Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal ( STF), o mineiro Joaquim Barbosa ganhou uma aura de celebridade ao relatar o processo do mensalão a partir de 2005. A competência jurídica e a pouca disposição para arranjos e panos quentes levaram à prisão algumas figuras de primeiro nível do Partido dos Trabalhadores, há 12 anos no poder. De quebra, a experiência o transformou em um conhecedor profundo do que ele próprio chamou de a “banda disfuncional” do Estado brasileiro.

O ministro discutiu extensamente esse tema em uma palestra que proferiu na manhã do dia 29 de agosto, em Campos do Jordão, perante um auditório coalhado de banqueiros de investimento – uma parte expressiva deles cabos eleitorais de uma candidatura de Barbosa a qualquer cargo no Executivo.

Para o ex-ministro do STF, a toada desafinada dessa “banda disfuncional” é bem conhecida. Passa pelas relações espúrias entre setor público e a iniciativa privada, e pela apropriação indébita dos recursos do Estado pelos amigos de ocasião dos políticos investidos de poder. Velha como a chegada das caravelas, essa predileção pela malfeitoria tem uma causa específica e bem conhecida: a excessiva intervenção do estatal na economia, praticada à revelia da Carta Magna.

Segundo ele, a Constituição aprovada em 1988 não estabeleceu um capitalismo de Estado. “As regras constitucionais sobre a organização econômica do nosso país dizem o contrário”, diz. “A Constituição é clara ao afirmar que a intervenção do Estado só pode ocorrer em circunstâncias muito excepcionais, como as ligadas à segurança nacional, ou de interesse coletivo relevante, e mesmo assim, sempre por meio de lei votada pelo Congresso, e jamais ao talante do governante de plantão.”

A prática diária da política e o tomá-lá-dá-cá dos partidos, porém, transformaram essa regra em letra morta. A economia brasileira é excessivamente alavancada pela intervenção governamental o que, na avaliação de Barbosa, provoca danos profundos à sociedade. “O capitalismo de Estado é um capitalismo quebrado. Uma sociedade que se paute por sua ética tende a se pautar pelo desequilíbrio entre as pessoas e as instituições”, diz ele.

Em seu pronunciamento de mais de uma hora, frequentemente interrompido por aplausos, Barbosa foi incisivo em indicar os responsáveis. “Empresários se aproximam de políticos para obter subsídios, que funcionam como barreiras para afastar a concorrência. Políticos querem ser eleitos e permanecer nos cargos, e por isso aceitam docemente esses favores. É preciso extirpar da vida brasileira essas relações promíscuas entre o poder público e a iniciativa privada”, diz.

Esse convívio é ruim para a economia e para a sociedade. Para Barbosa, o brasileiro paga preços “indecentemente altos” por serviços como energia e água graças às relações espúrias entre governantes e lideranças empresariais. E, ao seu ver, dentre as distorções geradas, está o modelo de financiamento dos partidos políticos. “Essa prática levou a uma extirpação das virtudes das instituições”, diz Barbosa. 

A solução não é fácil. Para o ex-presidente do STF, é preciso mudar radicalmente a relação entre o setor público e aqueles que optaram pelo mundo dos negócios. É preciso combinar firmeza administrativa com espírito público. Algo que qualquer cidadão que acompanhe o noticiário sabe ser praticamente impossível.