar fotografias ou utilizar links, condimentados com um molho próprio. Ao contrário da rede social de Zuckerberg, a pornografia está liberada – é pedido apenas que os usuários sinalizem o conteúdo como NFSW (sigla em inglês para “inadequado para o trabalho”).
Não há curtidas. Para mensurar a popularidade de uma postagem, há apenas um contador de visualizações do post. Faltam recursos costumeiros das outras redes sociais, como aplicativos e controle de privacidade. “Nosso objetivo agora é ouvir a comunidade e trazer o mais rápido possível todos os recursos relevantes”, afirma Budnitz. A inspiração para construir a Ello veio do pequeno Estado de Vermont, no nordeste dos EUA, onde a empresa está baseada, cuja legislação não permite a existência de outdoors. Antes de criar a rede social, Budnitz tentou viabilizar diversos empreendimentos.
Um dos mais importantes foi a marca de bicicletas de luxo que leva seu sobrenome. Após ser questionado dezenas de vezes sobre como obter uma bicicleta igual a que usava e fabricava de forma caseira, Budnitz resolveu fundar a própria fábrica em 2010. Outro negócio que o projetou até no exterior foi a Kidrobot, varejista e fabricante de brinquedos com lojas na Inglaterra e EUA, aberta em 2002. As duas empreitadas seguem um modelo de negócio simples e direto. Agora, para ganhar dinheiro com sua rede social, o plano é oferecer aos usuários a possibilidade de pagar para ter acesso a ferramentas digitais especiais, embora ele ainda não saiba (ou não revele) exatamente quais.
No entanto, habilidades, como criar grupos e manejar múltiplas contas através de um mesmo usuário, são comumente mencionadas nas reuniões internas. A startup mostrou no mês passado que seu manifesto antipublicidade não é mera promessa de candidata a anti-Facebook. A Ello se transformou numa Public Benefit Corp (corporação de benefício público). Esse arranjo não impede de buscar o lucro, mas prevê que a gestão equilibre os interesses pecuniários dos acionistas com os benefícios para os usuários. Além disso, a empresa recebeu US$ 5,5 milhões de três fundos de investimento.
Todos firmaram uma carta comprometendo-se com o princípio de nunca vender os dados de seus usuários. “O mundo mudou, 2014 não é 2004”, afirma o texto, em uma referência à data de fundação do Facebook. “A paixão de Paul pelo produto é inacreditável, seu pensamento sobre marketing é completamente diferente do da maioria das pessoas”, disse à DINHEIRO Seth Levine, diretor do Foundry Group, um dos responsáveis pela rodada de investimento. Além do Foundry, participaram do aporte o fundo Bullet Time Ventures e o FreshTracks Capital, que fez o investimento semente de US$ 435 mil na Ello, em janeiro deste ano.