O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), foi um dos primeiros a anunciar um ajuste fiscal para enfrentar a recessão, no início de 2015. Assim, conseguiu reverter o déficit das contas e tem evitado atrasos a servidores e fornecedores. Leia abaixo a entrevista que concedeu à DINHEIRO na quinta-feira 24:

O senhor se reuniu com o Henrique Meirelles no dia seguinte ao encontro de governadores. O que conversaram? Foi satisfatório?
A minha visão é que estamos vivendo uma crise gravíssima, talvez, a crise mais grave dos últimos 100, 120 anos e não tem saída fácil. Os problemas fiscais que tivemos nas últimas duas décadas foram tratadas por dois métodos: primeiro empurrar para a viúva, para o governo central, ou seja, para os brasileiros. Na crise no governo Fernando Henrique Cardoso foi feito isso, foi feita uma renegociação vantajosa para os Estados federados. Isso é possível hoje? Não. Porque o governo central está com dificuldades ficais dramáticas. O déficit programado é de R$ 170 bilhões. Este não é o caminho. O outro caminho nas duas décadas era aumentar imposto também exauriu esse caminho. Precisamos encarar a realidade. Não adianta seguir por vertentes que não solucionem os problemas. Quando teve o debate das dívidas, eu fui contrário. Isso não vai resolver o problema porque o problema não é dívida. O problema nos Estados é folha de pagamento de ativos e inativos. Fizeram a negociação e praticamente uma semana depois 14 estados apresentaram um documento ao ministro da Fazenda pedindo R$ 7 bilhões porque não tinha resolvido.

Qual é o caminho para resolver a questão?
O caminho é encarar os problemas. Temos de fazer um ajuste nos nossos Estados no campo da despesa. Nós vemos fazendo isso aqui desde o início, não aumentamos impostos, estamos segurando gastos de folha e gastos de custeio, renegociando com os dois poderes e instituições. Precisamos segurar no campo da despesa, produzimos uma diminuição de custeio na marca de 10%. Isso em cima da diminuição que foi feita no ano passado. Ao mesmo tempo, precisamos evoluir na agenda de reformas. A PEC da limitação dos gastos que trata do governo central está no Senado para depois a gente entrar num assunto que mexe com as finanças estaduais e municipais, que é a previdência.  Essa é uma providência que vai ajudar muito reorganizar as contas públicas e nos municípios também.

Aí no Estado há problema de previdência? 
Claro. Todos os Estados têm. Reorganizamos a previdência em 2004. Separamos os velhos dos novos funcionários. O novo está de pé, capitalizado. E o fundo financeiro para cobrir o passado, esse tem um déficit brutal. No ano passado, tivemos um déficit de R$ 1,5 bilhão. É muito dinheiro para o Espírito Santo. Como cobre esse déficit? Com dinheiro do Tesouro.

Qual é a saída? Aumentar a alíquota de participação?
A primeira questão central é entender o problema previdenciário brasileiro, que tem a ver com dois fatores importantes. O primeiro é que estamos vivendo mais. A expectativa de vida aumentou, isso é muito bom. A outra coisa é que as famílias estão tendo menos filho. A relação entre os que estão trabalhando e os que estão aposentados está mudando velozmente. Então precisamos reformar, ter idade mínima, criar uma regra de transição para o novo sistema. Tem muita coisa para fazer nessa matéria.

Dado que o problema é comum, o caminho é uma saída coordenada para todos Estados?
É a ideia do pacto. A ideia de fazer um pacto é boa, um pacto amplo que cuide da reorganização das contas públicas nacionais, que cuide da reorganização das contas públicas nacionais e da modernização do país. Fazer um pacto para cuidar de uma agenda como essa é um bom caminho. É muito importante que esse trabalhe passe por um debate com a sociedade, que envolva a sociedade nessa situação. É importante a sociedade entender onde estamos e como tirar o país dessa situação para que a gente volte a crescer, gerar emprego, renda e assim por diante.

