Em tempos de temperança, a folia é um privilégio para poucos. Em geral, só para quem encontra folga para gastar. Que o diga o bloco das administrações municipais com dificuldades financeiras mais agudas. Apenas no Estado de São Paulo, pelo menos cinco prefeituras desistiram de bancar o Carnaval para priorizar compromissos mais básicos, como educação e saúde. O enredo de cautela se repete em municípios e Estados por todo o Brasil, aos moldes do ajuste fiscal anunciado pelo governo federal: corte de custos e elevação de impostos.

O receituário, que afeta desde o cafezinho até os salários de servidores, é uma tentativa de enfrentar os problemas de caixa atuais e o cenário de queda na arrecadação, na esteira do esfriamento da economia. O governo paulista anunciou, na semana passada, um corte de R$ 2 bilhões até dezembro, além do contingenciamento de R$ 6,6 bilhões, divulgado no início do ano. Secretários terão de economizar até 10% da verba, e haverá redução de comissionados e o fechamento de duas fundações estatais. Segundo o governador tucano Geraldo Alckmin, as medidas são necessárias para fazer frente ao “difícil” ano de 2015.

Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo também já haviam comunicado contenções bilionárias. No Distrito Federal, onde a mudança de governo escancarou uma grave crise financeira, a economia chegou à frota oficial. Carros de luxo foram dispensados e o governador, Rodrigo Rollemberg (PSB), trocou um veículo importado por um nacional, ano 2011, da frota da polícia. Os secretários, que antes trafegavam em carros executivos alugados, agora usam populares. O número de funcionários comissionados foi reduzido à metade. Trata-se de economias absolutamente necessárias, considerando o rombo estimado em R$ 4 bilhões, herdado do ex-governador Agnelo Queiroz (PT).

O tamanho do buraco nas contas públicas surpreendeu Rollemberg, que começou a elaborar um plano de austeridade ainda durante a transição, quando sua equipe soube que alguns fornecedores não eram pagos desde julho. Em janeiro, ao assumir o cargo, o novo governador descobriu que havia em caixa apenas R$ 64 mil, e milhares de servidores não tinham recebido o 13º salário, férias e horas extras do ano anterior. Com salários atrasados e falta de material, funcionários da saúde e da educação cruzaram os braços. O governo negociou, mas ainda não conseguiu regularizar sua dívida com as duas categorias.

A paralisação dos servidores se tornou uma dor de cabeça cada vez maior também para o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB). Mesmo após conseguirem impedir a aprovação, na Assembleia Legislativa, de um pacote de austeridade no Estado, os funcionários públicos da Educação não voltaram a trabalhar e pressionaram pela revisão das propostas que afetam benefícios. Na quarta-feira 25, uma manifestação reuniu cerca de dez mil pessoas em Curitiba, e contribuiu para que o governador recuasse sobre parte das medidas. Além do corte de despesas, os ajustes fiscais nos Estados e nos municípios incluem aumento de impostos, como o IPTU.

“Estamos tomando medidas necessárias para o equilíbrio financeiro e para fazer justiça fiscal”, diz Rollemberg. Ainda assim, o governador estima que não será possível zerar o rombo neste ano, apenas reduzi-lo. “A população sabe que não dá para fazer milagre”, afirma. Sinais de receitas mais magras começaram a escancarar-se a partir da piora nas estimativas de crescimento, que nas últimas rodadas previam queda de 0,5% do PIB neste ano, bem abaixo das previsões da maior parte dos Orçamentos. Com a recessão, o bolo destinado aos cofres públicos será menor.

Além do impacto na arrecadação direta, a expectativa é de menor espaço para contração de empréstimos e de redução nos repasses aos Estados e municípios. “Os municípios estão muito debilitados. É exceção encontrar um que não tenha problemas seríssimos”, afirma Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). “Não há como deixar de recolher lixo na rua, reduzir a merenda para a escola. E essa situação vai começar a explodir neste ano. É uma bomba-relógio.” As contas das administrações tampouco são um problema menor para o governo federal.

A equipe econômica da presidente Dilma Rousseff conta com o esforço dessas outras esferas governamentais para alcançar a meta de 1,2% do PIB de superávit neste ano. Municípios e Estados terão de contribuir com uma economia de R$ 11 bilhões, do total dos R$ 66,3 bilhões. No ano passado, ao registrar um déficit de quase R$ 8 bilhões, os governos regionais contribuíram para que as contas públicas registrassem o primeiro resultado negativo em mais de dez anos. De norte a sul do País, a ordem é fechar as torneiras dos gastos, ainda que as medidas sejam impopulares e enfrentem resistências.