Alguns Estados têm problemas sérios de recursos hoje para honrar despesas? Mesmo com uma agenda de reformas, leva um tempo para resolver isso. Como faz com o descasamento?
Quem tiver ativo, precisa usar a desmobilização de ativos. É um caminho clássico. O fato é que a gente tem de sair das ilusões. Tem duas ilusões que permeiam ainda o ambiente de debate no país: uma é achar que a União, ou seja, todos nós vamos usar essa conta. A União está com problema, ela mesma está tendo que fazer uma PEC dos gastos para poder, no médio prazo, convergir para o equilíbrio das suas contas; a outra é aumento de imposto. Não tem caminho fácil. Cada um vai ter de encarar o seu problema, debruçar em cima do seu problema, o que puder fazer coordenamente no país, é positivo porque diminui o risco político. Se puder fazer coisas coordenadas é inteligente, a ideia do pacto é boa, mas é importante que o pacto não seja em 4 paredes, converse com a sociedade para entender porque estamos propondo isso ou aquilo outro.

A União vinha tentando se afastar do problema dos Estados, mas teve de recuar. Qual é a importância de contar com o apoio de Brasília?
O que foi discutido é o repasse da multa da repatriação. Na minha visão, eu sou economista, não jurista, a multa é divisível também. Na origem desse projeto, teve um erro jurídico. Está sendo corrigido agora. É um caminho correto. Fazer um pacto, juntar forças no país em torno de uma boa agenda, é bom. Coordenar ações é positivo. Agora criar a ilusão de que a União vai socorrer, de que vamos criar um imposto novo para suportar tal ou qual despesa, isso é fantasia. Esse mundo não fica de pé mais. A não ser que a gente queira voltar par a hiperinflação. Acho que não é o desejo da sociedade brasileira. Temos de nos juntar para fazer o que precisa ser feito, para fazer as mudanças. Cada um precisa cortar despesas para que caibam nas receitas. Os Estados não emitem dinheiro, então nosso ajuste tem de ser mais rápido do que o ajuste da PEC. A PEC permite uma convergência da busca do equilíbrio no médio prazo porque o governo central emite títulos. Como nós não emitimos título, o nosso ajuste tem de ser mais rápido. É o que estamos fazendo no Espírito Santo, trabalhando para colocar a despesa pública dentro da receita. Neste ano duríssimo, estamos cortando 10% no custeio da máquina. Tudo o que pode ser cortado, nos estamos cortando, toda despesa que pode ser adiada por um ano, dois anos, nós estamos adiando, para poder manter o que? A área social do governo funcionando, manter a educação, saúde e segurança pública, aquilo que é essencial funcionando. Salário em dia, abastecimento dos carros de polícia, pagamento dos hospitais filantrópicos, tudo em dia, isso é essencial. O que não está no raio de absolutamente essencial, estamos cortando.

O senhor falou em agilidade e o caso do Espírito Santo é notório…
Na campanha eu já expôs duas coisas: que o país estava indo para o buraco literalmente e rápido, que as políticas já tinham dado errado no Brasil, na América Latina e no mundo e que o Espírito Santo estava no caminho errado de ampliar despesas correntes em desconformidade com a receita. Ou seja, além do que a receita permite. Eu fui eleito e já fui para Assembleia Legislativa pedindo para mudar o Orçamento. A Ana Paula Vescovi estudou a receita do Estado, reestimou a receita do Estado e ficou claro que tinha o orçamento maior em 10%. Fomos negociar a redução do orçamento de todos. Conseguimos reduzi-lo. O Espírito Santo teve déficit em 2013, déficit em 2014. Quando chegou em 2015, conseguimos fazer um pequeno superávit de R$ 170 milhões. Acertamos na mosca não só nessa medida, mas cortamos cargos comissionados, reorganizamos a contratação de designação temporárias, fomos no custeio com muita força de controle. Neste ano, estamos com todos os pagamentos em dia.

Correu o risco de atrasar pagamentos?
Não. Estamos o Estado com as contas organizadas.

O senhor acha que outros governadores demoraram a perceber que a questão era urgente?
No Brasil, não só na área pública, mas na área privada, a ficha demorou a cair. Por que demorou? Alguns realmente se iludiram de que estávamos vivendo um momento mágico e não queriam ver a realidade que já estava batendo na porta. Essa combinação de não querer ver a realidade foi perversa. Não foi só no setor público. Se fizer um sobrevôo no setor privado, isso aconteceu também no setor privado. Decisões que precisavam ser tomadas foram adiadas. O fato negativo é isso. O fato positivo é que me parece que a ficha caiu agora. O País está perdendo a dificuldade de discutir problemas. A Previdência tem 20 anos que precisava mexer. Vieram para a mesa de discussão. Isso vai fazer bem ao País, se a gente conseguir dar vazão a essa discussão que dê competitividade ao País. Não temos lugar ao sol sem competitividade. Perdemos muito tempo, precisamos recuperar o tempo perdido percorrendo a agenda de reformas, que não é só a PEC dos gastos e a Previdência, tem muita coisa para mexer nesse País.

Adotar o limite da inflação para os gastos, como na PEC da União, garante a sustentabilidade dos Estados? 
Não tem dinheiro para isso. Essa proposta não fica de pé nos Estados. Estamos com uma arrecadação menor do que no ano anterior. De onde vamos tirar dinheiro para cobrir despesas? Na verdade, o ajuste nosso tem de ser mais rápido do que no governo federal e é isso que estamos fazendo no Estado. A PEC dos gastos é café pequeno comparado com o que nós estamos tendo que fazer. Eles podem fazer um ajuste de médio prazo porque tem emissão de títulos. Nós não temos Casa da Moeda. Cá entre nós, ainda bem que não temos.

Olhando o caso do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul não parece que a gente corre o risco de chegar numa situação de desordem social um pouco maior? 
Precisamos agir para enfrentar o problema da desorganização fiscal, criando condições para manutenção dos serviços públicos, para que num momento de crise econômica e social não agrave o problema, não permita que o problema da desagregação social evolua. Isso é uma responsabilidade de todos nós.

O senhor vê risco de mais Estados pedirem calamidade financeira?
Espero que não. A ficha caiu para todo mundo. Cada um tem de organizar um campo da despesa, ver o que pode recuperar de receita, o que pode fazer de desmobilização de ativos, ver o que pode fazer de criatividade. Eu licitei uma Participação Público-Privada (PPP) de saneamento que foi disputadíssima na Bolsa. Você busca caminhos para além da operação de crédito. Estamos desafiados a encontrar caminhos, inclusive para a recuperação de investimentos.

Pelos números, dá para perceber que o investimento sofreu no Espírito Santo… 
Sofreu muito. Não tem como mantê-lo com tal queda de receita. Se olhar o Estado hoje, o governo está investindo nos 78 municípios. É um volume menor de investimento, mas distribuído, para que a gente possa chegar ao capixaba. O investimento é menor, mas é hiperdistribuído. Estamos nos virando nos 30.

Vários governadores que alegam pouca margem de manobra para conter o crescimento orgânico da despesa com pessoal. Como faz para resolver esse problema?
A margem que temos é a que estou usando: cargo comissionado, que estamos diminuindo, designações temporárias (não concursados), que reorganizamos. Uma hora desta você não contrata. Não é a gestão que precisamos. Precisava ter outras ferramentas de gestão num período de recessão econômica deste tamanho. Não temos possibilidade de reduzir carga horária e salário, que é o que estamos vendo em várias empresas importantes do País. Isso nos leva a uma visão de que, em algum momento, precisaremos melhorar a legislação para dar um ferramental compatível com a necessidade de gestão de uma despesa tão grande como esta. O ferramental é insuficiente, mas tem margem para fazer.

Há um desgaste político nesta agenda também…
Tem sim, mas a necessidade nos obriga a trabalhar e, ao mesmo tempo, você pode manter a conversa com a sociedade. Tem de explicar para a sociedade o que se passa.

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Confira a matéria “A agonia dos Estados